20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

O bolsonarismo raiz é menor do que a gente imagina, diz cientista política

Publicado em 23/08/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Eleitores que votaram no presidente Jair Bolsonaro em 2018 e se arrependeram com o governo não devem repetir a escolha em 2022 mesmo que o adversário seja o ex-presidente Lula. Essa é uma das conclusões da pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, que foi divulgada no último dia 20.

O estudo, realizado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, também mostra que o atual presidente perdeu a maior parte do apoio que o elegeu na última eleição e que o bolsonarismo raiz, composto por aqueles eleitores fieis do mandatário, é menor do que parece.

Para a cientista política Carolina de Paula, uma das coordenadoras da pesquisa, embora seja um candidato competitivo, Bolsonaro terá dificuldade de se reeleger. “Os eleitores que se arrependeram estão muito frustrados. Não há um retorno ou algo que possa ser feito para que elas votem no Bolsonaro de novo”, afirma.

Muitos dos arrependidos, revela a pesquisa, devem votar em Lula. “Na pesquisa, aparecem pessoas que chegaram a votar no PT antes e depois no Bolsonaro, mas logo se arrependeram. Hoje, olham com um sentimento de nostalgia para o passado”, diz.

“Elas comparam o passado, que era bom, com acesso a serviços, à educação e à comida com o presente que tem inflação. A gente percebeu que o cenário atual é muito negativo na avaliação das pessoas e isso favorece muito o Lula”, acrescenta.

De acordo com a pesquisadora, é muito cedo para afirmar que o bolsonarismo, como fenômeno político, seja duradouro.  “É difícil pensar o bolsonarismo como algo consolidado e que veio para ficar”, declara. “O público fiel é muito reduzido”, esclarece.

Ainda segundo Carolina, o ponto principal de inflexão dos apoiadores do presidente foi a gestão da pandemia. “A questão das vacinas, o descaso com a pandemia e o deboche com os mortos, tudo isso prejudicou muito o Bolsonaro”, aponta.

Além de Carolina, a pesquisa foi realizada por João Feres, coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Walfrido Warde Jr. e Rafael Valim, ambos do Iree.

 

O bolsonarismo veio para ficar?

É muito precoce fazer essa afirmação. Quando optamos em fazer grupos de pessoas que se arrependeram do voto era para sentirmos o quanto o bolsonarismo é um fenômeno, como no lulismo, mais estável. O que percebemos é que é muito cedo para afirmar que é algo duradouro e enraizado.

Os eleitores que se arrependeram estão muito frustrados. Não há um retorno ou algo que possa ser feito para que elas votem no Bolsonaro de novo e o público fiel é muito reduzido. Portanto, é difícil pensar no bolsonarismo como algo consolidado e que veio para ficar.

Esses eleitores não são ideologicamente de direta e conservadores?

O que a gente percebeu com a pesquisa é que a questão dos valores motivou somente uma parcela muito pequena do eleitorado do Bolsonaro, justamente aquela que tem a questão religiosa muito forte, os evangélicos.

O que levou esses eleitores que não são conservadores ao extremo a optarem pelo Bolsonaro em 2018?

Podemos afirmar com certeza que foi o antipetismo, o ódio ao Lula e o sentimento antipolitica, que estava muito forte. Agora, a pandemia traz um pouco o elemento da necessidade de voltar a acreditar na política.

E por que o Lula lidera as intenções de voto?

Na pesquisa, aparecem pessoas que chegaram a votar no PT antes e depois no Bolsonaro, mas logo se arrependeram. Hoje, olham com um sentimento de nostalgia para o passado [no tempo em que o PT era governo].

Elas comparam o passado, que era bom, com acesso a serviços, à educação e à comida com o presente que tem inflação. A gente percebeu que o cenário atual é muito negativo na avaliação das pessoas e isso favorece muito o Lula.

No bolsonarismo raiz, o que é preponderante: a questão militar ou a religiosidade?

É uma mistura, mas a questão religiosa é muito forte. Quando discutimos a questão dos militares, mesmo no grupo religioso, a gente não vê aquelas pessoas mais extremadas, que querem ditadura.

Na verdade, o que pessoas mais levam em conta no discurso bolsonarista é a questão da família. Este é um ponto interessante que a esquerda deve pensar para a campanha. As pessoas têm a ideia de que a esquerda não se preocupa e não tem valores de família, enquanto Bolsonaro tem. Isso colou e entrou no imaginário. E não tem nada claro do que esses eleitores querem quanto a isso. É só o imaginário mesmo de que Bolsonaro é da família.

É viável a esquerda reconquistar esse segmento?

O fiel raiz, que está com o Bolsonaro e que odeia o PT, é bem difícil. Mas eu não diria impossível, porque são pessoas de classes mais baixas que são afetadas pelo desemprego, Se ele piorar muito, pode ser que isso se reverta.

O mais provável, no entanto, é que o eleitor que não é tão apaixonado pelo Bolsonaro seja conquistado. Tem algumas pessoas que são religiosas que não gostam das atitudes grosseiras e desrespeitosas do presidente. É um eleitor que pode se estabelecer um diálogo.

No embate entre ideologia e economia, quem leva?

Pelo momento que vivemos, não estamos mais naquele clima de 2018 de antipolitica, porque o impacto da pandemia veio. Acredito que a questão econômica vai ser muito importante, pois as pessoas estão passando por essa crise e não se recuperou ainda. O contexto de pandemia vai favorecer a questão econômica.

Com o bolsonarismo raiz, o presidente é um candidato viável em 2022?

Sim, pois há muitos eleitores dizem que pode acontecer qualquer coisa que eles votarão no Bolsonaro mesmo assim. Nós não conseguimos nem imaginar o que Bolsonaro possa fazer para tirar o apoio desse eleitorado mais raiz. Tem uma fatia do que é extremamente conservadora e pensa assim. O que a pesquisa revela é que é menos do que a gente imaginava.

Essas pessoas, antes do Bolsonaro, votavam em quem?

Muitas delas votaram no PT por muito tempo. Não eram pessoas que odiavam o PT. São pessoas que foram muito motivadas. Alguns dizem que foram se decepcionando com o PT após o mensalão. O ponto de virada mesmo foi a Lava Jato, pois Bolsonaro conseguiu pegar essas pessoas que acreditam que o PT e o Lula tinham destruído o País.

E por que há muitos eleitores do Bolsonaro arrependidos?

As pessoas imaginaram que aquele sujeito meio grosseiro era um personagem de campanha. E teve a questão da facada que o deixou recluso, sem aparecer. Muitos eleitores imaginaram que ele se adequaria à liturgia do cargo, que faria política e governaria bem. Essas pessoas se decepcionaram logo no começo. O que é definitivo é a questão das vacinas, o descaso com a pandemia e o deboche com os mortos. Isso prejudicou muito o Bolsonaro.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *