23/04/2024 - Edição 540

Poder

Procurador ‘preliminar’ da República, Aras silencia sobre relatório da CPI da Covid

Publicado em 26/11/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Nesta sexta-feira (26) completará um mês a aprovação do relatório final da CPI da Covid no Senado Federal, quando a comissão foi oficialmente encerrada. E expectativas pessimistas que giravam desde sempre em torno do procurador-geral da República, Augusto Aras, parecem se confirmar. Aras recebeu o relatório da CPI da Covid no dia seguinte, 27 de outubro, e ainda não prosseguimento às denúncias. Diante da demora do procurador-geral em acenar com uma resposta, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado decidiu chamá-lo para conversar. A comissão quer que o maior representante do Ministério Público explique o que pretende fazer com o caudaloso relatório de quase 1.200 páginas.

Aras dá indícios de que pode entrar para a história como um procurador-“preliminar” da República. Autor do requerimento de convite a Aras, o senador Randolfe Rodrigues ironizou o fato de que, até o momento, o PGR se comprometeu apenas a instaurar “investigações preliminares” sobre a série de escândalos revelados ou compilados pela CPI. No dia 28 de outubro, Aras anunciou a instauração da tal “apuração preliminar” do que jea foi apurado pela CPI da Covid.

A postura de Aras é semelhante à de Geraldo Brindeiro – escolhido para o cargo pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Brindeiro, chefe da PGR de 1995 a 2003, ficou conhecido como “engavetador-geral da República”. Ele morreu de covid no último dia 29 de outubro.

Foram normais as mais de 600 mil mortes?

“A CPI fez uma investigação não preliminar, mas profunda, por seis meses. Não há razão pra investigação preliminar. Queremos saber do procurador-geral da República se ele dará encaminhamento às investigações. Se instaurará um inquérito que seja, no Supremo Tribunal Federal. Se já moverá ação penal contra presidente da República. Ou se ele acha que nada aconteceu no Brasil, que foram normais as mais de 600 mil mortes na pandemia e simplesmente arquiva. Tem que responder isso. Investigação preliminar é uma ação protelatória”, disparou Randolfe.

Na presidência da CDH, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) respondeu que, como a CPI da Covid apresentou inúmeras provas, e ela é em si mesma um inquérito, Aras não precisaria sequer abrir inquérito. “Bastaria ele deflagrar a ação penal”, disse. O parlamentar lembrou que, segundo a Constituição (artigo 129), compete privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública, na forma da lei.

Randolfe: “Cegos que não querem ver”

Na quarta (24), durante debate do Projeto de Lei Complementar 73/2021, a Lei Paulo Gustavo, que garante apoio financeiro ao setor cultural do país, sem citar nomes, Randolfe voltou a comentar os que insistem em “não ver”. “Só cego não vê o óbvio da decorrência da pandemia. Aliás, existem alguns cegos selecionados, que não querem ver as coisas, que têm visão seletiva, que nem viram que existiu pandemia”, disse.

Ao jornalista Roberto D’Ávila, em entrevista na terça (23), Aras respondeu com evasivas sobre se vai comparecer ou não no Senado. Depois de o jornalista repetir a pergunta várias vezes ao longo do programa, Aras acabou dizendo que vai encaminhar o relatório da CPI da Covid, as provas e documentos ao STF.

Ontem, por sua vez, a ministra Cármen Lúcia também cobrou a PGR. A magistrada quer que o STF receba em 15 dias informações sobre “investigação preliminar” aberta por Aras – em agosto –, para apurar (ou não…) conduta de Bolsonaro em ataques ao sistema eleitoral. Trata-se de pedido de investigação, feito por deputados, de live em que o chefe de governo atacou as urnas eletrônicas sem nenhuma prova.

Trecho do despacho de Cármen Lúcia

“Pelo exposto, retornem os autos imediatamente à Procuradoria Geral da República para, no prazo máximo de quinze dias, juntar o andamento das apurações que tenham sido adotadas, de forma heterodoxa e não baseados em fundamentos jurídicos expressamente declarados, acompanhado de cópia integral do que tenha sido providenciado na apelidada ‘Notícia de Fato’ esclarecendo-se que eventuais arquivamentos, encaminhamentos, diligências ou apurações preliminares deverão sempre ocorrer nesta Petição e não em documento inaugurado, sem base legal, em ‘Notícia de Fato’ instaurada a partir de cópia destes autos, tudo para que se garanta o controle jurisdicional nos termos da Constituição e das leis da República”, escreveu a ministra no duro despacho.

No início de outubro, a ministra Rosa Weber, em despacho, disse que lhe causou “perplexidade” um parecer da PGR (assinado pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo) segundo o qual não há crime de Bolsonaro ao se colocar contra o uso de máscaras. “Essa conduta não se reveste da gravidade própria de um crime, por não ser possível afirmar que, por si só, deixe realmente de impedir introdução ou propagação da Covid-19”, escreveu Lindôra.

A ministra do STF devolveu o parecer e mandou que a subprocuradora o refizesse, para que “melhor esclareça o embasamento de sua conclusão”.

Ao brecar quebra de sigilos, Moraes reforça blindagem de Aras a Bolsonaro

A fala em que Bolsonaro associou a vacina anti-Covid à Aids fez aniversário de um mês no domingo. Transmitida ao vivo durante uma live presidencial, a mentira foi retirada do ar pelo Facebook três dias depois. Mas o crime da difusão de notícia falsa permanece impune. O procurador-geral da República Augusto Aras, como de hábito, se absteve de agir. E o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, reforçou a atmosfera de impunidade ao suspender a quebra de sigilo telemático (celular e redes sociais) que a CPI da Covid impusera ao presidenteopata.

Moraes sustentou em seu despacho que a quebra de sigilo perdeu a "utilidade", pois foi aprovada no último dia de funcionamento da CPI. Avaliou que os dados requisitados não poderiam ser aproveitados numa investigação parlamentar "já encerrada". Deu de ombros para o trecho da da decisão em que a CPI pedia que as informações sigilosas fossem repassadas à Procuradoria e ao Supremo.

Para Moraes, cabe ao antiprocurador Aras procurar, se julgar que é o caso. "Se for de interesse da Procuradoria-Geral da República a obtenção desses dados, há via processual adequada para que obtenha as mesmas informações." No próximo sábado, a entrega do relatório final da CPI a Aras também fará aniversário de um mês. O documento indicia Bolsonaro pela prática de nove crimes. E o chefão da Procuradoria limitou-se a abrir mais uma "investigação preliminar".

Com sua decisão, Moraes anulou também o pedaço do requerimento da CPI que pedia o banimento de Bolsonaro das redes sociais e a publicação de uma retratação do presidente por propagar a mentira segundo a qual vacinas contra a Covid deixam os vacinados propensos a contrair o vírus da Aids.

Um presidente da República não se torna criminoso em série por acaso. Difundir falsidades uma vez é acontecimento. Duas vezes é coincidência. Três vezes é crime. Quatro, conivência de quem deveria agir para deter o delinquente. Acima de cinco vezes é impunidade. Blindado, Bolsonaro dá de barato que o relatório final que a CPI entregou a Aras e o inquérito sobre fake news conduzido por Moraes terão o mesmo destino: a gaveta.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *