29/03/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Chororô

Publicado em 14/10/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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FAKE NEWS

Vejo uma matéria do Tecnoblog, copiando outra do The Verge, em que AMBAS usam títulos mentirosos com o objetivo de ganhar cliques e agradar lacradores criando polêmica inútil.

Long story short, uma funcionária trans da Netflix fez uma série de tuítes naquele padrão meio vergonha alheia de sempre dizendo que piadas são/promovem violência e etc pra criticar o stand up do David Chapelle (que eu pessoalmente acho sem graça e muito ruim) que zoa com o movimento LGBT.

Só que os tuítes não são razão da demissão como tentam fazer crer The Verge e Tecnoblog. "A Netflix decidiu afastar Fied e mais outros dois funcionários que tentaram comparecer a uma reunião de executivos para a qual não foram convidados."

Claro que esse detalhe fundamental não figura do título das matérias, mas está enterrado no meio, ali perdido, como se fosse um detalhe e não exatamente a razão para todo o imbróglio. Mas aí seria nota de rodapé, não iria gerar cliques, não iria dar publicidade para a pobre funcionária incompreendida, etc…

O melhor é criar um factóide e dizer que a questão toda foram os tuítes, que ela, coitad,a só apontou transfobia, etc…

Ela e outros funcionários tentaram invadir uma reunião. Isso seria motivo pra demissão em qualquer situação e lugar do mundo. MAs detalhe, ela foi SUSPENSA. Sequer demitida foi. Ainda foram bonzinhos e lenientes com um comportamento, esse sim, potencialmente violento.

O fato dessa figura ter basicamente provado o argumento do Chapelle, de que o movimento LGBT se tornou "sensível demais" é detalhe.

Mais uma vez a mídia se presta ao ridículo papel de bater palma pra maluco dançar. Ficam dando enorme espaço para gritarua de justiceiro social e, de quebra, espalham fake news "do bem".

É a morte do jornalismo submetido a radicais sensíveis e ofendidos e espalhando mentira para sustentar discurso.

É interessante como essa galera radical não repara que através da comédia conseguem também espaço. Ser alvo de zoação é em parte ser aceito, normalizado. Saber rir de si mesmo é parte importante do processo de ser parte da sociedade. Esse #mimimi só traz pecha de radical e chato.

Tentativa de ligar piadas a mortes de pessoas trans é de uma burrice atroz. As piadas dão visibilidade, normalizam, humanizam. Trazem pra um público amplo a questão, mesmo que zoando. Claro que podemos apontar casos e momentos em que o humor pode passar de certo limite, mas aí é outro papo. Cada caso é um caso, mas militante radical é incapaz de discernir.

CONSEQUENCIAS

Quando o gigante acordou, o PT achou que na base da porrada iria fazer ele dormir.

Só conseguiu neutralizar a própria esquerda, deixando o campo aberto pro gigante da direita correr livremente.

O resultado tá aí.

MANIA DE PUREZA

Não é de hoje que a esquerda tem a mania de esperar pureza de indivíduos para considerá-las dignas de lembrança, aplausos ou mesmo para reconhecer seu papel na história.

Claro que muitas vezes as máculas são escondidas caso o personagem esteja no "lado certo da história". Para os "inimigos", vale a regra da total pureza – inalcançável.

Porque ao contrário? Não tenho qualquer simpatia pelo Churchill, mas ele foi um herói na Segunda Guerra e fundamental na derrota dos Nazistas.

Não muda o fato de ser uma pessoa desprezível. Ele pode ser (e é) as duas coisas.

É perfeitamente possível reconhecer o papel dele em um momento da história sem deixar de lado tudo que ele também tinha de negativo. Chama-se ser adulto, ter capacidade de discernimento, não ser infantil e achar que o mundo é preto e branco.

Claro que o debate "devemos celebrar figuras controversas?" é válido, mas é preciso ir além da infantilidade e da tentativa de cancelamento total. RECONHECER o papel de alguém, mesmo que sendo desprezível, em um momento histórico é fundamental. É respeitar a história.

Churchill, enfim, FOI um herói em um momento histórico, mas ele TAMBÉM era um racista, supremacista branco, etc, etc, etc…

Aliás, essa onda de pregação de pureza explica em parte movimentos radicais derrubando estátuas – mas achando horrível quando eram estátuas de quem gostavam que eram também atacadas. A pureza é algo que se prega aos outros, nunca a si.

Eu me lembro do ex-juiz espanhol Baltasar Garzón. Ele teve um papel importante na memória histórica da América Latina – por exemplo, foi responsável por ir atrás de Pinochet. Mas na Espanha ele foi diretamente responsável por enviar dezenas de bascos para tortura. Ele atentou contra liberdade de imprensa mandando fechar jornais bascos, suspendeu o funcionamento do partido Batasuna.

Enfim, é necessário reconhecer seu papel na América Latina, mas é imprescindível reconhecer também que na Espanha ele não passou de um criminoso. A mesma pessoa, duas faces. Assim é o mundo.

Leia outros artigos da coluna: Ponte Aérea

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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