20/04/2024 - Edição 540

Especial

Desgovernado

Publicado em 06/08/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tomou posse na quarta-feira passada apresentando-se como o “amortecedor” do governo perante os demais Poderes. O que falta ao presidente Jair Bolsonaro, contudo, são freios.

Há meses, Bolsonaro vem anunciando que não aceitará o resultado das eleições do ano que vem caso o desfecho lhe seja desfavorável. A desculpa é uma inexistente vulnerabilidade das urnas eletrônicas, que o presidente e sua milícia virtual invocam para questionar o sistema de votação e desde já colocar em dúvida todo o processo eleitoral.

Trata-se de explícita manifestação golpista. A recusa em aceitar o resultado das eleições, mesmo que a lisura da votação seja constatada pela Justiça Eleitoral, é evidente atentado à democracia. O crime é ainda mais grave por ser cometido pelo presidente da República em pessoa, em razão da ressonância que tão elevado cargo político e institucional confere às suas palavras.

Não à toa, pesquisas vêm demonstrando que Bolsonaro conseguiu inocular em parte da sociedade brasileira a toxina da dúvida sobre a validade da votação. Mais do que isso: o presidente está jogando a opinião pública contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, conforme as teorias bolsonaristas, estariam agindo em conluio para prejudicar Bolsonaro e fazer do petista Lula da Silva presidente.

Foi precisamente por essa razão que, na quarta-feira, a partir de notícia-crime encaminhada pelo TSE, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu Bolsonaro no inquérito 4.781, que desde 2019 investiga a usina bolsonarista de produção de notícias falsas para desmoralizar o Supremo e o TSE.

Como agora se tornou muito claro, o presidente Bolsonaro integra ativamente essa máquina de desestabilização da democracia. Em um pronunciamento feito há uma semana, Bolsonaro, a título de apresentar “provas” das alegadas fraudes nas urnas eletrônicas, mentiu diversas vezes e usou informações comprovadamente falsas para basear suas denúncias contra o sistema de votação. Na mesma ocasião, apresentou-se como vítima de um complô das Cortes superiores.

Foi esse pronunciamento que motivou a notícia-crime enviada pelo TSE ao STF e que levou o ministro Moraes a, finalmente, incluir Bolsonaro no rol de investigados por suspeita de formação de organização criminosa dedicada a destruir a democracia no Brasil. “Não há dúvidas”, escreveu o ministro em seu despacho, “de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia.”

A reação de Bolsonaro foi violenta. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, o presidente questionou a legalidade da decisão de Alexandre de Moraes, dizendo que se trata de “um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico”, pois, segundo sua interpretação, deveria ter sido aberto pela Procuradoria-Geral da República (PGR). “Ele abre, apura e pune? Sem comentário”, disse Bolsonaro. E acrescentou: “Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então, o antídoto para isso também não está dentro das quatro linhas da Constituição”.

Em primeiro lugar, não há qualquer ilegalidade na decisão do ministro Moraes. O Supremo tem a prerrogativa de abrir investigação contra o presidente da República. Já o titular da ação penal continua a ser a PGR, e um processo contra o presidente só terá seguimento se houver apoio de dois terços da Câmara. Logo, tudo está sendo feito “dentro das quatro linhas da Constituição”, como gosta de dizer o presidente.

Quem está fora dessas “quatro linhas” constitucionais é Bolsonaro, ao fazer ameaça explícita de golpe de Estado, declarando, com todas as letras, que pode atropelar a Constituição caso não seja feita sua vontade. Para completar, Bolsonaro, como valentão de briga de rua, declarou que “a hora dele (Alexandre Moraes) vai chegar”.

Sem freios, o desgovernado Bolsonaro só vai parar ao colidir contra o muro das instituições democráticas. Que esse muro aguente o tranco.

Judiciário reage

Na tarde desta sexta (6), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, recebeu o procurador-geral da República, Augusto Aras, para uma reunião. O encontro durou cerca de 45 minutos. Aras deixou o STF sem falar com a imprensa.

Após a reunião de Fux e Aras, STF e PGR divulgaram notas sobre o encontro. O teor das notas foi praticamente o mesmo, apenas algumas palavras mudaram de ordem.

Na nota, STF e PGR disseram que, no encontro, Fux e Aras reconheceram "a importância do diálogo permanente entre as duas instituições".

"Considerando o contexto atual, o ministro Fux convidou Aras para conversar sobre as relações entre o Judiciário e o Ministério Público. Ambos reconheceram a importância do diálogo permanente entre as duas instituições", afirmou o texto divulgado pelo STF.

No seu texto, a Procuradoria ressaltou que o encontro também serviu para renovar “compromisso da manutenção de um diálogo permanente entre o Ministério Público e o Judiciário para aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República”.

Fux reforçou que a Procuradoria deve cumprir seu papel de fiscal da lei, enquanto o Supremo cumprirá o seu de guardião da Constituição.

O presidente do STF reforçou ainda a Aras que o embate da Corte com Bolsonaro é uma questão pontual com o Executivo. Ainda de acordo com interlocutores, Aras afirmou está comprometido com as suas funções.

Juízes federais também divulgaram uma nota classificando como “inaceitáveis as repetidas mensagens distorcidas sobre decisões judiciais” protagonizadas pelo presidente da República. Os magistrados também manifestaram repúdio "à escalada de desrespeito" aos integrantes do STF.

O texto, assinado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dez entidades regionais de juízes federais, ainda manifesta apoio ao recado de Fux, que sinalizou romper o diálogo com o Executivo. Segundo as entidades, o ministro “tem se dedicado na busca pelo diálogo equilibrado e transparente entre as autoridades constituídas”.

“São inaceitáveis as repetidas mensagens distorcidas sobre decisões judiciais e sobre a higidez do processo eleitoral brasileiro, além das reiteradas ofensas a membros do Supremo Tribunal Federal, com ameaças diretas de ruptura com a ordem legalmente constituída”, diz a nota.

Os juízes afirmam também que “a liberdade de expressão não autoriza que sejam proferidas ameaças às instituições ou a seus integrantes, tampouco ilações e calúnias contra quaisquer pessoas, sobretudo magistrados no cumprimento do seu dever constitucional".

A nota diz ainda que o "contínuo e ruidoso atrito entre os Poderes da República" dissemina "sentimentos de temor à sociedade brasileira".

“A superação das dificuldades vivenciadas pela população em razão da pandemia exige união de esforços e proteção das instituições que compõem o nosso Estado Democrático de Direito. O contínuo e ruidoso atrito entre os Poderes da República somente gera insegurança institucional e dissemina sentimentos de temor à sociedade brasileira”, afirma.

A nota é finalizada com um apelo para que autoridades do país atuem para retomar a ordem jurídica e a preservação da harmonia no país

“A Ajufe reconhece a liderança do ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal, para atuar na defesa da ordem jurídica e do Poder Judiciário, bem como na preservação da harmonia e independência dos Poderes da República, e roga às demais autoridades que atuem para a retomada de um ambiente tranquilo e pacífico, no qual os limites impostos pela Constituição sejam respeitados”.

A associação que reúne juízes e desembargadores do trabalho também divulgou nota em apoio ao posicionamento do Supremo.

No documento, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho afirmou que as "graves ameaças e agressões proferidas" contra ministros da Corte "caracterizam preocupante crise institucional e desrespeito à Constituição e a independência dos Poderes da República".

"O Brasil já conviveu com períodos ditatoriais que comprometeram a liberdade de expressão, obstando o desenvolvimento e a manutenção de uma sociedade livre, justa e soberana, de modo que quaisquer investidas contra a democracia e a Constituição Federal devem ser repudiadas com veemência e forças necessárias, a fim de coibi-las definitivamente", diz o documento.

Ainda na nota, a associação lembrou que atentar contra o exercício de qualquer Poder da República, como o Poder Judiciário, é crime de responsabilidade.

"A relação harmônica entre os Poderes republicanos constitui alicerce primordial do Estado Democrático de Direito, que pressupõe o respeito ao papel institucional das autoridades neles investidas, inclusive quanto à urbanidade recíproca em palavras e atitudes. Atentar contra o livre exercício de qualquer Poder, especialmente o Poder Judiciário neste momento, consubstancia-se em conduta considerada constitucionalmente grave", completa.

Alto-Comando do Exército teme cópia de atos golpistas dos EUA

Mesmo sendo críticos da atuação de ministros do STF, integrantes do Alto-Comando do Exército manifestaram, em conversas reservadas, concordância com o gesto do presidente da corte, Luiz Fux, de interromper o diálogo com o presidente Jair Bolsonaro.

A relação entre os Poderes não passa pelas Forças Armadas. Mas o próprio presidente envolveu Exército, Aeronáutica e Marinha na crise, de forma direta, ao insinuar golpe e falar, recorrentemente, em "meu Exército".

A empreitada de Bolsonaro tem respaldo do ministro da Defesa, general da reserva Walter Braga Netto. As Forças estão vinculadas à pasta comandada pelo general, que defende voto impresso —mesmo sem existir qualquer relação do assunto com o ministério que comanda— e que ameaçou a CPI da Covid no Senado, por meio de uma nota subscrita pelos comandantes das três Forças.

Generais que integram o Alto-Comando do Exército têm uma visão crítica em relação à atuação de ministros do STF. Eles entendem que o tribunal avança nas esferas de atuação de Executivo e Legislativo.

A escalada da crise, porém, e o temor do que pode ocorrer em 2022, ano de eleição presidencial, explicam uma aceitação entre integrantes do Alto-Comando dos gestos concretos do Judiciário contra o presidente da República.

Em conversas reservadas, generais afirmam que a reação de Fux faz sentido, diante do reiterado comportamento de Bolsonaro, que deixa claro que não quer conversa, na visão desses militares.

O procedimento aberto pelo TSE, a inclusão do presidente como investigado no inquérito das fake news e o cancelamento da reunião entre chefes de Poderes —precedido de um discurso do presidente do STF em que diz que o presidente da República não tem palavra— podem fazer Bolsonaro "baixar a bola", conforme disseram integrantes do Alto-Comando do Exército.

Eles entendem, porém, que o efeito deve durar pouco. A crise deve se prolongar, com novos arroubos autoritários do presidente, que não segue a liturgia mínima do cargo que ocupa, na visão de generais da cúpula do Exército.

Esses mesmos generais afirmam inexistir a possibilidade de um golpe capitaneado por Bolsonaro e de uma consequente ruptura do processo democrático. Segundo eles, o simples exercício de imaginar o dia seguinte a um golpe mostraria a inviabilidade de uma iniciativa nesse sentido.

No Alto-Comando, existe um temor real de que se repitam no Brasil as cenas vistas nos Estados Unidos após a derrota do republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro, para o democrata Joe Biden.

Em 6 de janeiro, dia da sessão que confirmou a vitória de Biden, Trump insuflou apoiadores a invadirem o Congresso americano. A invasão chegou a interromper a sessão. Cinco pessoas morreram no ataque ao Capitólio.

Trump estimulou apoiadores radicais com o discurso de fraude nas eleições. É a mesma cartilha seguida por Bolsonaro, um ano e dois meses antes das eleições de 2022.

Nos EUA, as Forças Armadas não embarcaram na aventura golpista. No Brasil, o ministro da Defesa tem se mostrado alinhado à postura do presidente.

Integrantes do Alto-Comando do Exército dizem não enxergar risco de ruptura com suporte das Forças Armadas. Para esses generais, o risco está na atuação de policiais nos estados, em um cenário de eventual derrota de Bolsonaro nas urnas.

O presidente faz reiterados acenos a forças de segurança locais, e uma parcela expressiva de policiais civis e militares é bolsonarista.

STF e Câmara também temem que Bolsonaro envolva militares na crise

Ministros de Jair Bolsonaro (sem partido) e magistrados do STF e de outras cortes superiores também temem que o presidente estique a corda em sua disputa com o Judiciário até um impasse que acabe envolvendo os militares diretamente na cena política.

Em conversas reservadas, ministros como Ciro Nogueira, da Casa Civil, e o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pregam a necessidade de um acordo para evitar o agravamento da crise. Ele pode passar por mudanças mínimas nas urnas eletrônicas que amenizem o discurso do presidente, que tem espalhado fake news sobre fraudes eleitorais.

A mudança inesperada que Bolsonaro fez na Advocacia-Geral da União, retirando André Mendonça do cargo para colocar Bruno Bianco no lugar, acendeu o sinal amarelo.

Ela está sendo lida em alguns setores como um sinal de que o presidente pode efetivar sua mais recente ameaça, feita a assessores: a de descumprir decisões judiciais, algo até então inimaginável. Jamais um presidente descumpriu uma ordem da Justiça desde a redemocratização.

Mendonça não teria como estar à frente dessa disputa, já que tenta ter o nome aprovado pelo Senado para o Supremo Tribunal Federal. A ordem, agora, é que ele evite se envolver em confusões com o STF ou com parlamentares.

Já o novo AGU, que integrou a equipe de Paulo Guedes no Ministério da Economia, não teria esse problema.

Diante do descumprimento de uma decisão emanada do Judiciário, a alternativa seria intimar o presidente.

Caso ele se recuse a receber a intimação e siga sem cumprir a ordem, desmoralizaria a Justiça: poucas medidas poderiam ser tomadas contra o mandatário.

Se Bolsonaro fosse um cidadão normal, poderia até ser detido pelo crime de desobediência, que tem pena de 15 dias a seis meses de prisão, e multa. Mas, sendo presidente, ele sequer pode ser processado sem a autorização da Câmara dos Deputados.
De acordo com o artigo 86 da Constituição, o presidente do país não pode ser preso "enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns".

O impasse envolveria então os três poderes: o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, que teria que decidir entre autorizar um processo contra Bolsonaro ou desmoralizar o STF.

Auxiliares do próprio presidente têm manifestado o temor de que, diante desse cenário de radicalização e impasse, ele estimule os militares a atuarem mais diretamente, voltando a fazer manifestações políticas e ameaças indiretas contra a democracia para protegê-lo.

As Forças Armadas, até agora, se limitaram a manifestações, recuando alguns passos diante de reações do universo político, da imprensa e da sociedade civil. Com o apoio dos militares, Bolsonaro poderia levar adiante a sua ameaça de tentar impedir as eleições, levando o país a uma situação de caos institucional.

Manifesto que reuniu empresários diz basta às ameaças de Bolsonaro

O manifesto que conectou boa parte da elite da sociedade civil em defesa do sistema eleitoral brasileiro teve como objetivo claro dar um basta às constantes ameaças do presidente Jair Bolsonaro à democracia e seus pilares. Na visão dos próprios signatários, esta e outras conclusões podem ser tiradas da contundente mensagem: indica que, para além das diferenças políticas e disputas eleitorais, os segmentos sociais representados no texto estarão unidos quando os princípios constitucionais estiverem sob risco; além disso, a rápida adesão e o fato de pesos pesados dos ambientes empresarial e financeiro terem assinado o comunicado explicitam a perda de apoio de Bolsonaro em setores importantes.

Lançado na mesma semana em que o Judiciário deu respostas duras às declarações do presidente, o manifesto reuniu empresários, banqueiros, economistas, diplomatas, juristas e diversos outros representantes da sociedade civil. Conforme organizadores, após a publicação em jornais, até o fim da tarde de ontem mais de seis mil pessoas haviam apoiado o documento no site do movimento Eleição se Respeita.

