25/04/2024 - Edição 540

Ecologia

Desmatamento impulsiona emissões de CO2 no Brasil em 2020

Publicado em 26/10/2021 12:00 -

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Num ano marcado pela pandemia de covid-19, em que os motores das maiores economias desaceleraram, o Brasil intensificou sua carga de poluição lançada na atmosfera. As emissões brutas de gases de efeito estufa do país em 2020 chegaram a 2,16 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e), um aumento de 9,5% em relação ao período anterior. É o maior nível desde 2006.

Isso ocorreu enquanto média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, serviços e indústrias ao longo do ano passado por causa pandemia.

O movimento contrário à tendência mundial tem uma fonte determinante: o desmatamento. Quando ele sobe, o que foi verificado no ano analisado, o reflexo nesse cálculo é imediato. Os gases que o desmatamento provoca, atividade classificada como mudanças do uso da terra, são responsáveis pela maior parte das emissões brasileiras, 46% do total (998 milhões tCO2e).

 "Os gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelas mudanças do uso da terra aumentaram 23,6% no ano passado", ressaltou Tasso de Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, que apresentou o novo levantamento nesta quinta-feira (28/10).

Os dados brasileiros são divulgados num momento em que o mundo se esforça para diminuir a poluição de CO2 num cenário de avanço rápido das mudanças climáticas, comenta Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e um dos autores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

"É um aumento muito expressivo. Isso vai trazer uma pressão monstruosa sobre o Brasil nessa conferência do clima”, pontua Artaxo, mencionando a 26º edição da reunião organizada pela  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCC), que começa no próximo domingo, em Glasgow.

"Ninguém vai querer dar dinheiro para o Brasil, ninguém vai querer pagar para um país aumentar a sua principal fonte emissora, que é o desmatamento”, analisa Artaxo, fazendo referência a doações internacionais feitas ao país pela redução da destruição da Floresta Amazônica – como ocorria com o Fundo Amazônia, suspenso sob a administração Bolsonaro.

Mais boi e fertilizante

Depois do uso da terra (46% do total), seguem a agropecuária, com 27% das emissões brutas; o setor de energia(18%); processos industriais (5%) e resíduos (4%).

Em 2020, o agro atingiu um recorde também nesse campo. Foram 577 milhões tCO2e, um aumento de 2,5% em relação a 2019. Esse é o maior índice já medido para a atividade desde 1970, segundo os dados do SEEG.

A contagem leva em conta gases liberados durante a digestão de ruminantes, com destaque para o metano liberado durante o "arroto” do boi, chamado tecnicamente de fermentação entérica. São considerados também tratamento dos dejetos desses animais, cultivo de arroz irrigado, queima dos resíduos agrícolas do cultivo de cana-de-açúcar e algodão, manejo dos solos agrícolas – como uso de fertilizantes.

A fermentação entérica representa a maior parte das emissões do agro (65%). Uma explicação para esse cenário é a permanência de mais bois no pasto devido à queda do consumo de carne no Brasil durante a pandemia. "Essa é uma notícia muito ruim pra o país, já que limitações de emissão de metano vão começar a ser negociadas e impostas”, comentou Artaxo.

O consumo de fertilizantes sintéticos, que também atingiu um patamar inédito em 2020, de 5,3 milhões de toneladas, puxou as emissões desse subsetor em 17,4%. Os pesquisadores que trabalharam nos dados desconfiam que essa subida esteja relacionada à produção de grãos, que teve uma marca recorde de 255,4 milhões de toneladas.

"Apesar da alta, a agropecuária tem grande potencial pra ser explorada em termos de redução de suas emissões. Pra isso, é preciso encontrar formas de dar escala e acelerar técnicas de produção de baixo carbono já conhecidas e usadas”, comentou Renata Potenza, do Imaflora, durante a apresentação do relatório.

Energia

Como esperado, as emissões do setor de energia teve uma redução forte nas emissões, de 4,6%. Isso se explica principalmente pelas restrições e isolamento social no primeiro semestre devido à pandemia, o que diminui a queima de combustíveis fósseis no transporte de passageiros.

"Embora tenha um peso pequeno no geral, o consumo de querosene de aviação caiu pela metade”, pontou Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

O setor de processos industriais e uso de produtos teve uma oscilação de 0,5% para cima, na contramão da energia. Uma alta de 1,6% foi observada na área de resíduos, o que, segundo os pesquisadores, se deve principalmente ao tratamento de esgoto domésticos e aumento na produção de lixo durante a pandemia.

"Esses números são maiores em locais com maior urbanização e população”, afirmou Iris Coluna, analista de projetos do braço da ONG ICLEI na América do Sul.

Dúvidas sobre metas

No ranking global de maiores poluidores, o Brasil ocupa a quinta posição, atrás de China, Estados Unidos, Rússia e Índia. Quando se considera a média mundial de emissões per capita, o brasileiro se destaca: são 10,2 toneladas brutas contra 6,7 da média mundial.

Em Glasgow, o que o país terá a apresentar é uma tendência de curva de crescimento da carga de gases emitida e dúvidas sobre o cumprimento de compromissos assumidos no Acordo de Paris.

Segundo as promessas de 2015, o país reduziria suas emissões líquidas em 37% até  2025 em relação aos níveis de 2005, o que totalizaria uma emissão máxima de 1,3 bilhão de toneladas líquidas de CO2. Além da meta para 2025, o país indicou que chegariam em 2030 com 43% de redução – também em relação a 2005.

Uma manobra feita pelo Ministério do Meio Ambiente no ano passado, porém, deu margem para que o país aumente em 400 milhões de toneladas de CO2e o limite de emissão previsto para 2030. O caso ficou conhecido como "pedalada de carbono”, e foi mencionado num relatório recente da ONU como um exemplo de retrocesso.

"Os números do Brasil completam o ciclo negativo desse governo de Jair Bolsonaro”, comentou Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, citando o aumento do desmatamento, das invasões de terras públicas e dos crimes ambientais. "O Brasil chega a COP colhendo o que plantou. Plantou destruição ambiental está colhendo em forma de aumento de emissões”, complementou.

Desconsiderar mudança climática fez Brasil gastar R$ 17 bi a mais com térmicas

A COP 26 começa no próximo domingo, dia 31, em um cenário de escassez e preço alto de energia que ameaça a retomada da economia mundial. No Brasil, a crise energética é agravada por planejamentos que insistem em ignorar as mudanças climáticas e o que os especialistas já chamam de “novo normal”. Uma espécie de pacote de notícias ruins que inclui redução de chuvas, secas mais prolongadas e reservatórios quase vazios. A falta d`água custa caro à União, ao setor produtivo e ao consumidor. Um estudo apresentado em mesa redonda promovida pelo iCS (Instituto Clima e Sociedade) estima que o Brasil gastou R$ 17 bilhões a mais do que teria desembolsado se tivesse agido preventivamente, acionado há mais tempo térmicas a gás, mais baratas, para economizar a água das hidrelétricas.

Esse “seguro contra a seca” teria custado R$ 20 bilhões. Como não foi feito, os reservatórios chegaram ao menor nível em 90 anos, o governo, agora, vem sendo obrigado a gastar R$ 37 bilhões para acionar todas as térmicas, inclusive as mais caras, a diesel. Os cálculos são do engenheiro Donato Filho, diretor da Volt Robotics e professor de Modelagem Computacional e Sistemas Inteligentes da USP. A apresentação do estudo contou com a participação do matemático Sérgio Margulis e do engenheiro Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), entre outros especialistas convidados pelo iCS.

O estudo revela também que a conta poderia ser ainda menor caso o governo tivesse investido antes na ampliação da geração solar e eólica. Essas fontes renováveis teriam evitado o esvaziamento dos reservatórios, cumprindo a mesma função que as térmicas, só que a um custo muito menor e sem aumentar as emissões. Um investimento anual de R$ 10,7 bilhões, metade do valor gasto com as térmicas, seria o melhor “seguro contra a seca” disponível. “Em vez disso, leis e emendas obrigam a contratar térmicas, um malabarismo para passar o custo da energia suja ao consumidor. É uma espiral da morte: aumentamos as emissões de CO2, que aceleram as mudanças climáticas. As térmicas deveriam ser a última opção, mas se tornaram prioridade nas emendas do Congresso à MP de privatização da Eletrobras, com o consumidor sendo forçado a comprá-las a preços cada vez mais altos”, critica Donato.

Não satisfeito com o valor da conta, o governo segue apostando na energia suja. Em um leilão emergencial para contratação de energia, realizado nesta segunda-feira, dia 25 de outubro, apenas 78 projetos foram de fonte solar fotovoltaica, totalizando 1,86 GW de potência. Já a contratação das usinas a gás natural representou 97,1% do leilão, enquanto a biomassa ficou com 2,6% e a solar fotovoltaica com apenas 0,3%.

Sérgio Margulis reforça que o planejamento não pode mais ignorar as mudanças climáticas: “As secas não são mais eventos extraordinários, são para sempre e cada vez mais frequentes e intensas. O setor agrícola também vai ter que se adaptar a mais temperatura e menos chuva, todos temos de conviver com o novo normal”. Margulis, que foi economista do meio ambiente do Banco Mundial, em Washington, por 22 anos, e trabalhou com o tema em mais de 40 países, é autor de “Mudanças climáticas: tudo o que você queria e não queria saber”. Ele apresentou uma série de mapas evidenciando a tendência de redução da chuva em todo o Brasil, com exceção do Sul.

“O fator fundamental desta grande crise é que o planejamento não considera as mudanças climáticas. Quem paga é o contribuinte, e isso impacta toda a economia”, complementa a diretora programática do iCS, Teresa Liporace. Ela lembra que, às vésperas da COP, o Brasil dá uma “pedalada” em sua própria vantagem competitiva, adotando ações poluentes quando deveria mitigar riscos climáticos. “A quem interessa adotar medidas de curto prazo que vão ter impactos a longo prazo para todos?” O ex-ministro José Goldemberg, que presidiu quatro estatais do setor elétrico, comparou a atitude do governo em não evitar o esvaziamento dos reservatórios à de quem não faz seguro do carro. “Se você paga o seguro, vê que é muito menos do que o prejuízo de perder o carro. Não fazer seguro contra a incerteza tão grande de chuvas é um absurdo.”

Ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e ex-secretário-executivo do Ministério das Minas e Energia, Luiz Eduardo Barata lembrou que o problema das mudanças climáticas é mundial, mas o Brasil procura agravá-lo ao contratar fontes poluentes em vez de se adequar à realidade. “O problema não é divino, é da natureza. Começa com crise climática, se transfere para a hídrica e, no Brasil, vira crise elétrica. O caminho é quebrar o paradigma e viabilizar a contratação em grande escala das renováveis, mas insistimos em negar o que o mundo nos apresenta”, explica o engenheiro.

Muitos estudos, segundo Barata, demonstram que o Brasil pode recuperar os reservatórios, tirando-os da situação crítica, com energias renováveis. “O esquema que vivemos desde o início do sistema, na década de 50, não serve mais, e o uso das renováveis no período seco permitiria manter as hidrelétricas em condições de modular a carga elétrica o ano todo, sem esvaziar os reservatórios”. Donato reitera que o Brasil precisa observar como as mudanças climáticas estão alterando decisões governamentais pelo mundo. “O governo da China, um país comunista, está falando em adotar preço de mercado para a energia, para as pessoas sentirem o que estão gastando. Enquanto nós estamos com uma tarifa fixa”, compara.


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