19/04/2024 - Edição 540

Especial

A crise chegou com força

Publicado em 17/09/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Comida, gasolina, a conta de luz. Tudo está mais caro no Brasil. Em agosto, mais uma vez, a inflação oficial do país veio acima do esperado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas.

No último dia 13, o Boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas entre dezenas de consultorias e instituições financeiras, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%.

O aumento generalizado de preços é um produto de diferentes causas, muitas delas combinadas. Exploramos algumas por meio da trajetória dos três elementos que mais têm empurrado a inflação para cima nos últimos meses: combustíveis, alimentos e energia elétrica.

O efeito cascata da gasolina

O preço médio da gasolina comum no país chegou a R$ 6 na semana até 11 de setembro, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O preço máximo, ainda de acordo com a base, passa de R$ 7 em alguns locais.

O preço dos combustíveis no Brasil segue o comportamento dos preços lá fora. Desde 2016, a Petrobras se orienta pelo Preço de Paridade Internacional (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo e o câmbio. Assim, esses dois fatores explicam boa parte do aumento dos combustíveis nos últimos meses.

O preço do barril de petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início deste ano. De um lado, por conta da maior demanda, depois da abertura de muitos países que começaram a vacinar contra a covid. De outro, por conta da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

Ela concentra cerca de 40% da produção global da commodity e às vezes segura os estoques para valorizar o barril. Em julho, a organização comunicou que voltaria a ampliar gradativamente a oferta, dado o crescimento expressivo dos preços neste ano.

Como a cotação é feita na moeda americana, o dólar também tem impacto direto — e o real segue perdendo valor.

A questão do dólar é um capítulo à parte, que tem inclusive confundido os economistas nos últimos meses, como retratado recentemente pela BBC News Brasil.

De forma resumida, a forte desvalorização do real é reflexo de fatores externos, como a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e de aumento dos juros no país, mas também da forte instabilidade interna que o Brasil atravessa.

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

De volta aos combustíveis, o impacto do aumento vai bem além de quem precisa encher o tanque. O efeito cascata pressiona custos como o do transporte público e do frete, com reflexo sobre os preços de uma miríade de produtos.

Conta salgada também no supermercado

Inclusive nos preços dos alimentos, que também vêm numa trajetória de alta há meses.

Neste caso, mais uma vez o dólar influencia, e com um duplo efeito. Como as commodities agrícolas — milho, açúcar, carne, café, trigo, laranja — são cotadas em dólar, sempre que ele sobe, o preço delas em real tende a subir também.

Em paralelo, o dólar alto incentiva o produtor a exportar em vez de vender para o mercado interno. Isso reduz a oferta doméstica e também ajuda a empurrar os preços para cima.

Aos dois fatores se soma um outro que tem contribuído para diminuir a disponibilidade interna de alimentos: a seca histórica que afetou o Sudeste e o Centro-Oeste.

A falta de chuvas provocou quebra de safra em importantes regiões produtoras e afetou a cultura do café, da laranja, do milho, da soja, do açúcar, como explicou o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.

O milho e a soja, por exemplo, têm uma espécie de efeito cadeia. Eles são matéria-prima para a ração usada na indústria de aves, suínos e bovinos — ou seja, também pressionam o preço das carnes.

O açúcar, por sua vez, é matéria-prima para a produção do etanol — que também é usado na composição da gasolina vendida nos postos.

Mais cara e mais escassa

Para além dos alimentos, a seca também ajuda a explicar o aumento da energia elétrica. Com a redução dos níveis dos reservatórios em hidrelétricas importantes neste ano, foi preciso acionar usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo diesel, biomassa e carvão, para compensar a redução da oferta pelas hidrelétricas e, mais recentemente, importar energia de vizinhos como Argentina e Uruguai.

A energia termelétrica não é apenas mais poluente, é também mais cara, daí a razão porque a conta de energia tem vindo com um adicional, a bandeira escassez hídrica, anunciada pelo governo no último dia 31 de agosto.

Até então, o maior valor previsto pelo sistema de bandeiras tarifárias era a bandeira vermelha patamar 2, que estava vigente. A bandeira escassez hídrica vai ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano, adicionando R$ 14,20 às contas de luz a cada 100kW/h consumidos. O valor é cerca de 49% maior que o da bandeira vermelha patamar 2, que previa pagamento extra de R$ 9,49 a cada 100kW/h.

Em paralelo, a situação crítica dos reservatórios acendeu um debate sobre os riscos de apagão e de racionamento — e a demora do governo para reagir.

Desde maio, quando o cenário de restrição de chuvas começou a ficar mais claro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem repetido que não existe possibilidade de apagões e racionamento no país. No fim de agosto, quando anunciou a bandeira mais cara, o governo lançou um programa para redução voluntária do consumo de energia.

Dias antes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informara que, a partir de outubro, a geração seria insuficiente para fazer frente à demanda, sendo necessário aumentar o nível de importação e acionamento de térmicas para evitar apagões.

Mais inflação, menos crescimento

Ao contrário de outros ciclos inflacionários pelos quais o Brasil passou, este não é puxado por uma alta da demanda por parte dos brasileiros, mas por choques do lado da oferta — a seca, o dólar, o petróleo, etc.

De forma geral, os choques causam um aumento de preços temporário e se dissipam. Desta vez, contudo, eles têm sido persistentes e vêm contaminando outros preços, como observou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. Em relatório enviado a clientes, ele avalia que a inflação, que até o início da pandemia vinha em uma trajetória benigna, "mudou de patamar".

Como resultado, o Banco Central vem apertando cada vez mais os juros. A Selic mais alta eleva o custo do crédito e contribui para reduzir ainda mais a demanda e desacelerar a economia.

É por isso que, em paralelo às revisões das estimativas para a inflação, os economistas também estão revendo para baixo suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Entre as casas que reduziram as projeções nesta semana estão J.P.Morgan, de 1,5% para 0,9%; Itaú, de 1,5% para 0,5% e XP, de 1,7% para 1,3%.

Por que – e até quando – os alimentos sobem tanto

Segundo o IBGE, a alta nos preços é generalizada, com 8 dos 9 grupos de produtos registrando alta, com exceção de saúde e cuidados pessoais. Os maiores vilões foram os grupos dos transportes (alta de 1,46% apenas no mês de agosto), puxada pelo aumento da gasolina, e de alimentação e bebidas (1,39%).

A subida no preço dos alimentos não é novidade para o brasileiro, que tem sido obrigado nos últimos meses a procurar substitutos para diversos produtos que apresentaram forte alta nos preços.

Segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em 17 capitais, a cesta básica subiu em 13 destas cidades no mês de agosto. Em agosto, o valor médio da cesta básica em Porto Alegre foi de R$ 664,67, o maior do país.

Contudo, o Brasil se encaminha para fechar o ano com recordes de produção. O mesmo IBGE estimou, em agosto, que a safra brasileira de grãos, cereais e leguminosas deverá fechar o ano em 256,1 milhões de toneladas, o que seria a maior da história. O que explica então a alta no preço dos alimentos?

Pandemia e preço internacional

O professor Alessandro Donadio Miebach, do Departamento de Economia e Relações Institucionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o primeiro elemento que precisa ser levado em conta para explicar a inflação brasileira é o impacto da pandemia no preço internacional dos alimentos.

De acordo com o Indicador de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a média dos preços iniciou 2020 em um patamar acima, mas ainda próximo, do que fora registrado em 2018 e 2019. Após uma leve queda nos primeiros meses do ano, começou a subir a partir de maio e manteve uma trajetória de alta que perdurou até maio de 2020, atingindo patamares mais de 30% superiores aos do início da pandemia.

A trajetória apontou para queda em junho e julho, mas já voltou a subir globalmente em agosto. Na avaliação de Miebach, em razão das incertezas geradas pelo variante Delta do coronavírus. Mas por que a pandemia influenciou o preço dos alimentos? “Ninguém sabia o que era a pandemia de março de 2020, o que os países foram fazer? Compor estoques e garantir a segurança alimentar. Isso explica para nós o pico nos preços. Tu não tem outro motivo para a subida de preços nessa magnitude que a gente viu”, diz.

Se o preço dos alimentos sobe no mercado internacional, sobe no Brasil também. Contudo, há um agravante para o cenário brasileiro: a disparada no dólar verificada nos últimos anos tornou mais atrativo para o produtor nacional vender para o exterior. “A nossa agricultura é mercantil, visa lucro, então ‘eu vou vender onde eu tenho um preço mais alto’. Se o preço internacional subiu, eu vou subir aqui também, não vou vender mais barato para o mercado doméstico. Se o mercado doméstico quiser comprar o meu cereal, vai ter que pagar o mesmo preço”, diz o professor.

Patrícia Costa, economista e Supervisora de Pesquisa de Preços do Dieese, explica que essa priorização das exportações gera um segundo elemento inflacionário, que é a falta de oferta de produtos para o mercado interno. “A gente começou a exportar muito feijão, muito arroz, carne bovina, soja, óleo de soja, açúcar, e tudo isso vem elevando o preço dos alimentos, porque grande parte da nossa produção é para fora e aqui dentro não tem oferta suficiente para cumprir a demanda, então você tem aumento de preço”, explica.

Um terceiro elemento, também relacionado à variação de preços no mercado internacional e ao dólar, é a alta de combustíveis e derivados do petróleo, como gasolina, diesel e gás de cozinha, que são insumos essenciais tanto para o produção de alimentos como para o transporte. “A política da Petrobras mudou para priorizar o lucro dos acionistas e quem paga esse lucro é a população brasileira, porque vai comprar o gás e a gasolina na bomba”, diz a economista.

Soma-se a isso a alta em mais um insumo essencial, a energia elétrica, que está relacionada à crise hídrica e à falta de planejamento do governo federal para enfrentá-la.

“A gente precisa lembrar que luz, combustível e gás também são custos de produção. Milho e soja, que a gente também está mandando para a fora, são insumos para a produção de gado, que produz carne e leite. Então, os problemas da economia brasileira neste momento estão do lado da oferta dos produtos. Porque, do outro lado você tem uma demanda extremamente reprimida, as pessoas não têm renda, tem muita gente pulando refeições porque não tem dinheiro para comprar as três refeições para a família, tem muita gente que está cozinhando com lenha porque não tem dinheiro para o botijão de gás. O produtor olha para o Brasil e vê um país empobrecido e olha para o mercado internacional, vê a demanda da China e ainda recebe o dólar, então é extremamente vantajoso para ele exportar esses alimentos”, diz Patrícia Costa.

Por outro lado, Costa e Miebach apontam que o Brasil deixou de usar instrumentos que tinha à disposição para controlar a variação dos preços internacionais, como os estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Uma reportagem do publicada pelo portal UOL em setembro de 2020 apontou que o Brasil registrava uma redução de 96% na média anual dos estoques públicos de alimentos em uma década. A soja, por exemplo, não era armazenada desde 2013.

“Flutuações nos mercados de preços de alimentos são comuns. O que os países como China, EUA e outros fazem? Tu faz estoques de alimentos para preservar o preço e também para proteger os agricultores, porque tu pode ter o contrário, uma queda pronunciada do preço, aí o estoque regulador entra comprando e sustenta o preço. Quando o preço sobe, ele entra vendendo e joga para baixo”, diz Alessandro Miebach.

Segundo o professor, a redução de estoques passar por uma decisão política dos últimos governos federais, que, nutridos pela lógica liberal, passaram a defender que o mercado seria mais eficiente para reger a economia sem a participação do governo. “É uma concepção muita ingênua. O que acontece? Todo o choque de preço é transmitido direto, sem mediação. Mais ou menos o que acontece com a gasolina, toda a variação e volatilidade é transmitida para o consumidor”, afirma.

Soma-se a isso também a decisão de priorizar os grandes produtores em detrimento de realizar políticas voltadas para a agricultura familiar, que tem por característica uma produção mais voltada para abastecer o mercado interno.

Os alimentos vão continuar subindo?

Patrícia Costa diz que já é possível perceber a queda em alguns preços de alimentos, como arroz e feijão. Para a economista, contudo, isso é um reflexo do fato de que eles subiram a patamares tão altos que as pessoas deixaram de comprar, o que força uma redução nos preços.

“Você começa a ter uma guerra em que a oferta pressiona para cima e a demanda pressiona os preços para baixo, porque as pessoas não conseguem absorver os impactos do preço mais. O patamar de preço da carne bovina hoje é em torno de R$ 40 o quilo, se a gente pegar uma média de preços entre patinho, acém, coxão duro e coxão mole. Era R$ 20 em 2015. É um aumento muito grande, então o consumo diminuiu”, diz.

Alessandro Miebach diz que a avaliação de órgãos internacionais é que o preço dos alimentos começaria a cair com a retomada econômica pós-pandemia. No entanto, ele destaca que o aparecimento e os surtos da variante Delta trouxeram mais incertezas sobre os prognósticos. No caso do Brasil, a crise política perpetuada pelo presidente Bolsonaro influi para acentuar ainda mais o ambiente econômico, segundo o professor.

“Eu esperava que os preços cairiam, mas talvez não caiam, continuem num patamar alto. A taxa de inflação tende a estabilizar, é a impressão que dá. Provavelmente terá uma subida nos juros, que deve levar a uma apreciação do real. Ao apreciar o real, tu vai ter uma menor variação de preços desses bens exportáveis do Brasil. Agora, tem um problema, o problema é o governo, que cria instabilidade e insegurança”, diz.

Já a economista do Dieese avalia que a tendência ainda é de aumento no preço dos alimentos. “O café, por exemplo, a produção e o preço têm muito a ver com a expectativa dos agentes, que vende com base na produção futura. A expectativa é que a geada [ondas de frio e geada atingiram o sudeste no final de julho, provocando perdas nas safras de café, cana e laranja] já comprometeu a safra de 2022, então, com isso, a tendência é que os preços agora sejam maiores e, com isso, continua subindo”, diz.

Ela também pondera que a contínua alta nos preços de combustíveis e de energia, esta última anunciada recentemente e ainda podendo ser majorada pela continuidade da crise hídrica, seguirá pressionando para cima os preços dos alimentos. “Se você pensar que precisa levar um alimento de uma cidade para outro canto do País, o que vai incluir nesses custos? Gasolina, diesel. Se você precisar processar minimamente, vai entrar a energia elétrica. Então, a gente entra numa espiral de aumento de preços que vai se espraiando por tudo”, afirma.

Pé de frango se torna a carne possível, com disparada da inflação

A cozinheira Irene Moreno, moradora de Sorocaba, aderiu de vez ao pé de frango. “Sempre gostei, mas agora virou a mistura possível, pois é o que dá para comprar. A carne bovina perdeu vez em casa. Primeiro é o frango, depois o porco. Dizem que pé de frango faz bem para os ossos, mas eu digo que faz bem para o bolso.” Segundo ela, porém, sua mãe já voltou do açougue reclamando que até o pé do frango está caro. “Agora estão vendendo em embalagens de isopor e, quando você vai fazer a conta, o quilo sai a mais de R$ 10”, disse.

Com o preço do boi nas alturas e outras carnes também mais caras, o pé de frango virou a opção ao alcance do bolso do consumidor, ainda que também tenha subido. O quilo do frango inteiro estava a R$ 8,41 nesta quarta-feira, 15, acumulando alta de 43% este ano, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agronomia da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Em janeiro, o quilo estava a R$ 5,90. No mesmo período, o preço do pé de frango, considerado o corte mais barato, subiu 100%, passando de R$ 2,50 para R$ 5 no atacado.

A média de preço alcançada pela ave este mês é a maior desde 2004, quando o Cepea iniciou o monitoramento. E o pé do frango nunca foi tão valorizado. Para produtores e especialistas, devido à crise causada pela pandemia, a carne de frango teve o consumo aumentado por ainda ser a mais barata. Na região de Sorocaba, o preço médio do quilo de frango para o consumidor, em agosto, ficou em R$ 11,01, enquanto o quilo da carne bovina de segunda custou R$ 30,30 e a suína, R$ 22,24. Já o quilo da carne bovina de primeira teve média de R$ 42,01.

Dono do açougue Vitória, no Jardim Novo Mundo, periferia de Sorocaba, o comerciante Aguinaldo Jesus dos Santos vê no consumo dos cortes mais baratos um reflexo da crise econômica agravada pela pandemia. “De uns tempos para cá, o consumidor passou a buscar mais o frango. Aquele que comprava carne bovina de primeira está levando o filé de peito, mas a maioria vai de pé de frango ou moela, que são carnes mais baratas.” Na quarta-feira, Santos vendia o pé de frango a granel por R$ 7,90 o quilo. “Está barato, pois em supermercados você vai comprar em bandejas e pagar até R$ 12”, disse.

Para o representante comercial Henrique Laureano Ribeiro, de Sorocaba, que trabalha com venda da carne há 14 anos, a disparada no preço do pé de frango decorre da exportação para países da Ásia e da queda no poder aquisitivo da população. “Outros cortes mais baratos, como o pescoço e a moela, também estão tendo maior procura”, disse. A moela, que em janeiro era vendida a R$ 6,50 no atacado, hoje tem o preço do quilo em R$ 9,80 para que o comerciante revenda a R$ 15.

Ele explica que cortes mais nobres do frango também subiram porque passaram a ser opção para quem consumia carne bovina. O peito com osso subiu de R$ 6,60 para R$ 10,80 no atacado – alta de 63% – e o filezinho (sassami), de R$ 8,50 para R$ 14 – aumento de 65%. “Houve um aumento de 40% a 50% nos cortes do frango de janeiro até agora, mas só foi possível porque as outras carnes também estão caras. O preço do frango está sendo puxado pelo aumento nos insumos, como milho, soja, combustível e energia”, disse.

As exportações de carne de frango in natura cresceram 6,2% este ano, até agosto, mas o que levou à alta no preço foi o aumento no consumo interno, o que permitiu que os granjeiros começassem a recuperar as perdas do primeiro semestre. Em agosto, o preço da ave viva subiu em média 4,8% em São Paulo, enquanto os custos de produção aumentaram 1,2%. Mesmo com os preços favoráveis, os avicultores controlaram o alojamento de pintinhos para evitar excesso de oferta. 

“Estamos com um pé no acelerador e outro no freio. Aumentamos em 20% a quantidade de aves em alojamento, mas com cautela”, disse o veterinário Sandro Del Ben, da empresa Frango da Hora, com criatórios e abatedouro na região de Tietê, interior paulista. Ele conta que no começo do ano o preço de venda estava em R$ 6,50 o quilo e o custo era de R$ 7,20. “Era prejuízo, principalmente devido aos custos da matéria prima e excesso de frango no mercado. A partir do final de maio, a situação se inverteu e, mesmo com o preço alto do milho e soja e o preço do pintinho a R$ 2 a unidade, o frango começou a dar lucro”, disse.

A família do granjeiro Elton Luis de Miranda trabalha com frangos de corte há três décadas, no bairro Rio das Pedras, em Tatuí. Ele já foi granjeiro independente, mas atualmente é integrado, ou seja, cria frangos para uma empresa avícola que dispõe de abatedouro. Mesmo sendo remunerado apenas pelo alojamento das aves, já que a empresa fornece pintos, ração e assistência veterinária, ele torce para que os preços continuem bons. “Quando a empresa está tendo lucro, a gente consegue manter os aviários cheios por mais tempo, o que aumenta nosso ganho.”

Nesta semana, Miranda tinha 100 mil frangos nos aviários. Ele contou que água e energia elétrica são por sua conta e esses custos subiram. Para reduzir o gasto com energia, ele instalou um sistema de caldeira a lenha no aviário. “Mas a lenha também subiu, pois custava R$ 50 o metro cúbico no início do ano, hoje está a mais de R$ 100.” Outro granjeiro integrado, Paulo Albino, do bairro da Serrinha, em Pereiras, disse que a empresa ainda está cautelosa. “Minha granja é para 20 mil aves e já chegaram a colocar 25 mil, mas os últimos três lotes foram só de 17 mil.”

O criador Alcides Pavan, da Granja Roseira, também de Pereiras, conta que o granjeiro saiu de seis meses de prejuízo na produção do frango e agora está começando a ganhar. De janeiro a junho, devido ao alto custo do milho, farelo de soja e outros insumos, cada frango saía para o abate custando entre R$ 2 e R$ 2,50 acima do valor pago pelo abatedouro. “Agora inverteu e, para se abastecer, o frigorífico precisa pagar pelo frango um preço que representa ganho de R$ 2 por unidade para o produtor.” Milho e farelo de soja representam 70% do custo de produção, mas os aumentos na energia também já afetam os custos

Consumo maior

Para Luiz Gustavo Susumu Tutui, analista de mercado de frango do Cepea/Esalq/USP, a alta nos preços acompanhou a elevação na demanda pela ave, que se tornou a carne mais consumida no País, assumindo o lugar da carne bovina. “O preço do frango aumentou mais que o de outras carnes, mas o consumidor vê que ainda está mais em conta que a bovina e a suína.” O maior consumo, segundo ele, deu margem para que o avicultor conseguisse ganho, mesmo com o aumento no custo de produção.

Ainda segundo o especialista, o setor avícola se ajustou melhor à pandemia e à escalada de preços dos insumos, como milho e soja, também utilizados nas rações para bovinos e suínos. “Como o frango tem produção rápida, podendo ser abatido em 40 dias, foi possível ajustar a produção à demanda, evitando as grandes oscilações de preços. Nas últimas semanas, vejo o setor mais cauteloso. Há o receio de até quanto desses aumentos o consumidor consegue absorver. Além disso, no fim do ano há tendência de maior consumo de outras carnes, como a suína”, analisou.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *