25/04/2024 - Edição 540

Especial

Um governo omisso

Publicado em 15/10/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Nunca os mais pobres do Brasil foram a prioridade de nenhum Governo. São considerados apenas um estorvo. Servem somente em época de eleição, em especial para o voto. Poucas vezes, porém, os pobres foram tão desprezados como hoje, sob este Governo golpista. São uma espécie de mortos-vivos que só atrapalham.

E se esses pobres são mulheres, a dose de desprezo do presidente misógino é dupla: dias atrás, agrediu e ofendeu uma mulher anônima que tentou contestá-lo: “Tenho certeza que você nem sabe quanto é 7 vezes 8″, respondeu mal-humorado, para humilhá-la.

Para as mulheres que ainda menstruam e não têm condições financeiras de comprar absorventes, como jovens estudantes, presas pobres ou moradoras de rua, cerca de 4 milhões, a quem o Estado oferecia gratuitamente esses produtos de higiene pessoal, havia amaro legal. E Bolsonaro vetou essa lei. E, diante das críticas, reagiu com raiva, avisando que nesse caso descontará a despesa dos gastos com educação.

Se a inflação está nas nuvens e corrói a economia dos pobres, não há problema. Se não podem comprar carne, essa que o Brasil exporta para meio mundo, que peguem os ossos que os mercados jogam no lixo. Se o arroz aumenta, que comam só a casca, que é mais barata, ou feijão quebrado, que antes nem se vendia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, cuja fortuna que esconde em paraísos fiscais foi descoberta, dança em uníssono com o presidente no desprezo pelos pobres. Ele sugeriu, por exemplo, que aqueles que podem comer todos os dias deem os restos de seus pratos aos pobres em vez de jogá-los no lixo. E ironiza as empregadas domésticas que também querer viajar para Miami.

O fato de os mais pobres terem sido os que mais morreram na pandemia pouco importa, pois eles são um peso-morto. Só são úteis na hora de vender o voto por alguns quilos de comida.

E se diante do flagelo da inflação o preço da gasolina disparou, que os pobres se desloquem a pé ou de bicicleta. Se o preço do gás de cozinha dobrar de preço, que cozinhem com lenha como antigamente. E se o preço da energia aumentar, o que esses pobres fazem? O ministro da Economia deu a eles uma receita: que tomem banho com água fria. Ou que desliguem a televisão. Teria também a vantagem de que não se informariam sobre a corrupção dos políticos, aqueles que, como o ministro, escondem seu dinheiro para não pagar impostos.

Mas para que nos preocuparmos tanto com as penúrias desses pobres se eles são resistentes ao desalento? Os pobres, dizem os muito ricos, são sofridos e sabem esperar e esquecer. E ainda mais se forem negros, triste herança da escravidão. Bolsonaro chegou a dizer que pesam arrobas e que não servem nem para procriar.

E, no entanto, sem esses milhões de pobres os mais ricos não poderiam viver felizes. São os novos escravos da civilização moderna e tecnológica. São o alívio de quem tem tudo de sobra.

Em todos os governos do mundo, os pobres ou migrantes, os novos proletários, sempre recebem apenas os restos da opulência. Hoje, no Brasil, o abandono dos mais pobres é mais sangrento do que nunca. Fazia muito tempo desde o fim da ditadura que não havia tantos milhões não só de pobres, mas de famintos.

Quando se pensa às vezes que a democracia é coisa de ricos, é preciso lembrá-los de que a pobreza e a miséria crescem em proporção direta com os governos autoritários e ditatoriais. Não existe política de justiça social nas ditaduras. Durante a ditadura franquista na Espanha, que durou 40 anos, a fome voltou e os ricos ficaram ainda mais ricos. Pensem, aqui mais perto, por exemplo, na Venezuela ou em Cuba.

Talvez o mais positivo no Brasil no momento, segundo as pesquisas, seja que 70% da população prefira a democracia às ditaduras. Isso quer dizer que mesmo os menos cultos compreenderam que a opressão e a falta de liberdade estão em proporção direta com o agravamento da pobreza e que, no final, os afeta mais do que a ninguém.

Tudo isso até que essa massa de mortos-vivos que são ignorados como se não existissem, descubra que existem, que são importantes, que também eles têm dignidade, que são mais do que objetos e que passem a conta aos satisfeitos e donos do poder e da riqueza, um território para o qual eles ainda não têm passaporte.

