26/04/2024 - Edição 540

Brasil

Bolsonaro e Centrão usam fome para garantir bilhões a emendas parlamentares

Publicado em 28/10/2021 12:00 -

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Jair Bolsonaro diz que precisa de dinheiro para dar aos pobres por causa da fome – ele é corresponsável pela inflação e a pobreza, mas isso é outra história. Para tanto, defende um calote gigantesco em dívidas do governo. Deputados e senadores governistas bradam que precisam aprovar esse calote em nome dos pobres. Mas o calote é tão grande que, somado à mudança no teto dos gastos embutida no mesmo projeto, vai gerar sobra multibilionária. Que deputados, senadores e o presidente querem usar para bancar suas reeleições.

A graça de viver no Brasil não é apenas que nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá, mas que cara de pau maior que a de alguns de nossos políticos não há.

A Câmara dos Deputados discute um projeto que posterga o pagamento de precatórios, dívidas do governo que incluem até grana que aposentados precisam receber após correções de cálculo. Somando isso ao atropelo do teto de gastos (eu não defendo essa regra lambisgoia, mas acho o ó do borogodó o oportunismo de contorna-la só para reeleger picareta), vai abrir uma folga orçamentária.

Parte desse dinheiro será usado para bancar o Auxílio Brasil, a versão do Bolsa Família coberta com leite condensado, que deve pagar R$ 400 até o final de 2022 a 17 milhões de famílias de eleitores. Também deve ser empregado para cobrir uns buracos na Previdência. Mas o que parte dos parlamentares estão de olho mesmo é na possibilidade de, veja só que terrível coincidência, "sobrar" algo entre R$ 10 e 13 bilhões, que seriam destinados a emendas para parlamentares gastarem em seus redutos e ao fundo eleitoral.

O governo federal e o centrão poderiam alocar toda essa dinheirama para colocar em prática o Projeto Nacional de Fomento a Empregos Verdes, gerando vagas formais, decentes e que ajudam a combater mudanças climáticas? Sim, claro. Mas para tanto esse projeto teria que existir. Na verdade, o Brasil teria que ter um projeto nacional que não passasse pelo bem-estar apenas do presidente e seus aliados.

A oposição afirma que topa mudar o teto em nome de garantir recursos cascalho para a sobrevivência dos mais pobres neste momento – o que é fundamental, dada a barafunda que essa gestão nos meteu. Mas que vai votar contra a Festa da Fruta bancada pelo cambau nos precatórios. Reclamam que é muita cara de pau o governo ter feito três anos de mimimi em cima de uma suposta responsabilidade fiscal para mandar tudo para o espaço perto das eleições.

O governo Bolsonaro e o centrão usam a fome dos pobres como justificativa para mudanças legais que possibilitem usar o máximo da máquina pública em ano eleitoral. Diante de perguntas sobre a esquisitice de tudo isso, questionam repetidas vezes se os mais pobres não merecem R$ 30 bilhões, afirmando que é muita maldade negar isso a quem passa dificuldade.

Uma chantagem explícita cujo grande prêmio nunca foi a sobrevivência desses mesmos pobres, mas a deles próprios.

Presidente explora a miséria da Venezuela para encobrir a miséria do Brasil

Enquanto o IBGE divulgava, no último dia 26, que a inflação de outubro deve fechar com a maior alta para o mês em 26 anos e o último aumento da Petrobras levava o litro da gasolina a quase R$ 8 e o botijão de gás aos R$ 135 em algumas partes do país, Jair Bolsonaro resolveu dar destaque à miséria de… venezuelanos.

Segue à risca o Manual da Egípcia, produzindo mais uma miragem para enganar a população diante de seu imenso deserto de propostas para que o Brasil escape da areia movediça em que ele mesmo nos ajudou a afundar. E na qual estamos enfiados até o pescoço.

Explorando a pobreza dos refugiados, inclusive de crianças, Bolsonaro produziu mais uma peça de campanha eleitoral antecipada em visita às instalações da Operação Acolhida, em Boa Vista (RR) – apesar de negar que estava em campanha. Se a Justiça Eleitoral o multasse toda vez que faz isso, os recursos que desviou, via rachadinhas, já teriam sido totalmente devolvidos à sociedade.

Ver Bolsonaro afirmar que os refugiados "vêm para cá atrás de comida", o que é verdade, contrasta com os brasileiros que reviram caminhões de lixo atrás de comida por conta da crise que ele ajudou a criar. O presidente, contudo, não gosta de falar sobre o assunto e, quando ele é posto sobre a mesa, faz de tudo para arremessar responsabilidades para longe, aliás, seu esporte preferido.

Sem sua conta do YouTube, suspensa após ter mentido que vacina contra covid causa Aids (quando historiadores do futuro forem estudar nossa época, frases como esta provocarão um sentimento de dó para conosco), Jair transmitiu a visita pelo Facebook – que manteve o acesso do presidente à sua conta.

Na live, aproveitou para atacar Lula devido ao apoio do PT ao governo Nicolás Maduro. Com um rosário de candidatos a candidato da 3ª via que atacam o ex-presidente para tentar herdar a vaga do atual presidente no segundo turno, Jair tem que convencer seus seguidores, de tempos em tempos, que ele é o maior antipetista de todos.

A situação na Venezuela é péssima e o Brasil, se não tivesse aberto mão de ser um ator relevante no cenário regional, poderia ajudar a negociar uma solução política com o vizinho. Contudo, o presidente preferiu estimular a tensão, chegando quase às vias de fato com Maduro.

Temos um turista, um candidato e um sabotador, não um presidente. Bolsonaro ajudou a atrapalhar o combate à covid-19 com o objetivo de empurrar pessoas de volta às ruas para que a economia não atrapalhasse a reeleição. Ironicamente, isso tornou as quarentenas mais ineficazes, estendendo a pandemia e, com isso, a crise econômica. Além disso, o governo suspendeu o auxílio emergencial no final do ano passado, deixando as pessoas no relento no momento mais letal da covid-19.

Os ataques de Bolsonaro às instituições e a falta de um projeto de Guedes para a economia ajudaram a gerar instabilidade, o que elevou o preço do dólar. Isso tem impacto nos combustíveis, no gás de cozinha e nos alimentos.

Não por coincidência, ele fez sua micareta eleitoral no dia em que a CPI da Covid estava votando o seu relatório final.

Se Jair e sua equipe gastassem trabalhando a mesma energia que usam para disfarçar que não trabalham, o Brasil não teria 606 mil mortos, nem tamanha fome e absurda inflação. Talvez até tivessem desenvolvido a cura para a covid-19.

Fome atinge 23,5% dos brasileiros

Cerca de 23,5% da população brasileira encerrou o ano de 2020 em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, conforme aponta o último levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas. A porcentagem representa mais de 46 milhões de habitantes, e a fome tende ainda a piorar: um levantamento do jornal Estado de S. Paulo via Lei de Acesso à Informação mostra que 5,4 milhões de pessoas podem ter o acesso ao benefício Bolsa Família prejudicado após a substituição pelo Auxílio Brasil.

A pesquisa da ONU revela que o crescimento da fome se tornou um problema mundial em decorrência da pandemia: 811 milhões de pessoas se encontram em insegurança alimentar no mundo, 160 milhões destas tendo adentrado o mapa da fome em 2020. No Brasil, por outro lado, a fome já avançava antes: o período de 2018 a 2020 teve 12 milhões de pessoas a mais em insegurança alimentar em comparação ao período 2014-2016.

Atualmente, a principal proposta do Governo Federal para conter o avanço da fome é a implementação do Auxílio Brasil, programa de distribuição de renda alimentar que promete oferecer um valor maior do que seu sucessor, o Bolsa Família. Apesar da proposta atrativa, o levantamento do Estado de S. Paulo revela que 37% dos 14,37 milhões de beneficiários podem não receber o aumento ou ainda sofrer cortes no valor.

O programa conta com um orçamento previsto de R$35 milhões, valor que pode não ser suficiente para garantir o aumento prometido por Jair Bolsonaro a todos os beneficiários. Além disso, o Auxilio Brasil diminui o número de beneficiários por família de sete para cinco cadastrados, limitando o valor distribuído para famílias maiores.

Por parte do Programa Mundial de Alimentos da ONU, há um projeto para tentar conter o avanço da fome no Brasil e no mundo: o Nutrir o Futuro. A organização procura incrementar o diálogo entre países para que consigam trabalhar juntos em medidas locais de reforço à segurança alimentar para suas populações.

Mesmo soluções internacionais vão exigir esforço para que se consiga reverter o quadro de fome. “Em apenas um ano, o número de pessoas afetadas pela fome crônica aumentou mais do que nos cinco anos anteriores combinados. Reverter esses altos níveis de fome crônica levará anos, senão décadas”, declarou o economista-chefe do Programa Mundial de Alimentos, Arif Husain.

14% dos menores de 5 anos têm deficiência de vitamina encontrada na carne, mostra estudo

A desigualdade socioeconômica do País se reflete em deficiências nutricionais e compromete o desenvolvimento saudável das crianças brasileiras. É o que mostra uma pesquisa inédita coordenada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com a UERJ, a UFF e a Fiocruz.

Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI-2019), 14,2% das crianças brasileiras de até 5 anos enfrentam deficiência de alguma vitamina ou mineral. Mais precisamente, da vitamina B12. E 10% delas apresentam anemia. Nesta fase da infância, a deficiência nutritiva provoca consequências como déficit de crescimento, raquitismo e baixo desempenho cognitivo, além de comprometer o sistema imunológico. 

“As fontes de vitamina B12 são exclusivamente alimentos de origem animal, principalmente – carne bovina, suína, fígado, vísceras e peixes. A dificuldade de acesso a esses alimentos pode estar relacionada à alta prevalência de deficiência de vitamina B12 nessa faixa etária”, esclarece Gilberto Kac, professor titular do Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ.

Apesar dos índices terem aumentado em todo o País, a diferença regional é grande. As crianças do Norte continuam sendo as mais afetadas. De 2006 para 2019, a taxa de crianças anêmicas subiu quase 7% no Norte, alcançando 17% do grupo etário. Entre aquelas que mais sofrem com a falta de nutrientes estão as crianças pobres, pardas ou negras. Destas, 31,9% apresentam algum nível de insuficiência de vitaminas. 

Os dados do estudo foram coletados de fevereiro de 2019 a março de 2020, quando a pesquisa foi interrompida devido à pandemia.

De lá para cá, o preço da carne teve um forte aumento (mais de 31,64% nos últimos 12 meses), podendo ter agravado ainda mais o cenário de insegurança nutricional infantil. E continuará subindo. 

O estudo ainda aponta que a ausência destes nutrientes é um problema de saúde pública, sendo essencial a ação do estado para combate-la. 

No entanto, o governo do presidente Jair Bolsonaro continua promovendo o desmonte das políticas de combate à fome, tendo inclusive, recorrido ao Supremo Tribunal Federal para que não seja obrigado a adotar tais medidas para atenuar o crescimento da miséria no Brasil. 

Outro relatório publicado em setembro revelou que quase metade das famílias brasileiras com crianças menores de 5 anos (47,1%) vive em algum grau de insegurança alimentar.

'O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Vamos para o lixo para comer'

"O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Todo dia, meus filhos e eu vamos para o lixo para comer."

Após o vídeo com pessoas revirando um caminhão de lixo atrás de comida, em um bairro nobre de Fortaleza, viralizar nas redes sociais, movimentos populares organizaram uma busca por elas e doaram cestas básicas. Ao todo, 20 famílias foram beneficiadas.

A ação contou com a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular.

Parte dos itens das cestas básicas, como arroz, feijão, abóbora, farinha, coco e rapadura de caju, foi produzida em assentamentos e acampamentos do MST no Ceará.

Uma das mulheres que aparece revirando o caminhão de lixo no vídeo gravou um depoimento para os movimentos. É dela a frase que abre este texto. Afirmou que disputa o lixo porque está desempregada.

"Quando o caminhão chega, a gente tem que ser muito ligeira para pegar. Eles jogam, a gente tem quem correr para dentro da caçamba, tem que ser rápido. Os garis não podem dar na nossa mão, porque é o trabalho deles", explica.

De acordo com Neidinha Lopes, da direção estadual do MST no Ceará, os movimentos vão manter um trabalho permanente junto a essas famílias e pretendem ampliar as doações com a proximidade do Natal. A ação que procurou e doou os alimentos foi realizada na semana passada.

"Durante a pandemia, com o aumento da fome, intensificamos um trabalho que já realizávamos nas periferias", afirma. "Neste caso, visitamos o local para entender a dinâmica das famílias que buscam comida no lixo, situação que é recorrente. Estamos construindo uma ação mais massiva para doações nos próximos meses com recursos das cooperativas dos movimentos no interior."

O MST calcula que já doou, nacionalmente, mais de 5 mil toneladas de alimentos e um milhão de marmitas desde que começou a pandemia.

Imagens com pessoas revirando o lixo ou disputando ossos ganharam às redes nas últimas semanas, mostrando o avanço da fome no país.

De acordo com pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 19,1 milhões passaram fome em um universo de 116,8 milhões que conviveram que não tiveram acesso pleno e permanente à comida no final do ano passado. Os famintos eram 9% da população, a maior taxa desde 2004.

Porém, os números já estão desatualizados. O governo Jair Bolsonaro suspendeu o pagamento do auxílio emergencial por 96 dias no auge da pandemia, retornando-o depois com valores insuficientes para a compra de uma cesta básica e para um número menor de beneficiados. Além disso, a disparada da inflação reduziu o poder de compra principalmente dos mais pobres.

Sem projeto para garantir segurança alimentar ao mais pobres, o governo propôs o Auxílio Brasil, um Bolsa Família com estrutura mais precária, defendendo o calote nos precatórios e a mudança no teto dos gastos para financiar R$ 400 – mas só até o final do ano eleitoral.


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