28/03/2024 - Edição 540

Poder

Com Telegram e WhatsApp, Bolsonaro monta logística da mentira para 2022

Publicado em 15/10/2021 12:00 -

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Apesar de Bolsonaro estar colonizando o Telegram visando às eleições de 2022, sua estratégia não prescinde do WhatsApp. Pelo contrário, a ideia é que os dois aplicativos de mensagem façam parte da mesma estrutura de difusão de notícias falsas e outros materiais visando à desinformação.

O WhatsApp é apontado como um dos cabos eleitorais do então presidente da República ao permitir o disparo em massa de mensagens. Porém, mais efetivo do que isso, foi Bolsonaro ter abastecido grupos de seguidores, que foram para o corpo a corpo digital.

Seguidores de Jair dispararam material que ganhou tração manualmente devido a uma característica do aplicativo na época: o anonimato (de quem produz a mensagem mentirosa) e viralização (de um conteúdo). Dessa forma, histórias fantasiosas foram distribuídas em um piscar de olhos, como a, hoje, icônica "mamadeira de piroca do PT".

Devido às críticas que recebeu pelo impacto negativo que estava causando nas eleições do Brasil e da Índia, o aplicativo adotou sugestões, inclusive vindo de pesquisadores e especialistas brasileiros, limitando em cinco o número de pessoas e grupos para os quais uma mensagem pode ser compartilhada. Posteriormente, a plataforma adotou o limite de apenas um compartihamento para mensagens encaminhadas com frequência.

Isso não resolveu o problema da plataforma, mas dificultou a manipulação do debate público através dela.

Neste novo cenário, Bolsonaro vai usar o Telegram para garantir o fornecimento de munição a seu exército de seguidores para que travem uma guerra em seu nome ao longo de 2022. Esses bolsonaristas, por sua vez, postam o conteúdo recebido pelo Telegram em seus grupos no WhatsApp de amigos, de familiares e de colegas de trabalho.

Isso é facilitado pelo fato de o Telegram ter muito menos regras de uso para a sua comunidade e não ter escritório no Brasil – o que torna praticamente impossível que decisões judiciais em tempo hábil retirem conteúdo ou mesmo a plataforma do ar, ao contrário do que ocorre com o WhatsApp. Criado em 2013 pelos irmãos russos Nikolai e Pavel Durov, a empresa está, hoje, sediada em Dubai.

Essa estrutura da mentira, que distribui conteúdo via Telegram e ramifica via WhatsApp, conta com o fato que, apesar da esquerda bater bumbo de que o apoio a Bolsonaro nas redes é realizado majoritariamente por robôs, ele possui uma grande quantidade de seguidores engajados em espalhar o que ele quiser. De acordo com a última pesquisa Datafolha, 15% dos brasileiros acreditam em tudo o que o presidente diz.

Bolsonaro não precisa que o Brasil esteja no Telegram, apenas que seus seguidores continuem fiéis e ativos, prontos para atuar como cabos eleitorais, levando adiante as mensagens. O que reforça a importância de o presidente manter esses 15% constantemente excitados e mobilizados, seja com ameaças de golpe de Estado, seja com ataques a instituições e jornalistas.

Após ser demandado pela Justiça Eleitoral, o WhatsApp tem retirado vídeos mentirosos do ar durante as eleições. Cada vídeo, quando postado, tem uma espécie de RG que pode ser identificado. Advogados de candidatos prejudicados levam esses dados ao juiz, que ordena a remoção – o que o leva a ser retirado de todos os celulares. Mas, até isso acontecer, passam-se horas ou dias, o suficiente para a mentira viralizar e fazer efeito.

Isso sem contar que o mesmo não pode ser feito com conteúdo em texto.

Sim, o presidente não quis estruturar a logística do combate à pandemia, mas está estruturando a logística da mentira para as eleições. Questão de prioridades.

Lata de lixo

A migração da família Bolsonaro do WhatsApp para o Telegram é o mais eloquente sinal de que o capitão e sua prole vão à disputa de 2022 à procura de encrenca. O canal do presidente no aplicativo ultrapassou a marca de um milhão de inscritos.

Ao contrário do WhatsApp, que limita os grupos a 256 membros e restringe o alcance de mensagens replicadas muitas vezes, o Telegram segue a filosofia da moderação mínima. Autoriza grupos com 200 mil pessoas. Permite compartilhamento irrestrito.

Graças às suas características, o Telegram passou a ser visto por especialistas como uma espécie de terreno baldio no qual os produtores de fake news jogarão lixo eleitoral e desinformação na campanha do ano que vem.

O Telegram é uma empresa russa, sem representação no Brasil. Algo que inibe as sanções judiciais. E torna improváveis eventuais parcerias com órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral, que rala para implantar um programa de Enfrentamento à Desinformação na eleição de 2022.

Bolsonaro se equipa para o jogo sujo como um delinquente reincidente. Isso acontece, em parte, por responsabilidade do próprio TSE, que se abstém de punir o presidente pelas perversões cometidas no verão passado.

Pesa contra a chapa Bolsonaro-Mourão, eleita em 2018, a acusação de uso de mensagens de WhatsApp como anabolizante eleitoral. Isso é crime. A lei não ampara robôs que disparam material a favor de um candidato ou contra o seu oponente.

Suspeita-se que a coisa foi financiada com dinheiro que correu por baixo da mesa, sem passar pela escrituração da campanha.

No limite, o caso poderia levar à cassação da chapa. Entretanto, o TSE retarda o julgamento, o que estimula a reincidência.

Não é que o crime não compensa. A questão é que, quando compensa, ele muda de nome. Passa a se chamar estratégia de campanha.


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