Bolsonaro tem histórico de veto a leis que ajudam os pobres

O veto de Jair Bolsonaro ao projeto de lei que garante distribuição gratuita de absorventes é chocante, mas não é novidade. Pelo contrário, segue um padrão adotado pelo presidente de barrar medidas do Congresso Nacional que representam pequenos avanços civilizatórios para a população mais pobre.

Enquanto passa o feriado no litoral paulista às custas dos contribuintes, Bolsonaro reafirmou isso, no último dia 10, ao ameaçar que a derrubada de seu veto vai levar à redução de recursos para áreas das quais dependem principalmente os mais vulneráveis.

"Vou tirar dinheiro da saúde e da educação", afirmou. Ele poderia ter dito que teria que analisar de onde retirar, ou que reduziria recursos destinados às Forças Armadas, mas não fez isso. Deixou claro que, como em um Robin Hood muito doido, tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos.

Há grandes chances desse veto cair dada à pressão da sociedade, como adiantou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Seria mais um revés, em pouco tempo, na política de vetos antipobre de Bolsonaro.

O Congresso derrubou, no dia 27 de setembro, o seu veto ao projeto de lei que proíbe despejos em imóveis urbanos. Com isso, decisões judiciais emitidas nesse sentido entre 20 de março do ano passado e 31 de dezembro deste ano ficam suspensas devido à covid-19.

Para se beneficiar da regra, os ocupantes devem ter chegado aos locais até março de 2020. Entre os imóveis residenciais, elas valem para aluguéis de até R$ 600, desde que o inquilino comprove que perdeu a capacidade de arcar com a mensalidade na pandemia.

Bolsonaro, contrário às medidas sanitárias que recomendavam ficar em casa para evitar mortes nos momentos mais duros da covid-19, ignorou o aumento na vulnerabilidade econômica e permitiu jogar famílias inteiras na rua.

Na justificativa do veto, em agosto, o presidente havia afirmado que a lei seria um "salvo conduto para os ocupantes irregulares de imóveis públicos, frequentemente, com caráter de má fé, que já se arrastam em discussões judiciais por anos". Primeiro o patrimônio, depois a vida.

Os despejos foram suspensos através de uma ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] no Supremo Tribunal Federal, o que ajudou diante do vácuo de ações promovido pelo governo. Mesmo assim o MTST fala em mais de 10 mil famílias despejadas na pandemia.

Bolsonaro foi contra garantir internet gratuita a estudantes de escola pública

Outro veto antipobre que foi derrubado pelo Congresso é o da lei que repassa recursos federais para garantir internet gratuita a alunos e professores da rede pública de ensino.

No dia 1º de junho, deputados e senadores reafirmaram que Estados devem sim receber recursos para investir em ações de conectividade escolar, incluindo distribuição de chips, tablets e pacotes de dados. Em sua justificativa para vetar a lei, Bolsonaro afirmou que a medida era um entrave para o cumprimento da meta fiscal do governo. Contou com o apoio de Milton Ribeiro, ministro da Educação (sic).

A falta de acesso à internet na pandemia piorou a defasagem que já existia entre o ensino público e o privado e entre ricos e pobres. Enquanto os filhos de famílias com mais recursos puderam ter aulas de forma remota, outros ficaram no silêncio nos locais em que Estados e municípios não garantiram a conexão. A lei pode ajudar a recuperar um pouco dessa diferença no pós-pandemia, uma vez que a internet é um imprescindível instrumento de aprendizagem.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação, do IBGE, entre os estudantes de dez anos ou mais, 4,3 milhões não tinham conexão à internet. Destes, 95,9% eram da rede pública.

Após a derrubada do veto, incansável, o governo Bolsonaro ainda foi à Justiça contra a lei.

Isso é apenas um aperitivo de medidas vetadas por Bolsonaro que beneficiariam os mais pobres, pois tem mais. Em 8 julho de 2020, por exemplo, Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo Congresso que reconhecia indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais como grupos de extrema vulnerabilidade durante a pandemia e que ações deviam ser tomadas para protege-los. Porém, vetou trechos como a obrigação de distribuir materiais de higiene e limpeza para uso nas aldeias, além de alimentos e água potável. Também foi contra a oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva a essas comunidades.

O Congresso derrubou o veto no mês seguinte, mas o governo não implementou um plano decente de atendimento a esses grupos, mesmo com decisões do Supremo Tribunal Federal que cobraram a efetividade de ações.

Bolsonaro alegra a sua estridente base de extrema direita ao negar esses benefícios a quem mais precisa. A justificativa de que incorreria em crime de responsabilidade caso as sancionasse porque não haveria orçamento para tanto é bobagem. Ele nunca se importou em colecionar crimes de responsabilidade – de colocar a saúde da população em risco na pandemia até atentar contra o Estado democrático de direito.

Quer é mostrar a imagem de que defende um Estado mínimo, em que a assistência social deve ser a menor possível, por mais que estejamos em um momento em que a miséria disparou e que a intervenção do poder público se faz, mais do que nunca, necessária.

O efeito colateral dessa opção é reforçar sua como a de alguém que não gosta de pobres. Como a maioria dos brasileiros é feita de pobres, os vetos de Bolsonaro devem ser lembrados a esse grupo na campanha de 2022. Além de humanamente abominável, o esforço para agradar a parcela insensível do país que faz parte de sua base é um péssimo negócio eleitoral para ele.

Empobrecimento, arrocho salarial, juros mais altos

A volta de uma inflação anual de dois dígitos após mais de 5 anos tem consequências diretas não só para o bolso do brasileiro, mas também nas perspectivas para o emprego, renda, crédito e crescimento da economia.

A inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerada a inflação oficial do país, atingiu 10,25% no acumulado em 12 meses, a maior taxa anual desde fevereiro de 2016, quando ficou em 10,36%.

Em termos práticos, inflação nada mais é do que perda do valor do dinheiro. E o efeito mais imediato da disparada dos preços é o empobrecimento da população e o encolhimento da renda obtida.

Economistas ouvidos pelo G1 explicaram as causas da escalada inflacionária, os efeitos do rompimento da barreira simbólica dos 10% e os impactos do aumento generalizado dos preços na economia e na vida do brasileiro.

'Tragédia'

"É mais que uma barreira psicológica, é uma tragédia mesmo. Quando chegamos a uma inflação de dois dígitos, há uma pressão muito forte para reajustes e para indexação da economia", afirma Carlos Honorato, economista e professor da FIA e Saint Paul.

Honorato destaca que o brasileiro ainda tem uma "memória inflacionária" e carrega no DNA o "medo da inflação".

"Em uma inflação desse tamanho, o consumidor não consegue mais substituir um bem por outro, e isso é a expressão mais clara do empobrecimento das famílias", afirma o economista Robson Gonçalves, professor do Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (ISAE/FGV).

"As pessoas estão com dificuldade de comprar o básico porque estão pagando a energia elétrica mais cara, por exemplo", prossegue.

O momento atual de inflação nas alturas é ainda mais grave em virtude do desemprego ainda elevado enquanto a economia segue em ritmo fraco de recuperação. A taxa de desemprego no Brasil ficou em 13,7% no trimestre encerrado em julho, menor taxa no ano, mas que ainda atinge 14,1 milhões de pessoas.

Apesar dos desarranjos provocados pela pandemia nas cadeias produtivas e da alta nos preços internacionais das commodities, os economistas destacam que a escalada da inflação no Brasil tem causas predominantemente domésticas.

"Um país que tem dois dígitos de desemprego e de inflação é porque tem outra causa provocando isso. Na raiz desse problema está a taxa de câmbio brasileira. O real é uma das moedas que mais se desvalorizou na pandemia", diz Gonçalves.

Em 2020, a moeda americana subiu 29% em relação ao real. Neste ano, a alta é de mais 6,34%, rompendo o patamar de R$ 5,50 pelos números do fechamento de mercado desta quinta-feira (7). Em boa parte, a instabilidade política é uma das principais responsáveis pela cotação do dólar, como explica o economista da FGV.

"A falta de diretriz da política econômica e a crise política crônica explicam o dólar muito alto. Já deveria estar abaixo de R$ 5 há alguns meses. Indicadores de inflação e desemprego deveriam estar de lado opostos de uma gangorra e não subindo ao mesmo tempo", diz

Arrocho salarial e mais freio para o PIB

A avaliação geral do mercado é que a inflação tende a ceder ao longo dos próximos meses, favorecida por uma menor pressão dos preços de alimentos e pela elevação na taxa básica de juros.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, a inflação no Brasil sofre, sim, de efeitos gerais que afetam todo o mundo — caso do aumento do preço das commodities no mercado internacional —, mas há um impacto adicional de um "descontrole fiscal e político" que aumenta a depreciação cambial.

"O Banco Central tem que subir juros mais do que outros países porque a política não trabalha junto para equilibrar uma situação fiscal muito ruim, com dívida que deve chegar a 85% do PIB ano que vem e déficit ainda acima de 1%", afirma Vale.

O mercado projeta atualmente uma Selic em 8,25% ao ano no fim de 2021, mas parte dos analistas já avalia que a taxa básica de juros deverá superar o patamar de 9% em 2022.

Juros mais altos, significam crédito mais caro, menos investimento, mais freio para o Produto Interno Bruto (PIB) e salários mais achatados.

As falas de caráter golpista do presidente Jair Bolsonaro nas manifestações de 7 de setembro elevaram o grau de incerteza na economia e bagunçaram os indicadores. Além de elevar o dólar, crises políticas como essa diminuem a probabilidade da aprovação de políticas públicas no Congresso.

A última "cartada" do governo foi atribuir o aumento da inflação às medidas de restrição contra a propagação do coronavírus. Do ponto de vista econômico, o raciocínio não faz sentido porque a restrição de circulação é uma medida que reduz o consumo e derruba os preços.

No Brasil, como mostra o IBGE, dos 10,25% de alta da inflação em 12 meses, a gasolina foi o item individual com o maior impacto. Ela representou 1,93 ponto percentual (p.p.) sobre o indicador geral. Ou seja, da taxa de 10,25%, quase 2% são do combustível. Os maiores impactos depois dela vieram da energia elétrica (1,25 p.p.), das carnes (0,67 p.p.) e do gás de cozinha (0,38 p.p.).

Todos são itens altamente influenciados pelo dólar. A energia elétrica tem como motor a pior crise hídrica em mais de 90 anos. Ainda que seja um fenômeno natural, a gestão do governo federal foi amplamente criticada por especialistas.

"A culpa da inflação é variada, mas tem, como foco principal, o governo. Outros países pararam muito mais do que a gente e não estão com inflação de 10% como o Brasil", diz Vale.

A meta central do governo para a inflação em 2021 é de 3,75%, e o intervalo de tolerância varia de 2,25% a 5,25%. No final de setembro, o BC elevou de 5,8% para 8,5% sua estimativa de inflação para o ano, admitindo oficialmente o estouro da meta.

Para a inflação em 2021, a expectativa é, atualmente, de 8,51%, ainda de acordo com a pesquisa Focus do BC. Para 2022, a projeção está em 4,14%. Os economistas alertam, porém, que, apesar dos indicativos de desaceleração, o cenário dificilmente será de alívio para o ano que vem.

"Vai ceder porque as pessoas não estão mais com poder de compra. E, infelizmente, os reajustes salariais que vão vir não compensam essa inflação. O processo de empobrecimento não retrocede", afirma Gonçalves.

Vale sempre lembrar, que os mais pobres, que gastam a maior parte da renda com a compra de produtos básicos, são sempre os mais prejudicados pela inflação acima da meta estabelecida.

Não bastasse, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação de famílias que ganham de 1 a 5 salários mínimos, está ainda mais alto que o IPCA. No ano, o indicador acumula elevação de 7,21% e, em 12 meses, de 10,78%.

"É um cenário de continuidade do arrocho. Vamos ter que aumentar os juros, o que irá diminuir o investimento e aumentar desemprego. Vai dificultar o crédito, o acesso à moradia, as taxas de financiamento imobiliário vão subir, e isso desestimula a construção civil, criando o ciclo vicioso de economia estagnada", afirma Honorato.

"Inflação é uma forma de distribuição de renda ao contrário. Não se pode deixar a inflação sair do controle. Quando você vê carro velho virando investimento, temos um problema. Quando você compra um carro velho e vende ele mais caro, é um sinal claro de que a inflação está voltando forte", prossegue o professor da FIA e Saint Paul.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *