20/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Com colapso em outros biomas, Pantanal pode secar ainda mais nos próximos anos, alerta cientista

Publicado em 12/11/2021 12:00 -

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Cientistas que atuam de forma extensiva no Pantanal alertam para o futuro que se pode esperar para a maior planície alagável do mundo. Para os cientistas, se o planeta aquecer mais, o desmatamento na Amazônia continuar de forma desenfreada e o Cerrado continuar a ser explorado da maneira atual, o futuro do Pantanal será de seca.

O atual cenário do Pantanal, mesmo com o verde brotando, mostra: chuvas concentradas em apenas um momento, períodos de seca mais extensos, fauna e flora comprometidas, além de avanço no desmatamento.

O coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa, explica que a sobrevivência do Pantanal depende diretamente de outros biomas: Amazônico e Cerrado.

"No Pantanal havia alagamentos que duravam até seis meses, atualmente é muito menor. Alaga de dois a três meses. Essa mudança da quantidade de água depende de fatores externos, por exemplo da chuva que vem da Amazônia, a evapotranspiração da floresta geram vários fatores que chove aqui no Pantanal. Cerrado e no Sudeste dependem das proteções das cabeceiras do Pantanal que também são muito importantes e têm o ciclo natural, que está sendo agravado pelas mudanças que a gente tem feito na Amazônia e nas cabeceiras do Pantanal", alerta Marcos Rosa.

José Marengo, climatologista, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), comenta que em um cenário mais extremo, com o aumento de 4°C na temperatura do Planeta, a seca do Pantanal será mais que iminente. "Realmente se a situação que apresentarmos com um planeta mais quente, teremos uma situação de seca no Pantanal".

"Com cenário que basicamente esquece os acordos internacionais, a Amazônia poderia colapsar e parte do Pantanal poderia ser comprometida. Com o colapso na Amazônia, a incidência de chuvas cai no Pantanal. Quando mais rápido aquece, mais teremos a seca nestes cenários extremos", frisa o especialista.

Porém, a população já amarga cenários extremos, de acordo com Marengo. As nuvens de poeira, fogo intenso e períodos de chuva dispersos aumentam os alertas climáticos e ambientais. "Os cenários extremos estão acontecendo. O risco deste aquecimento compromete o Pantanal".

Interdependência

A cheia do Pantanal é ligada de forma direta à conservação dos outros biomas. Marengo explica que o papel da Amazônia na manutenção de chuvas no bioma que cobre parte de Mato Grosso do Sul é fundamental. O especialista comentou que os rios voadores – aqueles que se transportam em longas distâncias – saem do bioma Amazônico e chegam ao Pantanal.

Já a conservação do Cerrado é fundamental para a sobrevivência dos rios pantaneiros. Integralmente, os rios que banham o Pantanal não nascem no próprio bioma, mas sim, em grande parte, no Cerrado, e outra parcela na Amazônia, é o que contextualiza o climatologista.

Rosa, coordenador técnico do MapBiomas, destaca a atenção para a necessidade de conservação das cabeceiras, onde nascem os rios. Em vinte anos o Pantanal teve um aumento de 556 mil hectares nas áreas de pastagem. O especialista diz que grande parte desta pastagem está na área das cabeceiras, o que coloca em perigo os fluxos das bacias hidrográficas.

"O regime de enchente no Pantanal depende muito das cabeceiras que estão na área do Cerrado e na área da Amazônia, essas áreas foram muito degradadas. Neste local você tem ocupações, por exemplo, de soja, de pastagem que vai até a beira do rio. Quando chove, esse sedimento vai para o rio e desce pro Pantanal , isso muda o ciclo dos rios, os ciclos de alagamento, esses rios ficam mais rasos eles mudam de percurso e daí as áreas que alagam com frequência não alagam mais, essas áreas estão sendo limpas, removidas as vegetações e feita as pastagens exóticas".

Mais sobre o futuro do Pantanal

Com a transformação na paisagem pantaneira, Rosa vê que o equilíbrio entre mata nativa e o plantio exótico pode colocar o futuro do bioma em perigo.

"A vegetação nativa está sempre ali em equilíbrio, mesmo que você use o boi nessa vegetação nativa ele mantém esse equilíbrio. Agora quando você remove tudo e faz o plantio da exótica você está perdendo esse equilíbrio natural e o pessoal está usando muito essa dinâmica, essa seca do Pantanal. O Pantanal é regulado por esse fluxo de meses de cheia e meses de seca e nesses últimos anos as cheias são sempre muito menores e com um tempo menor também, então o pessoal aproveita essa seca para fazer a conversão das áreas de pasto nativo para esses pastos exóticos com uma vegetação de flora exótica plantada e isso realmente desequilibra não só a conservação de toda biodiversidade mas também toda a mudança da relação de umidade no Pantanal", comenta Rosa.

Outro especialista do MapBiomas que acredita no poder do equilíbrio no Pantanal é Eduardo Reis Rosa. Com menos chuva, a terra fica mais exposta, assim levando a uma maior suscetibilidade ao fogo, como Eduardo frisa.

"A chuva que vem da Amazônia já não é a mesma chuva que vinha antes. Já vivemos as mudanças climáticas, não só o Pantanal, mas outros setores, como a agricultura. O homem sente isso. Passou da hora de nos preocuparmos com a questão hídrica. Se aumenta o período de seca, o Pantanal fica mais suscetível ao fogo, e também há reincidência. Se tem mais fogo, temos um ambiente mais estéril. O Pantanal não deve ser caracterizado apenas como bioma, mas como bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Se não conservarmos as nascentes, as poucas ou muitas chuvas podem causar estragos, como a própria seca. O ambiente equilibrado que faz a diferença para o Pantanal sobreviver".

As mudanças que o Pantanal vem sofrendo podem demonstrar um futuro não otimista para o bioma. Entre os cientistas escutados, há uma unanimidade: o poder de conservação. "Eu acho que o mais preocupante é a seca. Com a seca temos a grande possibilidade de grandes cheias. Talvez tenha uma enchente não tão renovadora. Vejo um pouco da possibilidade do retorno de nascentes, temos que conservar", detalha Eduardo.

Perda de identidade

O coordenador de projetos da WWF Brasil, Cássio Bernadino, aponta que o Pantanal tem risco de perder aquilo que o caracteriza: a água.

"O Pantanal só é Pantanal por conta da água. Se o Pantanal perde a água, o Pantanal deixa de existir", alerta Bernadino.

Especialistas apontam e os números comprovam que o sistema hídrico do Pantanal tem sido alterado. Para o representante da WWF Brasil, o caminho que está sendo trilhado em relação ao bioma "é que o Pantanal seja cada vez mais seco e pior".

"Isso tudo afeta a vida dos pantaneiros e na nossa população. Aquilo que faz o Pantanal ser Pantanal está deixando que ele exista. Ao pensar a paisagem desta forma, a água que caracteriza o Pantanal. Temos que ter uma visão integrada dos manejos dos recursos. Se o Pantanal não está inundando quanto antes, há mais matéria orgânica que pode gerar fogo", denuncia Bernadino.

Diante disso, para o coordenador de projetos da WWF Brasil, a responsabilidade do que acontece com o Pantanal é "de responsabilidade compartilhada". "O estado tem um papel nisso, a população também. O setor privado tem seu papel ao respeitar as leis e exigir dos seus fornecedores que as leis sejam cumpridas. Nós temos que ir além da lei, temos que ser ambiciosos: cadeias livres de desmatamento e uso de água mais racional, por exemplo. Já para os cidadãos são as decisões políticas e de consumo", finaliza.

Números demonstram o Pantanal em fragilidade

– Entre janeiro de 1985 e dezembro de 2020, nenhum bioma brasileiro foi tão atingido pelo fogo como Pantanal, com 57% da área total queimada ao menos vez, segundo os dados do MapBiomas;

– Pastagens (áreas com plantas conhecidas como capim) são o principal uso feito do solo brasileiro. De acordo com a pesquisa, em vinte anos, o Pantanal teve um aumento de 556 mil hectares nas áreas de pastagem;

– Bioma perdeu 68% da superfície de água entre as cheias de 1985 e 2020;

– Brasil registra mais de 200 mil focos de queimadas em 2020; número é o maior na década.

Devastado pela seca e pelos incêndios, o Pantanal teve no ano passado 21,7 mil focos de incêndio. No mesmo período deste ano (janeiro e 8 de novembro), pouco mais de 8 mil. O fogo deu trégua graças às chuvas que, embora não volumosas para trazer de volta as cheias, já ajudaram a apagar as chamas em outubro de 2021.

O Pantanal sofre há dois anos com a evolução das queimadas. Primeiro o fogo mostrou seu impacto em 2019, quando apenas no período entre janeiro e 8 de novembro foram 9.396 focos. O número representou um aumento de 520% em relação ao ano anterior: 2018 teve apenas 1,5 mil focos no mesmo período.

Mas o ano de 2020, com 21.713 focos, bateu o recorde de toda a série histórica coletada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde o fim da década de 1990. Levantamentos na região apontaram que os incêndios no Pantanal, entre julho e outubro, foram causados pelo homem. Não havia registro de raios que poderiam justificar um fogo natural no bioma, porque não houve chuva entre junho e setembro.

Estudo realizado por 30 pesquisadores de órgãos públicos, de universidades e de organizações não-governamentais estima que, ao menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta das queimadas no Pantanal no ano passado. Outra estimativa aponta que 4,65 bilhões de animais foram afetados com as queimadas.


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