25/04/2024 - Edição 540

Poder

O Centrão frita Paulo Guedes em sua própria gordura

Publicado em 08/10/2021 12:00 -

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O centrão se uniu à oposição para fritar Paulo Guedes. O processo culinário traz pelo menos duas inovações. A primeira é que os aliados do governo queimam o ministro da Economia na sua própria gordura. Utilizam na fritura os US$ 9,5 milhões que Guedes enviou para o exílio dourado de um paraíso fiscal.

A segunda novidade é que Arthur Lira, presidente da Câmara e principal mestre-cuca do centrão, frita o ministro mais importante de Bolsonaro sem tocá-lo. A convocação de Guedes para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara foi aprovada por 310 votos a 146, numa sessão em que Lira, em viagem, se ausentou.

Nem as almas mais ingênuas de Brasília imaginariam que seria possível reunir 60,4% dos 513 deputados com assento no plenário da Câmara ao redor da frigideira sem o aval do presidente da Casa. A hipótese de Paulo Guedes sair ileso da gordura quente é inexistente.

O ministro repetirá na Câmara argumentos expostos por seus advogados em petição entregue à Procuradoria-Geral da República. Alega-se que Guedes se afastou da gestão de sua offshore nas Ilhas Virgens Britânicas antes de virar ministro.

Entretanto, não há força viva no universo capaz de eliminar a maledicência segundo a qual a fortuna do ministro aumenta cada vez que os insucessos de sua gestão ou os arroubos de Bolsonaro puxam a cotação do dólar para o alto.

Quando tomou posse, em janeiro de 2019, Paulo Guedes disse que chegava para acabar com programas em que "piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro."

Hoje, operando em modo eleitoral, o ministro perdeu o respeito do pedaço do setor privado avesso à pirataria. E recebe da turma do lodo um tratamento de criatura do pântano econômico.

Em maio de 2019, Guedes informou o que faria se os seus planos dessem errado: "Pego um avião e vou morar lá fora. Já tenho idade para me aposentar." Bem passado, o ministro continua no cargo. Mas seus dólares já foram morar lá fora. Aguardam pelo dia da aposentadoria.

9,55 milhões de dólares em um paraíso fiscal

A revelação sobre as offshores do ministro e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi feita em meio ao Pandora Papers, esforço global de reportagem do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que está divulgando informações sobre políticos, empresários e figuras públicas que usufruem de paraísos fiscais.

As revelações sobre Guedes e Campos foram publicadas, no último dia 3, pela revista Piauí e o jornal El País, membros do consórcio.

Paulo Guedes, sua esposa e filha são proprietários de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas que, em 2015, contava com US$ 9,55 milhões – mais de R$ 52 milhões no câmbio de hoje. Apesar de a conta ter sido declarada à Receita e informada ao governo, os parlamentares querem investigar se o ministro tomou ações que beneficiaram a si mesmo, incorrendo em improbidade administrativa.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, que sejam passíveis de serem afetadas por políticas governamentais sobre as quais "a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função".

Em seu requerimento de convite a Guedes, os senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Paulo Rocha (PT-PA) afirmaram que "não resta dúvida que decisões tomadas pelo ministro da Economia ou até mesmo seus pronunciamentos são capazes de interferir na taxa de câmbio, que influenciam diretamente no valor em reais dos investimentos mantidos pelo ministro no paraíso fiscal no exterior".

Também dizem que houve conflito de interesses quando, em julho, Guedes defendeu retirar do projeto de lei que reforma o Imposto de Renda uma regra que taxaria valores em paraísos fiscais. "A aprovação da proposta original ensejaria em prejuízo financeiro ao ministro, na medida em que teria que pagar os tributos dos lucros e ganhos financeiros, inclusive com a variação cambial, obtidos com suas aplicações em paraíso fiscal", afirmam Prates e Rocha em seu requerimento.

Nos requerimentos da Câmara, Kim Kataguiri (DEM-SP) afirmou, ao defender a convocação de Guedes, que "é possível, em tese, que ele tenha feito investimentos que se provaram rentáveis devido às informações que ele naturalmente possui enquanto ministro de Estado ou, pior, que possa ter influído a política fiscal, monetária, creditícia ou cambial do país para tornar seus investimentos rentáveis".

Soma-se a isso a discussão moral sobre um ministro da Economia buscar blindar seu dinheiro no exterior de problemas na gestão do país e, ao mesmo tempo, evitar o pagamento de impostos.

Esquartejando a Economia

Depois de se unir à oposição na convocação de Paulo Guedes para explicar seu investimento no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, o centrão deseja evoluir da fritura para o esquartejamento. Caciques do bloco partidário que supostamente apoia o governo no Congresso tramam nos bastidores o desmembramento do Ministério da Economia, que absorveu várias pastas no início da gestão Bolsonaro.

O plano do centrão não é novo. Mas o grupo enxerga no enfraquecimento de Paulo Guedes uma oportunidade a ser aproveitada. Alega-se que o próprio Bolsonaro deflagrou o processo de lipoaspiração da Economia ao recriar o Ministério do Trabalho, que fora enfiado sob o guarda-chuva da pasta de Guedes como uma secretaria, para abrigar o polivalente Onyx Lorenzoni.

O centrão defende que sejam recriados pelos menos três ministérios: Indústria e Comércio, cobiçado pelo Republicanos; Transportes, ambicionado pelo PL; e Planejamento, reivindicado pelo PP.

Sempre que esse tipo de debate ressurge, Guedes desconversa. Diz ter o apoio de Bolsonaro. No momento, nada impressiona mais do que o silêncio do presidente sobre a labareda que arde no Posto Ipiranga.

O prestígio de Paulo Guedes não decai apenas no Congresso. A imagem do ministro já não é a mesma junto ao empresariado. Avalia-se que ele não entregou a agenda liberal que prometeu. Crescem as críticas ao ministro entre os auxiliares de Bolsonaro, ironicamente o principal responsável pelo desvirtuamento da pauta econômica.

Espalha-se pelo centrão a sensação de que a Avenida Faria Lima e o Palácio do Planalto já não lamentariam muito se Paulo Guedes chamasse o caminhão de mudança. O ministro resiste. Mas o centrão, insatisfeito com tudo o que já obteve, quer um pouco mais.


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