26/04/2024 - Edição 540

Poder

MP de Bolsonaro bolsonariza as redes sociais, liberando o ódio e a mentira

Publicado em 10/09/2021 12:00 -

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Num instante em que o mundo procura uma solução para a encrenca da intoxicação das redes sociais, Bolsonaro revelou-se um admirador do problema. Editou uma medida provisória para bolsonarizar as redes. O texto impede Twitter, Facebook, YouTube e Instagram de excluir de suas plataformas conteúdo impróprio, exceto por "justa causa."

A pretexto de assegurar a "liberdade de expressão", Bolsonaro concedeu a todos os que, como ele, têm dificuldade de se exprimir dentro dos limites legais o direito de continuar espalhando ódio e mentiras nas redes. Na prática, o presidente e seus devotos ficam liberados para despejar na internet mensagens mentirosas e ataques a pessoas, a instituições, ao regime democrático e ao Estado de Direito.

Deixa de ser pecado, por exemplo, questionar sem provas a confiabilidade das urnas eletrônicas. Ou afirmar que a cloroquina e remédios assemelhados têm serventia no tratamento da Covid. Ou sustentar que as vacinas são "experimentais". Ou difundir ataques a pessoas e instituições.

A novidade chega uma semana depois de Bolsonaro ter passado na faca trechos do projeto de lei que revogou a Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura militar. Ao sancionar a proposta que definiu novos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas, Bolsonaro vetou, por exemplo, o artigo que criminalizava a divulgação de notícias falsas para atacar o processo eleitoral.

Arma-se o cenário para que Bolsonaro imite Donald Trump, usando as redes sociais para fulminar o processo eleitoral e estimular atos tresloucados como a invasão do Capitólio, o prédio do Congresso americano. Se os congressistas brasileiros tiverem algum apreço pelo que resta da democracia brasileira, derrubarão os vetos de Bolsonaro e devolverão ao Planalto a medida provisória sobre as redes sociais. Ela é flagrantemente inconstitucional.

Reza a Constituição que a medida provisória só pode ser editada em casos de "relevância e urgência". A MP de Bolsonaro só é relevante para ele e sua turba. Discutida pelo governo desde o ano passado, a medida não é urgente. De resto, o texto constitucional proíbe a edição de MPs que tratem de temas ligados à cidadania e ao direito processual civil. Quer dizer: a excrescência precisa ser devolvida ao dono. Não merece tramitar.

OAB vê "retrocesso"

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encaminhou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), parecer em que aponta inconstitucionalidades na MP 1.068/2021 por violação das liberdades de expressão e informação, e das garantias da livre iniciativa e livre concorrência, além do favorecimento à disseminação de desinformação e de discursos que atentem contra a ordem democrática. O texto assinado pelo chefe do Executivo altera o Marco Civil da Internet.

O relatório é assinado por Felipe de Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da OAB, por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, e por Estela Aranha, presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB-RJ. Foi entregue ao Senado na tarde desta quarta-feira (8).

"A Medida Provisória, à toda evidência, visa proibir as plataformas de atuarem espontaneamente no combate à desinformação, à disseminação de informações inverídicas relacionadas a questões de saúde pública e também a discursos tendentes a fragilizar a ordem democrática e integridade do processo eleitoral brasileiro, haja vista que condutas e conteúdos dessa natureza não se encontram nas hipóteses de “justa causa” para a atuação das plataformas sem intervenção judicial", afirma a OAB.

Editado às vésperas de atos golpistas de 7 de setembro, o texto veda “aos provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa”. Na prática, a medida dificulta o combate aos boatos, informações distorcidas e mentiras disseminadas com objetivos políticos.

Um dos dispositivos da MP 1.068/2021 prevê que “em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais somente poderá ser realizado com justa causa e motivação”.

Entre pontos que representariam “justa causa”, a MP prevê inadimplemento do usuário, contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público e cumprimento de decisão judicial.

Presidente da CPMI das Fake News, o senador Angelo Coronel (PSD-BA) enviou ofício a Pacheco, pedindo a devolução da MP. Segundo ele, o tema, “amplamente controverso”, exige mais debate no Congresso Nacional. Por isso, “não poderia jamais ser objeto de medida provisória”.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), membro da CPI da Covid, se posicionou em defesa de devolução imediata ou rejeição pelo voto com “máxima urgência”. Dessa maneira, argumentou, “o Congresso preserva sua altivez e autonomia”. Ele afirmou considerar “abominável (que) o único projeto do governo Bolsonaro (seja) estimular o ódio no Brasil”. Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), a MP “só beneficia as redes de ódio e os produtores de fake news”.

No último dia 8, a ministra Rosa Weber foi definida como relatora de sete ações que pedem a suspensão dos efeitos da Medida Provisória 1.068/2021. A magistrada não foi sorteada, mas designada, por já ser relatora de uma ação sobre a possibilidade ou não de decisões judiciais autorizarem o bloqueio de serviços de aplicativos de mensagens.

Seis ações foram protocoladas por partidos: PT, PSB, PSDB, Novo, PDT e Solidariedade. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) impetrou um mandado de segurança individualmente.

Pacheco deve devolver MP

Rodrigo Pacheco informou que devolverá a Medida Provisória. Interlocutores do presidente do Senado sinalizaram que ele já tinha um parecer jurídico da assessoria do Senado Federal para mandar de volta o texto de Bolsonaro, que entrou em vigor imediatamente, mas que precisa ser aprovado pelo Congresso em 120 dias para se tornar lei. Quando esse tempo é atingido sem que haja uma deliberação sobre uma MP, ela perde a validade.

Com a devolução, a Medida Provisória perde efeito e as previsões legais do Marco Civil voltam a vigorar. Os argumentos que serão transmitidos por Pacheco a Bolsonaro quando o documento retornar ao presidente é de que não há urgência, tampouco relevância, para que uma decisão desse tipo seja tomada pelo Executivo, uma vez que o tema vem sendo discutido no parlamente, dentro dos trâmites normais exigidos nos casos de Projetos de Lei.


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