“A democracia é um dos pilares fundamentais da sociedade brasileira. E a eleição é a base da nossa democracia; logo, ela precisa ser garantida. O direito ao voto é igualitário a toda a população e cabe à população fazer sua escolha, seja boa ou ruim. Me parece que a questão da eleição virou uma forma de tergiversação em relação aos problemas reais de nossa sociedade, que são o meio ambiente, a educação e as reformas estruturais, como a tributária e a política”, disse o presidente da Suzano, Walter Schalka. 

Em março, empresários e banqueiros já haviam aderido a uma carta que cobrava o governo federal por medidas efetivas de combate à pandemia. O manifesto pró-eleições e em defesa da Justiça Eleitoral, porém, representou uma mudança de postura, de acordo com Fábio Barbosa, ex-presidente do Santander e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban): “O sistema é confiável, e não há razão para duvidar da legitimidade das eleições que aconteceram. Vamos ficar quietos assistindo a isso aqui ou vamos participar e colocar nosso ponto de vista?”. 

O movimento começou com cerca de 30 pessoas ligadas ao Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e tomou corpo em 24 horas. “(O manifesto) tem um impacto por ser uma manifestação de empresários que normalmente não se manifestam e evitam entrar em discussões políticas”, avaliou Barbosa.

“O meio empresarial se omitiu durante muito tempo”, disse Schalka. “E isso é reflexo da forte presença do Estado da economia, que está ao redor de 40%. Então existe receio de falar, um medo de retaliação. Mas eu tomei a decisão de falar. Porque, quando nos calamos, ficamos mais expostos à situação de deterioração (do País).” 

“O Brasil é um País pródigo em regulações e legislações, e o empresariado pode ter muito trabalho se quem está no poder quiser perturbar. É compreensível a demora”, completou Hélio Mattar, presidente do Instituto Akatu de Consumo Consciente e um dos fundadores da rede de lanchonetes America. “À medida que o presidente faz um acordo com os outros poderes para reduzir os ataques institucionais e, poucas semanas depois, o desrespeita, os riscos à democracia crescem”, destacou Mattar. 

Para o presidente do Credit Suisse no Brasil, José Olympio Pereira, que também assinou o documento, constata-se a escalada de uma “crise institucional” , que pode minar ainda mais a imagem do País no exterior. “Estamos vendo ameaças ao estado democrático de direito. O que conquistamos de mais valioso enquanto nação é a nossa reputação de um país com instituições fortes, onde se pode investir, onde a regra do jogo é cumprida, onde não há instabilidade institucional”, afirmou. “Se colocarmos isso a risco, cai o prédio. Não podemos brincar com as fundações do prédio. Se você brinca com as fundações, você sabe o destino do prédio, desmorona.”

A piora do ambiente político tem consequências diretas na atividade econômica, alerta a executiva Maria Silvia Bastos Marques, que já presidiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicos e Social (BNDES) e atuou por anos no setor privado, incluindo o comando do banco americano Goldman Sachs no Brasil e da Icatu Seguros. “A economia é feita de expectativas. Se você tiver um cenário previsível, se tiver um ambiente de estabilidade, isso contribui muito para a tomada de decisões, para os investimentos de médio e longo prazos.” 

No Brasil, ao contrário, o ambiente tem sido de crescentes ruídos políticos, além da pandemia e de indicadores econômicos que estão piorando, como inflação e juros em alta. “Você tem vários elementos que não contribuem para um ambiente desejável para a tomada de decisão e para novos investimentos”, disse Maria Silvia, para quem a classe empresarial e de executivos do Brasil está ficando mais engajada. “Participo de alguns grupos de discussão do momento do País, do futuro do País e foi onde tomei conhecimento deste manifesto. Chega um momento que é muito importante se manifestar, falar.”

José Olympio entende que é preciso usar as energias para avançar uma agenda positiva. “Temos tanta coisa ainda a fazer, vamos acabar com a radicalização, com o confronto. “Houve avanços importantes na agenda nos últimos anos, como a reforma da Previdência, o marco do saneamento, e agora a privatização da Eletrobras começa a ganhar corpo, e a dos Correios entrou na agenda. Temos uma reforma administrativa que eu adoraria ver ser implementada.” 

Economistas como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga destacam a “diversidade” do manifesto. “Não há substituto para o engajamento das pessoas”, afirmou. “Temos hoje bem consolidado a ideia de que as democracias vão sendo comidas pelas beiras, e é importante que haja um posicionamento mais amplo possível.”

Sócio da Mauá Capital e ex-diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo aponta o sinal de “alerta” da sociedade civil. “Nossa democracia é forte”, disse. “Quando estava no poder, o PT tentou centralizar (com mecanismos para controlar) a imprensa e não conseguiu. O Congresso não aprovou”, disse Figueiredo. Na mesma linha, Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da FGV-SP avalia que o recado dado é claro: “A Justiça Eleitoral tem o total apoio dos democratas do País. Existe uma mobilização da sociedade para apoiar a estrutura do Estado que existe para punir abusadores. Se não fica parecendo aos eventuais oportunistas de plantão que o caminho está livre, e não está.”

Golpe de Bolsonaro levaria seus sócios no Congresso ao lixo da História

Bolsonaro levou uma chapoletada, por 23 a 11, na comissão especial que analisou a introdução do voto impresso nas eleições de 2022, como era previsto. Culpa o presidente do TSE pelo resultado, quando um dos grandes responsáveis foi o ministro da Defesa, general Braga Netto – que, com sua ameaça ao Congresso Nacional, enterrou a chance de aprovação na comissão.

Agora, os tutores do presidente na Câmara dos Deputados tentam provocar um tapetão e levar a matéria para ser analisada no plenário. Sob a justificativa de entregar alguma coisa para ele mostrar aos seus seguidores e cantar vitória, discutem um "meio termo" para acalmar os ânimos, informação trazida pela coluna Painel, da Folha de S.Paulo.

Como o presidente busca a aprovação do voto impresso não para ampliar a segurança das eleições, mas a fim de criar um elemento para tumultuar o país em caso de derrota, ou seja, em nome de uma tentativa de atacar as eleições de 2022, os tutores de Bolsonaro acabam trabalhando por um "meio golpe de Estado".

O contexto de caos tem sido produtivo para alguns. Enquanto o presidente ameaça embrulhar peixe com as páginas da Constituição, a Câmara aproveita para tocar boiadas ambientais, trabalhistas, eleitorais. Ou seja, Nero põe fogo e os representantes do povo atuam pela redução do patrimônio natural do país e da dignidade do trabalhador a cinzas. E, claro, para cruzar o Rubicão do bom senso com aberrações como o "distritão".

Avançar com uma Reforma Tributária parruda, com progressividade na cobrança de impostos sobre renda, que é bom, nada.

Se Jair Bolsonaro dedicasse o tempo que usa para minar a credibilidade do sistema eleitoral em medidas para desenvolver um projeto nacional a fim de reduzir os 14,8 milhões de desempregados, não precisaria se preocupar tanto em pavimentar um golpe de Estado em caso de derrota no ano que vem, pois sua popularidade seria maior. O que reforça que o único projeto que ele sabe tocar desde o primeiro dia no cargo é a sua permanência no poder.

O país não conta com um projeto nacional de geração de postos de trabalho, apenas como variações da malfadada "carteira verde e amarelo" – proposta que apresentou na eleição de 2018. Grosso modo, ela quer gerar empregos através da retirada de direitos. Uma reciclagem do conto do vigário da Reforma Trabalhista, de Michel Temer, que reduziu proteções à saúde e segurança dos trabalhadores, mas não teve impacto significativo na geração de vagas.

O que os líderes do centrão na Câmara querem é um Bolsonaro fraco o bastante para continuar sendo o seu poodle, mas que não se veja totalmente encurralado, sob o risco de se tornar incontrolável – o que seria péssimo para os negócios. Não apenas para o comércio de emendas e cargos, mas também para os toques de boiadas legais e infralegais. Então, buscam dar um pirulito para o menino Jair.

