26/04/2024 - Edição 540

Poder

Câmara dificulta punição por improbidade administrativa

Publicado em 08/10/2021 12:00 -

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A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 5 o texto principal do projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa, o que deverá dificultar a condenação de agentes públicos. Uma das principais mudanças é que, a partir de agora, é preciso comprovar dolo (intenção) de lesar a administração pública para que haja crime.

O projeto já havia sido apreciado e aprovado, com alterações, pelo Senado na semana passada, e voltou para a Câmara para análise. Os deputados contemplaram apenas oito alterações feitas no texto principal pelos senadores e aprovaram sete delas, por 395 votos a favor e 22 contra. Uma emenda sobre nepotismo foi rejeitada.

Uma última proposta de alteração do projeto ainda deverá ser votada nesta quarta-feira. Em seguida, o projeto deverá ser encaminhado para sanção ou veto presidencial.

Quais são as principais mudanças?

As mudanças previstas pelos deputados incluem definições mais precisas sobre o que é improbidade administrativa.

Neste sentido, a principal alteração na legislação, válida desde 1992, é que é preciso comprovar a intenção de lesar a administração pública para que seja configurado o crime de improbidade administrativa.

A lei de improbidade válida atualmente permite a condenação de agentes que prejudicam os cofres públicos mesmo sem comprovada intenção de cometer crimes. Isso pode fazer com que decisões e erros administrativos sejam enquadrados como improbidade.

Críticos dizem que a mudança torna mais difícil condenar os agentes públicos e que ela abre margem para irregularidades e impunidade, dada a dificuldade de comprovar a intenção de cometer um crime administrativo.

Já os defensores da alteração – principalmente parlamentares – argumentam que a mudança vai ajudar principalmente prefeitos de pequenas cidades a tomar decisões, já que servidores públicos que tomarem decisões com base em interpretações de leis também não podem ser criminalizados por improbidade, de acordo com as regras aprovadas pela Câmara.

Os deputados rejeitaram ainda uma medida sobre nepotismo que havia sido incluída pelos senadores, que não pedia a comprovação de dolo nesses casos. Depois de passar pela Câmara dos Deputados, o texto agora prevê que a lei vai exigir evidências de que houve intenção de cometer irregularidade quando se indica um parente ou familiar a um cargo público.

O texto novo dá ainda exclusividade ao Ministério Público para apresentar os casos de improbidade administrativa. Atualmente, órgãos como a Advocacia-Geral da União e procuradorias dos municípios também podem ser autores desse tipo de ação.

Também se prevê a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos por 14 anos, ou então pagamento de multa, para quem for condenado por improbidade. Mas a perda do cargo público atinge somente a função que a pessoa estava exercendo no momento que ocorreu a infração.

Assim, um prefeito condenado hoje por improbidade cometida na época em que era deputado estadual, por exemplo, não perde o cargo de chefe da administração municipal. Por outro lado, a exoneração enquanto alguém exerce outra função só acontecerá em caráter excepcional e após avaliação das circunstâncias do caso, diz o texto.

Avacalhação

São dois os principais problemas éticos do Legislativo no Brasil. Os brasileiros são incapazes de reconhecer a honestidade dos seus representantes no Congresso. E os congressistas são incapazes de demonstrá-la. É estrondoso o silêncio da ala limpa da Câmara e do Senado diante do retrocesso legislativo promovido pela banda bandalha das duas Casas. Avança sem resistência a articulação suprapartidária para restaurar o ambiente que fez da corrupção um flagelo epidêmico no Brasil.

Depois de mutilar a Lei de Improbidade Administrativa, convertendo-a em lei da impunidade, os parlamentares se dedicam a uma proposta de emenda constitucional que submete o Ministério Público ao controle dos políticos. Seria votada na noite desta quinta-feira. Foi adiada para a semana que vem.

O texto modifica as regras do Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP. Trata-se do órgão responsável por fiscalizar a conduta de promotores e procuradores. O Congresso passaria a ser responsável por indicar o corregedor do CNMP. É algo tão apropriado quando colocar o rato para fiscalizar o gato.

A proposta aumenta de 14 para 15 as poltronas do CNMP. Cai de quatro para três o número de conselheiros escolhidos pelo próprio Ministério Público. Cresce a influência externa na instituição. Um detalhe subverte qualquer tentativa de simular boa intenção: a proposta atribui a esse conselho politicamente arejado poderes para trancar investigações e anular atos de promotores e procuradores. A novidade detona a independência funcional de investigadores, pilar do Ministério Público.

O autor do projeto é o deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo. O relator é Paulo Magalhães, do PSD da Bahia. O articulador do retrocesso é Arthur Lira, o réu do PP de Alagoas, que preside a Câmara com o apoio de Bolsonaro. Se quisesse ser levado a sério, o Congresso se dedicaria a conspirar contra o suborno, a fraude, o superfaturamento, o compadrio, o nepotismo… Mas deputados e senadores parecem decididos a preservar os seus valores mais tradicionais.


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