18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Absorventes: Bolsonaro tem histórico de veto a leis que ajudam os pobres

Publicado em 14/10/2021 12:00 -

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O veto de Jair Bolsonaro ao projeto de lei que garante distribuição gratuita de absorventes é chocante, mas não é novidade. Pelo contrário, segue um padrão adotado pelo presidente de barrar medidas do Congresso Nacional que representam pequenos avanços civilizatórios para a população mais pobre.

Enquanto passa o feriado no litoral paulista às custas dos contribuintes, Bolsonaro reafirmou isso, no último dia 10, ao ameaçar que a derrubada de seu veto vai levar à redução de recursos para áreas das quais dependem principalmente os mais vulneráveis.

"Vou tirar dinheiro da saúde e da educação", afirmou. Ele poderia ter dito que teria que analisar de onde retirar, ou que reduziria recursos destinados às Forças Armadas, mas não fez isso. Deixou claro que, como em um Robin Hood muito doido, tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos.

Há grandes chances desse veto cair dada à pressão da sociedade, como adiantou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Seria mais um revés, em pouco tempo, na política de vetos antipobre de Bolsonaro.

O Congresso derrubou, no dia 27 de setembro, o seu veto ao projeto de lei que proíbe despejos em imóveis urbanos. Com isso, decisões judiciais emitidas nesse sentido entre 20 de março do ano passado e 31 de dezembro deste ano ficam suspensas devido à covid-19.

Para se beneficiar da regra, os ocupantes devem ter chegado aos locais até março de 2020. Entre os imóveis residenciais, elas valem para aluguéis de até R$ 600, desde que o inquilino comprove que perdeu a capacidade de arcar com a mensalidade na pandemia.

Bolsonaro, contrário às medidas sanitárias que recomendavam ficar em casa para evitar mortes nos momentos mais duros da covid-19, ignorou o aumento na vulnerabilidade econômica e permitiu jogar famílias inteiras na rua.

Na justificativa do veto, em agosto, o presidente havia afirmado que a lei seria um "salvo conduto para os ocupantes irregulares de imóveis públicos, frequentemente, com caráter de má fé, que já se arrastam em discussões judiciais por anos". Primeiro o patrimônio, depois a vida.

Os despejos foram suspensos através de uma ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] no Supremo Tribunal Federal, o que ajudou diante do vácuo de ações promovido pelo governo. Mesmo assim o MTST fala em mais de 10 mil famílias despejadas na pandemia.

Bolsonaro foi contra garantir internet gratuita a estudantes de escola pública

Outro veto antipobre que foi derrubado pelo Congresso é o da lei que repassa recursos federais para garantir internet gratuita a alunos e professores da rede pública de ensino.

No dia 1º de junho, deputados e senadores reafirmaram que Estados devem sim receber recursos para investir em ações de conectividade escolar, incluindo distribuição de chips, tablets e pacotes de dados. Em sua justificativa para vetar a lei, Bolsonaro afirmou que a medida era um entrave para o cumprimento da meta fiscal do governo. Contou com o apoio de Milton Ribeiro, ministro da Educação (sic).

A falta de acesso à internet na pandemia piorou a defasagem que já existia entre o ensino público e o privado e entre ricos e pobres. Enquanto os filhos de famílias com mais recursos puderam ter aulas de forma remota, outros ficaram no silêncio nos locais em que Estados e municípios não garantiram a conexão. A lei pode ajudar a recuperar um pouco dessa diferença no pós-pandemia, uma vez que a internet é um imprescindível instrumento de aprendizagem.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação, do IBGE, entre os estudantes de dez anos ou mais, 4,3 milhões não tinham conexão à internet. Destes, 95,9% eram da rede pública.

Após a derrubada do veto, incansável, o governo Bolsonaro ainda foi à Justiça contra a lei.

Isso é apenas um aperitivo de medidas vetadas por Bolsonaro que beneficiariam os mais pobres, pois tem mais. Em 8 julho de 2020, por exemplo, Bolsonaro sancionou a lei aprovada pelo Congresso que reconhecia indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais como grupos de extrema vulnerabilidade durante a pandemia e que ações deviam ser tomadas para protege-los. Porém, vetou trechos como a obrigação de distribuir materiais de higiene e limpeza para uso nas aldeias, além de alimentos e água potável. Também foi contra a oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva a essas comunidades.

O Congresso derrubou o veto no mês seguinte, mas o governo não implementou um plano decente de atendimento a esses grupos, mesmo com decisões do Supremo Tribunal Federal que cobraram a efetividade de ações.

Bolsonaro alegra a sua estridente base de extrema direita ao negar esses benefícios a quem mais precisa. A justificativa de que incorreria em crime de responsabilidade caso as sancionasse porque não haveria orçamento para tanto é bobagem. Ele nunca se importou em colecionar crimes de responsabilidade – de colocar a saúde da população em risco na pandemia até atentar contra o Estado democrático de direito.

Quer é mostrar a imagem de que defende um Estado mínimo, em que a assistência social deve ser a menor possível, por mais que estejamos em um momento em que a miséria disparou e que a intervenção do poder público se faz, mais do que nunca, necessária.

O efeito colateral dessa opção é reforçar sua como a de alguém que não gosta de pobres. Como a maioria dos brasileiros é feita de pobres, os vetos de Bolsonaro devem ser lembrados a esse grupo na campanha de 2022. Além de humanamente abominável, o esforço para agradar a parcela insensível do país que faz parte de sua base é um péssimo negócio eleitoral para ele.

De onde Bolsonaro pode tirar dinheiro para comprar absorventes

Se o Congresso derrubar o veto do absorvente, vou tirar dinheiro da saúde e da educação. Tem que tirar de algum lugar" (presidente Jair Bolsonaro, em passeio pela Praia Grande, no litoral paulista, durante o feriadão).

***

Para ajudar o governo neste momento difícil, listamos abaixo algumas áreas de onde Bolsonaro poderia tirar dinheiro, sem cortar mais verbas da educação e da saúde.

* De parte dos R$ 15 bilhões do orçamento destinados a emendas parlamentares secretas (aliás, por que são secretas?).

* Da venda de refinarias e blocos de pré-sal da Petrobras.

* Dos salários dobrados dos milhares de militares que Bolsonaro levou para ocupar cargos civis no governo. Basta demiti-los todos e mandar de volta aos quartéis. Não farão falta.

* Deixar de usar o avião presidencial por pelo menos uma semana para economizar combustível e dinheiro das diárias da comitiva.

* Toda a verba que será economizada com a organização de motociatas pelo país, temporariamente suspensas.

* Dos impostos que deveriam ser cobrados sobre o dinheiro depositado nas offshores de Paulo Guedes & cia.

* Pedir um empréstimo ao Queiroz, que está solto, ou ao sorridente presidente da Caixa, que encaminha pedidos aos amigos de Michelle.

* Dos gastos com a organização de comícios pela reeleição em turnês pelo país.

* Cortar sumariamente todas as mordomias, penduricalhos e auxílios dos superfuncionários federais dos Três Poderes e das Forças Armadas, que ganham acima do teto constitucional.

* Da compra de leite condensado, picanha, cerveja e outros regalos da dispensa do Ministério da Defesa.

* Do dinheiro que será economizado com a proibição da distribuição do "kit covid", que não cura ninguém e ainda pode matar.

* Da venda de todos os carros oficiais, para depois empregar os motoristas em algum serviço público mais útil.

* Da redução dos gastos do cartão corporativo da Presidência, que também é secreto.

Com isso, daria não só para comprar os R$ 100 milhões em absorventes, segundo o projeto aprovado no Congresso, que seriam distribuídos para mulheres carentes e estudantes pobres, dinheiro de troco diante dos gastos inúteis do governo, mas também devolver os R$ 600 milhões cortados das pesquisas científicas e todas as verbas já tiradas dos orçamentos dos Ministérios da Saúde e da Educação para 2022, além de permitir o aumento do valor do Bolsa Família, com outro nome, e do salário mínimo.

E ainda sobraria muito dinheiro em caixa sem furar o teto de gastos. É só fazer as contas.

Para um presidente que é rejeitado por 59% dos eleitores, que não votariam nele de jeito nenhum, segundo o Datafolha, se tomasse essas medidas Bolsonaro poderia, de quebra, até melhorar um pouco a sua popularidade.

Esta "crise dos absorventes", para mim, é apenas mais um factoide presidencial, criado para ocupar espaço no noticiário durante o feriadão, na falta de um programa econômico para o pós-pandemia. Nem a milícia digital bolsonarista, sempre tão combativa, saiu em sua defesa.


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