27/04/2024 - Edição 540

Brasil

Indígenas se reúnem com Bachelet para denunciar violações contra Yanomami

Publicado em 09/09/2021 12:00 -

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Representantes de entidades e indígenas brasileiros se reuniram nesta semana com a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, para denunciar violações e riscos que sofrem por conta de projetos que estão tramitando no país.

A audiência, realizada no último dia 8, teve como foco o garimpo na Terra Indígena Yanomami e foi solicitada pela deputada federal Joenia Wapichana no mês de agosto. O encontro ocorre às vésperas do início do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que terá como um de seus pontos centrais o debate sobre a situação dos povos indígenas. As reuniões, que ocorrerão em Genebra, prometem ampliar a pressão internacional contra o governo de Jair Bolsonaro.

Durante o encontro nesta semana, a deputada Joenia Wapichana relatou sobre o aumento de violência nos últimos anos e como mulheres e crianças estão sendo afetadas, sem que tenha por parte do governo brasileiro uma resposta à altura do problema.

A parlamentar também destacou os ataques aos direitos indígenas que ocorrem no Congresso Nacional. A questão central é a tramitação de têm como meta, segundo ela, diminuir ou acabar com direitos constitucionais. Umas delas é o Projeto de Lei 490/2019, que quer regulamentar a exploração de recursos naturais existentes nas terras indígenas.

A deputada ainda relatou como, desde julho, milhares de lideranças indígenas tem passado por Brasília para se manifestar contra estas propostas e para acompanhar o julgamento pelo STF sobre a demarcação da Terra Indígena dos Xokleng de Santa Catarina, sob à luz da tese do marco temporal. Para ela, a tese ameaça o direito originário à terra.

Bachelet afirmou estar atenta às ameaças e eventuais retrocessos. Segundo ela, o Alto Comissariado continuará a contribuir para que o governo brasileiro adote as medidas necessárias para proteger os direitos indígenas.

Jan Jarab, o representante regional do Alto Comissariado para a América do Sul, também participou da reunião e reforçou o compromisso da entidade no acompanhamento da situação, assim como apoiar o diálogo com autoridades nacionais e demais atores internacionais.

Durante o encontro, Dario Kopenawa, vice- Presidente da Hutukara Associação Yanomami, reforçou as denúncias relatadas em documentos anteriormente enviados a vários Relatores Especiais da ONU. Segundo ele, os Yanomami estão cobrando de autoridades brasileiras a retirada imediata de todos os garimpeiros.

Edinho Batista, Coordenador do Conselho Indígena de Roraima, informou que os efeitos do garimpo na Terra Indígena Yanomami se refletem também nas terras indígenas Macuxi e Wapichana, e são contaminadas com a água poluída e os jovens são atraídos para a atividade ilegal. Ele mencionou também que o incentivo do governo brasileiro contribuiu para o garimpo dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com graves consequências às comunidades e ao meio ambiente.

O encontro ainda contou com a participação do presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), Carlos Veras.

Indígenas isolados sofrem grave risco de extermínio

A tese do marco temporal restringe os direitos indígenas, e é defendida pelo agronegócio, claro, representados pela bancada ruralista no Congresso Nacional. Para eles, os povos indígenas só têm direito as terras que estavam ocupando no dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.

Um absurdo, e os absurdos não acabam e todos os dias são outras urgências nos territórios indígenas.

Grileiros, madeireiros, garimpeiros e pistoleiros estão esfregando as mãos. Falta pouco para quatro territórios na Amazônia com presença de indígenas isolados perderem a proteção legal e serem invadidos, desmatados e devastados. Se isso ocorrer, a sobrevivência desses indígenas está seriamente ameaçada. Para evitar essa tragédia, a Fundação Nacional do Índio (Funai) precisa agir e renovar as respectivas portarias que interditam esses territórios.

Para isso, um coletivo de organizações indígenas e indigenistas lançou uma petição para recolher assinaturas e aumentar a pressão sobre o governo federal e a Funai para renovar as portarias que protegem Terras Indígenas (TIs) pertencentes a povos isolados. Pelo senso de urgência e pelo fato de o governo ter demonstrado pouca efetividade ou preocupação em garantir a segurança desses povos originários, a campanha convida a população a se comprometer com a causa e a tomar uma atitude para salvar a vida desses povos.

Encabeçada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a petição online será endereçada ao presidente da Funai, Marcelo Xavier. A renovação das portarias é atribuição da referida autarquia.

De acordo com a própria Funai, "a importância de se interditar áreas com presença de grupos de índios isolados é para garantir o direito desses povos ao seu território, sem a necessidade de contatá-los, respeitando assim, a vontade do grupo de se manter isolado. Como não é definitivo, pois a proteção permanente do território depende da conclusão do processo de demarcação -, o instrumento normativo precisa ser renovado de tempos em tempos".

A campanha tem como foco pressionar a Funai para a renovação de quatro portarias que vencem até janeiro de 2022. As referentes às Terras Indígenas Piripkura (MT), Jacareúba/Katawixi (AM) e Piriti (RR) têm a validade expirada ainda em 2021. Já em janeiro do próximo ano, vence o efeito do instrumento normativo que protege a TI Ituna-Itatá (PA). Caso as portarias não sejam renovadas, os habitantes originais desses territórios estarão totalmente desprotegidos, sob sério risco de serem dizimados pela ação de invasores – que têm intensificado a presença e degradação ambiental na área nos últimos meses.

O caso mais urgente é o da TI Piripkura, cuja portaria expira em 18 de setembro. Localizada na região Noroeste de Mato Grosso, o território é onde vivem Tamanduá e Baita, dois remanescentes de um grupo quase todo dizimado por invasores. Uma outra sobrevivente Piripkura, Rita, atualmente vive com os Karipuna, em Rondônia. Como muitos detalhes sobre a vivência de Tamandua e Baita na floresta até hoje são desconhecidos, e diante de alguns vestígios, acredita-se que possa haver mais sobreviventes dos Piripkura no território.

Em um apelo urgente publicado em vídeo pela Survival International, Rita pede a sobrevivência de seus parentes isolados e avisa: "Tem muita gente aqui… Vão matar eles dois. Se matar, aí não tem mais".

Entre as terras indígenas habitadas por indígenas isolados, o território Piripkura foi o mais afetado por desmatamentos ilegais em 2020. Entre agosto do ano passado a abril deste ano, 2.132 hectares de floresta da TI Piripkura foram destruídos ilegalmente. Apenas em março de 2021, uma área de 518 hectares foi aberta clandestinamente no território. A extensão equivale ao espaço ocupado por 298 mil árvores. Os dados foram obtidos junto ao Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), que é vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As informações foram compiladas e detalhadas em relatório técnico produzido em parceria pela OPAN e pelo Instituto Socioambiental (ISA).

Na avaliação do Ministério Público Federal (MPF), o avanço criminoso sobre a TI Piripkura corresponde a uma forma de pressão dos ruralistas que atuam na região para que a portaria de restrição de uso vigente não seja renovada. Em ação encaminhada à Justiça Federal, em que cobra providências para a demarcação da área, o procurador da República Ricardo Pael enfatiza que: "A iminência do vencimento do prazo da portaria de restrição de uso da Terra Indígena Piripikura, associada a atos do atual Governo Federal — como a edição da Instrução Normativa Funai número 9, e declarações do Presidente da República de que não demarcará terras indígenas —, acabam por criar uma indevida expectativa de que a portaria não será renovada, impulsionando as ocupações indevidas e o desmatamento ilegal".

Para a liderança do movimento indígena Angela Kaxuyana, os povos isolados são parte da nossa família, são a parte de nós mais resistente em manter a forma originária, a essência de viver como um povo. "Eles [isolados] são os guerreiros que permaneceram e permanecem de forma muito resistente para manter a sua cultura, sua língua e sua autonomia, acima de tudo". Ela explica ainda que "a Funai precisa renovar as portarias porque hoje é o único mecanismo legal que garante minimamente a segurança de vida dessas pessoas, e dessas populações que estão em uma resistência constante para sobreviver e têm o direito de viver da forma que escolheram, que é a forma como sempre viveram".

Kaxuyana convida ainda a sociedade brasileira a assumir um compromisso: "É importante termos um posicionamento contra aquilo que é ameaça à vida e ao direito dessas pessoas. É um dever humanitário. A gente está falando de uma população que está dentro do território nacional que é parte desse país. Então, não tem como fecharmos os olhos e sermos indiferentes a uma população extremamente importante, não somente para a história, mas para a realidade do que é o Brasil hoje".


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