24/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Bolsonaro ataca o STF para evitar a prisão do filho, avalia cientista político

Publicado em 17/08/2021 12:00 -

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A promessa do presidente Jair Bolsonaro de levar ao Senado uma ação que pede o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, não é cortina de fumaça, na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal do ABC Vitor Marchetti.

No sábado 14, o presidente citou uma possível ruptura institucional e alegou que os magistrados extrapolaram “os limites constitucionais”.

“O povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais (art. 5° da CF), como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los”, escreveu em uma rede social.

Para Marchetti, a relação entre a presidência e o STF e o Tribunal Superior Eleitoral chegou a um ponto de não retorno, pois já não há nenhum ator político no País que acredite na moderação de Bolsonaro. “Ele tem um perfil autoritário e vai mantê-lo até o fim vendo se encontra resistência”, avalia.

De acordo com o professor, ao levar a crise para dentro do Senado, o presidente caminha em direção às últimas cartadas desse jogo de crise institucional.

“Levar essa tensão para dentro do Senado em um momento delicado me parece apenas uma estratégia de tentar blindar uma possível prisão do seu filho [o vereador Carlos Bolsonaro] que está no mesmo processo [inquérito que investiga a disseminação de fake news]. Isso pode ter chegado nos núcleos familiares fazendo com que ele tenha que se mexer mesmo que com custo alto”, afirma.

 

Professor, o senhor escreveu que o provável pedido de impeachment dos ministros do STF não é só cortina de fumaça. Por quê?

O Bolsonaro decidir aumentar a tensão e a temperatura na relação com o Senado neste momento em que se tem elementos muitos importantes para o governo na Casa não é só jogo de cena política, pois ele aumenta a tensão em um lugar que é estratégico para o governo, principalmente porque lá está a CPI da Covid, a recondução do [Procurador-Geral da República, Augusto] Aras e a indicação do André Mendonça para o STF.

Geralmente, as cortinas de fumaça que ele produz servem para alimentar a horda e para desviar a atenção de uma agenda que está rumando dentro do Parlamento. Desta vez, ele produz um ruído que pode oferecer resistência importante para questões que são do interesse do governo.

Levar essa tensão para dentro do Senado em um momento delicado me parece apenas uma estratégia de tentar blindar, por exemplo, uma possível prisão do seu filho que está no mesmo processo. Isso pode ter chegado nos núcleos familiares fazendo com que ele tenha que se mexer mesmo que com custo alto.

O que poderia ser cortina de fumaça é esse debate [da paralisação dos caminhoneiros] do 7 de setembro. Mas fazer um movimento mais institucional para levar a crise para dentro do Senado me parece que não é.

O Senado embarca nessa aventura?

Diferente da Câmara, que tem se mostrado mais alinhada ao governo, o Senado tem demonstrado possibilidades de resistência, de contraponto e de barreira às ações do Executivo. Os senadores têm instrumentos de pressão muito mais fortes sobre a presidência do que se tem na Câmara. Acredito que o Rodrigo Pacheco não vá embarcar, até porque ele é um dos cotados [pelo PSD] para disputar a eleição para presidente e precisa se estabelecer como um moderado diante a polarização do País.

Não sendo estratégico para o Pacheco e sem condições no Senado, não acredito que a Casa seja capturada por uma pauta tão forte do bolsonarismo. A tendência maior é produzir reações que prejudiquem as votações que interessam ao governo.

A relação do Bolsonaro com o STF e o TSE atingiu um ponto de não retorno?

Já foi, acabou. A gente passou por tempo demais acreditando na moderação do Bolsonaro. Já não tem mais nenhum ator político no Brasil que acredite nessa hipótese, pois sabem que ele está em um caminho de não retorno e que a sua disposição sempre foi essa de atritar com as instituições e com a estabilidade democrática.

Ele tem um perfil autoritário e vai mantê-lo até o fim vendo se encontra resistência. Por enquanto, TSE e STF apresentaram pontos de resistências importantes, seja por meio de abertura de inquéritos ou de procedimentos de apuração administrativa. A Câmara e o Senado ainda não se colocaram como portas de resistência.

Se a tensão for cada vez mais forte para cima do Senado e da Câmara, me parece que vão ser obrigados a se posicionar de modo mais claro. Se não fizerem, vão ser engolidos pelo bolsonarismo.

As reações do STF têm sido a altura do que a atual situação pede?

A gente agora, de fato, superou o período de notas de repúdio apenas. Há ações e movimentações um pouco mais incisivas e enfáticas. É verdade que figuras importantes que produziram um alto nível de instabilidade no País foram presas e processadas, como Sara Winter, o Oswaldo Eustáquio, [deputado] Daniel Silveira.

Agora, está em um outro patamar de ações que não é só de prisão e investigação de figuras que incendeiam o debate político, pois chegou ao presidente da República com diversos processos, como o do Inquérito das Fake News e da divulgação de inquérito sigiloso.

Tem ações que chegam ao núcleo do problema. Se vão dar um passo a mais, que poderiam dar, vai depender da conjuntura do País, pois se o STF e o TSE ficarem sozinhos nesse confronto com o presidente pode ser um tiro no pé, já que eles precisam ter um senso de preservação institucional. Se o Congresso, o Centrão e o mercado ficarem com cautela e se posicionando mais no campo do Bolsonaro, e deixem os tribunais na berlinda, não me parece racional que o STF e o TSE subam ainda mais a temperatura. Vai depender de como se movimentarão os outros atores.

O senhor acredita que o Bolsonaro reúne condições para o golpe?

Naquilo que poderia um fechamento total do regime, cancelando eleições e fechando o Congresso, ele não tem condições para seguir nesse movimento. O que me parece é que o nível de instabilidade que ele ainda vai produzir será grande e as consequências disso a gente ainda tem poucas ferramentas para medir.

Portanto, dependerá de como vão embarcar as Forças Armadas nessa, do comportamento das policias militares e o quanto os governadores vão embarcar em qualquer projeto bolsonarista ou isolar o presidente. O que podemos afirmar é que Bolsonaro é um produtor de instabilidade.


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