18/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Uma crise ambulante

Publicado em 25/08/2021 12:00 - Victor Barone

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Cinco ex-presidentes da República – José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer – sentaram com representantes das Forças Armadas, da ativa e da reserva, para sentir o clima da caserna no que se refere a uma eventual quartelada do presidente Jair Bolsonaro.

Pressionado pelo derretimento de sua popularidade e pela constante crise que alimenta junto aos demais Poderes, o presidente mostra que vai partir para uma estratégia de confronto acirrado no estilo Trump, e para além dele, inclusive com descumprimento das leis, da Constituição e de ordens judiciais.

Pelo que se apurou, o resultado das consultas sugerem que as Forças Armadas não embarcaram em canoa furada. Segundo o jornalista William Waack, “os emissários dos ex-presidentes ouviram dos generais consultados que as eleições de 2022 não só vão ocorrer normalmente, como o Congresso ouvirá, na data da posse, o compromisso do presidente eleito, seja ele quem for, exatamente como determina a Lei Maior. Ou seja, as bravatas de Bolsonaro, incluindo o alardeado apoio que ele julga ter do alto oficialato para suas investidas contra as instituições republicanas, mais revelam fraqueza e isolamento do que força.”

Apesar das garantias, a situação é complicada. Não deveria ser necessário, em uma democracia, que a sociedade tivesse que consultar generais para se sentar mais tranquila em relação aos desejos inconfessos de um presidente. A necessidade de cinco ex-presidentes pedirem garantias para a democracia mostra que Bolsonaro já feriu gravemente o Estado Democrático de Direito.

NINGUÉM TEME BOLSONARO

De tanto se atormentar com fantasmas, Jair Bolsonaro está conseguindo que eles se tornem realidade. Cristaliza-se em círculos do Judiciário, Congresso e também entre oficiais-generais a ideia de que o arruaceiro institucional precisaria no mínimo ser declarado inelegível. E o caminho seria através dos tribunais superiores.

Esse perigo (não poder disputar as eleições) para Bolsonaro é real, mas não imediato. A “conspiração” não passa, por enquanto, de um desejo amplamente compartilhado nas instâncias mencionadas acima. Generalizou-se nesses círculos de elite política, judicial e militar a convicção de que Bolsonaro provocou um impasse institucional para o qual não há saída aparente, e ele nem parece interessado em buscá-la.

Por William Waack

DOIDO DE PEDRA

Quem conversa quase que diariamente com o presidente o descreve como possuído de um quadro mental para lá de preocupante. Bolsonaro está totalmente convencido de que a “conspiração” contra seu mandato começou já no primeiro dia do governo, e é conduzida por uma difusa e ao mesmo tempo bem entrincheirada coligação de corruptos no Congresso, corporativistas na administração pública, empresários que perderam dinheiro, esquerdistas treinados em Cuba, governadores gananciosos e todos unidos em torno de alguns ministros do STF.

Dois aspectos tornam o absurdistão que é a cabeça de Bolsonaro num problema real, pois ele age a partir dessa percepção de mundo. O primeiro é a “legitimação jurídica” que ele julga ter encontrado para ir ao que chama de contragolpe contra os usurpadores do poder do presidente. A interpretação que adotou do artigo 142 da Constituição é espúria, mas lhe confere um ar de certeza no campo do Direito para, eventualmente, chamar forças militares a intervir – no mínimo para garantir lei e ordem num cenário conturbado que Bolsonaro se empenha em piorar.

O segundo aspecto que faz do desequilíbrio presidencial um perigo real é a crença de que disporia de instrumentos de poder tais como irresistível quantidade de “povo nas ruas”, “adesão de setores das Forças Armadas” além de PMs amotinados, insubordinados e levados às ruas por lideranças corporativistas. Em outras palavras, ele acha que estaria em posição de superioridade em se tratando da relação das forças treinadas para exercer violência – um cenário implícito nas posturas do presidente.

O problema para Bolsonaro é que tanto no plano político-jurídico como no plano das “forças das ruas” ele está isolado. É completamente refém de um conjunto fisiológico de caciques políticos cínicos que o espremem deixando aberta a possibilidade de decidir quando jogam fora o bagaço. O cerco judicial ao presidente, no STF e no TSE, é um fator que tornou inclusive irrelevante se o PGR estaria (não está) disposto a denunciá-lo.  Sem ter criado uma organização política capilarizada e sem ter a adesão das cadeias de comando das Forças Armadas, Bolsonaro acha que manda, mas não comanda nada a não ser fanáticos imbecilizados em redes sociais que não sabem até agora muito bem onde está o “Palácio de Inverno” a ser tomado e ocupado. Eles são contra um monte de coisas, mas ainda aguardam uma ordem específica do “mito” sobre em qual direção marchar e qual inimigo precisam aniquilar.

Em outras palavras, Bolsonaro não dispõe de sólidos argumentos jurídicos, de amplas forças políticas, de nutridos contingentes militares, do domínio das ruas, da adesão das principais elites econômicas e é rejeitado pela maioria dos eleitores, pela quase unanimidade do mundo intelectual e cultural e visto como um estorvo passageiro pelas grandes potências. Ninguém tem medo dele como dirigente político. O que se teme é a tragédia que ele parece empenhado em provocar.

Por William Waack

UM CURIOSO VOLUNTÁRIO 

Os senadores que integram a CPI da Covid acreditam ter encontrado mais uma peça-chave das negociatas de medicamentos e vacinas que, aparentemente, eram a principal atividade do ministério da Saúde no pior momento da pandemia no Brasil até agora. José Ricardo Santana, o personagem da vez, conseguiu se destacar em um time pra lá de inusual, que conta com empresas-fantasma, PMs vendedores de vacinas e reverendos atravessadores, entre outras figuras.

Santana, que depôs ontem (26) à comissão, é ex-funcionário do primeiro escalão da Anvisa e estava presente no jantar em que Roberto Dias, seu amigo e ex-diretor de Logística do ministério, teria pedido propina para avançar com a negociação de vacinas. Seu nome foi citado à CPI pelo próprio Dias. Ele disse que, na ocasião, não presenciou qualquer pedido de vantagem indevida e que, apesar de não se lembrar do conteúdo da conversa, falava-se de “amenidades”. Ainda segundo ele, naquela noite sua intenção era apenas se encontrar com Dias, quando apareceram mais duas pessoas que – coincidência! – eram supostos vendedores de vacinas.

O clima esquentou quando o depoente tentou explicar – depois de se negar a responder a maioria das perguntas dos senadores – qual era o caráter de sua atuação no ministério. Santana relatou à comissão ter pedido demissão do cargo de secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Anvisa para ir trabalhar de graça no ministério, a convite de Dias. Mesmo sem cargo (e sem salário), conduzia negociações com fabricantes de respiradores pulmonares e exercia outras atividades como “homem de confiança” do ex-diretor de logística. Segundo revelou o Estadão com informações da agência Fiquem Sabendo, ele esteve pelo menos 25 vezes no ministério entre 2020 até este ano. Em todas elas, foi visitar o departamento então chefiado por Dias.

Para os senadores, ficou explícito que Santana deixou o cargo público para atuar como lobista de empresas junto ao Ministério, ao qual tinha acesso facilitado. Entre elas, estaria a Precisa Medicamentos, que acumula denúncias de irregularidades em contratos com a Pasta – a mais grave envolvendo a negociação da vacina indiana Covaxin. Registros da portaria mostram que ele frequentou o ministério enquanto dialogava com empresários interessados na venda de testes rápidos da Precisa ao governo, e também em março de 2021, quando o governo negociava compra da Covaxin.

Ao final da sessão, o depoente passou de testemunha a investigado pela CPI.

FACHADA?

Todos os caminhos da CPI da covid parecem levar a Ricardo Barros. O depoimento de Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor-presidente da FIB Bank, novamente colocou na mira das investigações o deputado e líder do governo Bolsonaro na Câmara. Segundo os senadores, há fortes indícios de que a empresa, fiadora da Precisa Medicamentos no contrato suspeito de fraudes e irregularidades para compra da vacina indiana Covaxin, teria um “sócio oculto”: o advogado Marcos Tolentino, amigo pessoal de Barros. 

Os senadores questionaram as credenciais da FIB Bank  – que, apesar do nome, não é um banco ou instituição financeira – para atuar como avalista da Precisa no contrato de R$ 1,6 bilhão firmado com o Ministério da Saúde para venda da Covaxin. O seguro de R$ 80 milhões, também suspeito de fraude, foi apresentado pela Precisa através de uma “carta-fiança” e seria acionado caso a intermediária não cumprisse a entrega das doses ao governo brasileiro. 

Em um depoimento desencontrado, o diretor-presidente afirmou que o capital declarado da FIB Bank – segundo ele, uma “empresa pequena” –, de R$ 7,5 bilhões, seria integralmente proveniente de dois imóveis de propriedade da companhia. De acordo com os senadores da oposição, no entanto, um dos imóveis seria fantasma e estaria registrado em um cartório de Curitiba que sequer existe. A conexão com Tolentino – e, a partir dele, com Ricardo Barros – foi estabelecida quando o depoente tentava explicar quem seriam os donos da FIB Bank. Segundo Roberto Junior, a companhia pertence a duas empresas, a Pico do Juazeiro e a MB Guassu. Acontece que o endereço e telefone da Guassu são os mesmos do escritório de Tolentino, que é oficialmente advogado e procurador da empresa.  

Na semana que vem, Tolentino, agora suspeito de ser o verdadeiro dono da FIB Bank, será ouvido pela CPI. Renan Calheiros (MDB-AL), relator da comissão, chegou a afirmar que o advogado costuma se apresentar como dono da empresa. 

Ainda na quarta (25), o cerco da CPI a Barros se fechou um pouco mais. A comissão acionou o Supremo Tribunal Federal (STF)  e pediu o compartilhamento de informações referentes a todos os processos envolvendo o líder do governo. A ideia é descortinar os termos exatos de suas relações com a intermediária Precisa e sua sócia Global, que vêm desde a época em que Barros foi ministro da Saúde, ainda no governo Temer. 

JOGO RÁPIDO

Em tempo recorde, o Ministério Público Militar (MPM) concluiu pela absolvição do general da ativa e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e também do tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, comandante da Aeronáutica, quanto à participação em atos políticos ao lado de Bolsonaro neste ano. Segundo o MPM, as ações não constituíram crimes militares. 

As denúncias, segundo contou a Folha, foram recebidas pela Ouvidoria do MPM e convertidas em notícias de fato, procedimento comumente adotado no Ministério Público. A responsabilidade por analisar acusações, investigar e denunciar oficiais-generais suspeitos de crimes militares é do procurador-geral de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte. No entanto, no caso de Pazuello e Baptista Júnior, o procedimento sequer se desdobrou em investigação, seguindo o caminho de vários outros do mesmo tipo envolvendo militares de alta patente, e sendo logo de cara arquivado. Segundo o jornal, nos últimos dois anos e meio, foram 65 os procedimentos que tiveram esse fim. Uma média de dois por mês.

ACABAR COM ISSO DAÍ

Jair Bolsonaro entrou com uma ação no STF contra a lei que determina a indenização de profissionais de saúde que tenham ficado  incapacitados permanentemente pela covid-19. Hoje, a regra é que sejam pagos R$ 50 mil a esses trabalhadores; no caso de óbito, o valor é direcionado aos dependentes. 

O projeto foi aprovado pelo Congresso no ano passado, mas já na época Bolsonaro o vetou integralmente, como comentamos aqui. Em março deste ano, os parlamentares conseguiram derrubar o veto e a lei foi promulgada, passando a valer imediatamente. A ação, apresentada ontem pela Advocacia-Geral da União, alega que a lei trouxe insegurança jurídica e criou despesas sem estimativa de custos.

Por Outra Saúde

ARREPENDIDA

A youtuber indígna Ysani Kalapalo, que se tornou conhecida por apoiar o presidente, publicou, na quinta-feira (19), um vídeo onde relata estar arrependida de ter votado em Bolsonaro. “Meu desabafo é: como eu fui otária! Eu não tenho vergonha de dizer isso, eu sou humana, eu erro”, declarar Kalapalo na abertura do vídeo.

MENTIROSO

A CNN desmentiu uma fala do jornalista Alexandre Garcia durante o programa “Novo Dia” de hoje. Em sua participação no quadro “Liberdade de Opinião”, ele disse que jovens “não precisariam tomar a vacina segundo as estatísticas.”

LULA, LÁ

O ex-presidente Lula (PT) se emocionou e não segurou as lágrimas, nesta terça-feira (24), ao reencontrar, durante evento político em Natal (RN), o compositor Hilton Acioli, autor do famoso jingle “Lula lá” que marcou a campanha do ex-presidente na eleição de 1989.

AS ELITE

Fábio Rigo, herdeiro da marca Arroz Prato Fino, a mais vendida do Rio Grande do Sul, usou suas redes sociais para atacar a vacina e o Sistema Único de Saúde. Em uma postagem nas redes, Rigo diz: “E pau no cu do SUS, quero que seja vendido. Quem pode mais, chora menos. Lei da selva”. Ela ainda disse que “tive Covid e não me fez cócegas”. “Prefiro o Covid do que essa merda de vacina”, acrescentou.

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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