O problema é que a defesa da democracia não admite transigência. Qualquer concessão, neste momento, não é ser ponderado, mas oferecer apoio explícito ao comportamento golpista do presidente. Como forçar a barra na votação do voto impresso para que ele consiga o seu intento de cravar uma estaca no coração do processo eleitoral.

Acreditar que Bolsonaro ficará satisfeito pequenas concessões é ignorar todas as temporadas anteriores desta série de terror que somos obrigados a viver. O seu cotidiano é forçar as regras, de forma a esgarçar as instituições e avançar em seu intento. Com polícia, com milícia, com tudo.

Vale lembrar que ninguém aplica um golpe de Estado sozinho. A História tem um cantinho especial para os nomes daqueles que se omitiram, sendo sócios na empreitada. Pois "desembarcar" no dia D, na hora H será tarde demais.

Se ela vai registrar o nome de um procurador-geral da República, um presidente da Câmara dos Deputados e um presidente do Senado Federal daqui a alguns anos, depende só deles.

CONHEÇA AS SETE INVESTIGAÇÕES CONTRA BOLSONARO NO STF E NO TSE

Bolsonaro soma sete investigações abertas contra ele no TSE e no STF. Entre outros procedimentos no âmbito criminal e eleitoral, a insistência em acusações sem provas contra as urnas eletrônicas e ataques aos ministros do STF renderam os dois inquéritos mais recentes, abertos nesta semana, sendo um processo administrativo no TSE e a inclusão do chefe do Executivo no inquérito das fake news.

Apesar disso, todas as investigações abertas até aqui têm limitações jurídicas para que possam provocar efeito direto no mandato de Bolsonaro. No Supremo, mesmo que os inquéritos apontem condutas ilícitas, a abertura de uma denúncia criminal contra ele depende do procurador-geral da República, Augusto Aras, aliado do presidente. Já no TSE, as apurações na esfera eleitoral podem torná-lo inelegível por até oito anos.

Conheça os detalhes e o andamento as investigações em curso contra o presidente da República:

Criminal

Interferência indevida na PF

Inquérito foi aberto a pedido da PGR após o então ministro da Justiça Sergio Moro relatar, em seu pedido de demissão, tentativas de interferência na PF para obter informações sigilosas e barrar investigações contra aliados. Recentemente, o ministro Alexandre de Moraes determinou a retomada do caso.

Prevaricação

Inquérito apura se o presidente cometeu o crime de prevaricação ao tomar conhecimento de suspeitas de irregularidades no processo de compra da vacina Covaxin sem comunicar aos órgãos de investigação.

Fake News

Inquérito aberto de ofício pelo STF apura ataques ao Supremo. Bolsonaro foi incluído como investigado após ter disseminado notícias falsas sobre urnas eletrônicas e feito ataques aos ministros da corte.

Eleitoral

Corregedoria do TSE

Inquérito administrativo instaurado pela Corregedoria do TSE vai apurar eventuais ilícitos eleitorais cometidos por Bolsonaro em reiteradas declarações contra a confiabilidade do sistema eleitoral.

Disparos em massa

A ação questiona uma suposta contratação feita por empresas de serviços de disparos em massa, via WhatsApp, de mensagens contra o PT e a coligação O Povo Feliz de Novo.

Mais disparos

Foi ajuizada pela coligação O Povo Feliz de Novo e apresenta como fato a ser investigado a contratação de empresas para a prestação de serviço de disparos em massa pelo WhatsApp de mensagens de cunho eleitoral. Apura o uso fraudulento de nomes e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir disparos em massa. Ainda segundo a ação, haveria indício de um suposto uso de robôs nas redes sociais durante a campanha.

Mulheres

Duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral em análise pelo TSE apontam suposto abuso eleitoral. Os autores sustentam que, em setembro de 2018, o grupo virtual “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, sofreu ataques de hackers que alteraram o conteúdo da página para divulgar mensagens de apoio a Bolsonaro. Em maio, o TSE autorizou a quebra dos sigilos de usuários identificados como responsáveis pelo ataque hacker.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *