20/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Quem vai conter o cachorro doido?

Publicado em 05/08/2021 12:00 - Victor Barone

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Em privado, Bolsonaro voltou a namorar uma tese esdrúxula. Sustenta que as Forças Armadas têm a atribuição de "moderar" os conflitos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Alega que o artigo 142 da Constituição autoriza que, em caso de crise institucional, qualquer um dos três Poderes requisitem a atuação das Forças Armadas como "poder moderador", capaz de restaurar a "lei e a ordem."

A alucinação de Bolsonaro ressurge num instante em que o presidente fabrica uma crise com o Judiciário, ameaçando agir à margem da Constituição. Ele já havia manejado o mesmo espantalho militar na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que os palavrões prevaleceram sobre as ideias.

Nesse encontro, Bolsonaro declarou: "…Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né?, pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil."

Eis o que anota o texto constitucional no artigo 142: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

A ideia de que esse artigo concede legitimidade aos militares para moderar crises já foi refutada em despachos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal. Num, Luís Roberto Barroso tachou a interpretação de "terraplanismo constitucional." Noutro, Luiz Fux, atual presidente da Suprema Corte, anotou que "nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição."

Barroso se pronunciou no âmbito de ação na qual um cidadão pedia ao Supremo que dirimisse supostas dúvidas quanto ao papel constitucional dos militares. O ministro escreveu: "É simplesmente absurda a crença de que a Constituição legitima o descumprimento de decisões judiciais por determinação das Forças Armadas. Significa ignorar valores e princípios básicos da teoria constitucional. Algo assim como um terraplanismo constitucional".

Barroso realçou que só existiu poder moderador na experiência constitucional brasileira na Constituição de 1824. Era exercido pelo Imperador, que desfrutava de um poder hegemônico. Para o ministro, a democracia brasileira desenvolveu vacinas melhores para dissolver seus impasses: "Todas as crises institucionais experimentadas pelo país, ao longo dos governos democráticos anteriores, foram solucionadas sem rupturas constitucionais e com respeito ao papel de cada instituição – e não se pode afirmar que foram pouco relevantes."

Numa fase em que ainda não era tratado por Bolsonaro como desafeto, Barroso arrematou: "…A menos que se pretenda postular uma interpretação retrospectiva da Constituição de 1988 à luz da Constituição do Império, retroceder mais de 200 anos na história nacional e rejeitar a transição democrática, não há que se falar em poder moderador das Forças Armadas".

A manifestação de Fux foi provocada por petição protocolada no Supremo pelo PDT. No seu despacho, o agora presidente da Corte anotou: "A 'autoridade suprema' sobre as Forças Armadas conferida ao presidente da República correlaciona-se às balizas de hierarquia e de disciplina que informam a conduta militar. Entretanto, por óbvio, não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição."

Imaginou-se que a questão estivesse pacificada. Mas pacificação não é um vocábulo apreciado por Bolsonaro. A exemplo do que fizera no ano passado, o capitão afirma nos seus diálogos privados que "o Supremo não é o dono da verdade." Alega que o jurista Ives Gandra Martins também é adepto da tese que atribui poderes de moderação às Forças Armadas.

Por Josias de Souza

Em pouco mais de dois anos e meio de mandato, Bolsonaro demonstrou ao país que sabe criar crises. O envenenamento das relações entre o Planalto e o Judiciário potencializa a convicção de que o presidente não sabe desfazer as crises que fabrica. Pior: age como se acreditasse que a melhor maneira de superar uma crise é criando outra crise, de preferência maior. Bolsonaro conseguiu produzir a mais expressiva crise entre Poderes desde a redemocratização do Brasil, há 36 anos. Com atraso, o Judiciário passou a tratar o chefe do Executivo como uma ameaça à democracia, passível de punição.

Vinte e quatro dias depois de convidar Bolsonaro para uma reunião pacificadora entre os chefes dos três Poderes, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, cancelou o encontro. Num discurso em timbre de rompimento, Fux declarou que a pré-condição para o diálogo é "o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes." Disse que as "ofensas" e as "inverdades" de Bolsonaro sobre os ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes atingem o Supremo "por inteiro". Criticou a insistência com que Bolsonaro coloca "sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro."

Em mais uma evidência de que percorre a conjuntura a procura de encrenca, Bolsonaro reagiu à novidade chamando Fux de desinformado. "Deixar bem claro, ministro Fux: na minha palavra aqui não tem nenhum ataque ao Supremo Tribunal Federal, zero. Se o senhor não tiver alguém para te informar do que eu falo aqui, eu lamento", afirmou o presidente em sua live semanal, transmitida desde a biblioteca do Alvorada, um espaço que se converte em trincheira todas as noites de quinta-feira. Bolsonaro reiterou os conceitos desairosos em relação a Barroso e Moraes. Achincalhou novamente o sistema eleitoral.

Fux parece ter aprendido que o caso de Bolsonaro não é de tranquilizante, como supunha, mas de camisa de força. Chamou para uma conversa, ao meio-dia desta sexta-feira, o procurador-geral da República Augusto Aras. A reunião ocorrerá longe dos refletores, a portas fechadas. Mas não é difícil supor que o desejo do presidente do Supremo é o de conferir até onde Aras planeja deixar que o melado escorra, oferecendo blindagem a um presidente que merece processo. Pela Constituição, cabe ao chefe da Procuradoria converter em denúncia as provas que o Supremo colecionar contra Bolsonaro nos inquéritos que estrelados por ele.

Além de acordar o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral, as ameaças de Bolsonaro à democracia despertaram pedaços representativos da sociedade. Centenas de empresários, banqueiros, economistas e líderes religiosos subscrevem desde quarta-feira um manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro. A coisa começou em versão impressa e ganha adesões na internet. O texto realça o óbvio: o Brasil enfrenta uma crise sanitária, social e econômica de grandes proporções. Anota que o futuro mais próspero só será possível se for escorado na estabilidade democrática. Algo que depende da realização de eleições e da aceitação de seus resultados por todos os envolvidos.

O manifesto sustenta que a Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Declara que todos confiam na Justiça Eleitoral e no atual sistema de votação eletrônico. Nesse contexto, o silêncio dos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional soa como omissão. Mas o Congresso produziu duas manifestações que constrangem o senador Rodrigo Pacheco e o deputado Arthur Lira, presidentes do Senado e da Câmara. Numa, a cúpula da CPI que investiga a tragédia da Covid no Senado divulgou nota solidarizando-se com a reação de Fux.

Noutra manifestação, mais eloquente, a comissão especial que analisa na Câmara a mudança no sistema de votação brasileiro rejeitou o parecer que estabelecia o voto impresso. O placar foi constrangedor para Bolsonaro: 23 a 11 contra o parecer do deputado bolsonarista Filipe Barros. A proposta previa que no ato de votação seria obrigatória a emissão de um voto impresso. Mais: a apuração dos votos deveria ocorrer de forma manual na própria sessão eleitoral, com presença de público, antes de seguir para a totalização. Ironicamente, a votação em que os deputados impuseram a derrota a Bolsonaro foi eletrônica.

Por Josias de Souza

INSTITUCIONAL, MAS NEM TANTO

Um “colaborador eventual”, sem vínculo oficial, mas responsável pelas relações institucionais do Ministério da Saúde com parlamentares, estados e municípios. Por mais contraditório que pareça, foi assim que Airton Soligo, o “Airton Cascavel”, explicou sua atuação na Saúde em depoimento à CPI ontem.  O empresário, que depois do período de atuação informal foi nomeado assessor especial do Ministério, tem extenso currículo na vida pública de Roraima: já foi prefeito, deputado estadual e deputado federal. Ele participou de viagens com ministros e reuniões com gestores antes de ter qualquer cargo oficial no governo. 

Falando à CPI, buscou minimizar sua atuação no Ministério durante a pandemia e disse que era apenas um “facilitador”, usando sua experiência política para auxiliar a pasta loteada a militares a quem faltava o “traquejo” institucional. Como lembrou a Folha, não era exatamente assim que o viam secretários estaduais e municipais de saúde, que chegavam a chamá-lo de “ministro de fato” na gestão Pazuello. 

Como assessor especial, Cascavel esteve no Ministério entre junho de 2020 e março deste ano. Mas sua chegada à pasta coincide com a integração de Pazuello à Saúde, quando o general ainda era secretário-executivo na gestão de Nelson Teich. Quando pipocaram na imprensa reportagens dando conta de sua atuação informal junto à Pasta, Cascavel foi convidado por Teich para assumir o cargo de assessor especial. 

Mas nem deu tempo de oficializar o vínculo antes que a animada dança das cadeiras no Ministério substituísse o então ministro Teich por Pazuello. Coube, então, diretamente ao general e amigo pessoal de Cascavel refazer o convite e conduzi-lo ao cargo

Ainda no depoimento, Airton Cascavel confirmou que, mesmo sem cargo oficial, atuava como representante no Ministério e negociava politicamente com estados e municípios. No entanto, disse que a informalidade seria apenas uma espécie de problema técnico: por ser administrador de sua própria empresa, estaria impedido de assumir cargos públicos. A proibição, que longe de ser uma formalidade técnica, busca garantir os princípios da administração pública, parece não ter sido empecilho para que o empresário atuasse na prática como agente do primeiro escalão do governo. 

SEM SIGILO

Está mantida a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático de Pazuello, aprovada em julho pela CPI. Ontem, Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou o recurso da Advocacia Geral da União (AGU) que tentava reverter a medida. Representando Pazuello, a AGU argumentou que o general da ativa não teria praticado qualquer conduta ilícita e que o pedido se basearia unicamente no fato de ter ocupado o cargo de chefe da pasta. O órgão disse ainda que não haveria fundamento legal na quebra de sigilo, que representaria uma “devassa indiscriminada e violadora da dignidade e intimidade individual” do ex-ministro. 

Mas Lewandowski entendeu que a CPI justificou devidamente a medida e sustentou que ela pode ajudar nas investigações sobre ações e eventuais omissões do governo na pandemia. A quebra de sigilo, que incluirá dados fiscais, bancários e comunicações ocorridas desde 2018, foi apresentada na comissão pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e aprovada por maioria.  

MAIS CONFRONTO

Está declarado o choque entre a Polícia Federal e a CPI.  Após a PF anunciar a abertura de um inquérito para apurar supostos vazamentos de depoimentos sigilosos à comissão, os senadores reagiram. Ontem, a cúpula da CPI acusou o governo Bolsonaro de uso político da PF e pediu que Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, tomasse providências quanto ao que consideram intimidação aos trabalhos de investigação. 

A perspetiva agora é que a Advocacia do Senado ingresse com  habeas corpus para trancar o inquérito. Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI, pediu ontem explicações do ministro da Justiça, Anderson Torres, e do diretor-geral da PF, Paulo Maiurino. Já Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, foi contundente quanto ao tom persecutório do inquérito: “Isso equipara-se a transformar a honrosa Polícia Federal em polícia política”, disse.

Na quarta (4), os parlamentares questionaram o vídeo do depoimento de Eduardo Pazuello, enviado pela PF à comissão. A suspeita é de que trechos em que o general faz menção a Jair Bolsonaro e ao deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que afirma ter levado suspeitas de irregularidades ao presidente, tenham sido retirados. O que coloca dúvidas sobre todo o material que chegou segunda-feira à comissão – a pedido dos senadores. São oito depoimentos colhidos no âmbito de duas investigações em andamento: uma sobre suspeita de prevaricação de Bolsonaro e outra sobre a compra da vacina indiana Covaxin. 

Horas depois que o assunto surgiu na CPI, provocando confusão entre governistas e os outros membros da comissão, a PF anunciou a abertura do inquérito para apurar o suposto vazamento desses depoimentos sigilosos enviados à CPI. Na mesma nota, a corporação afirma que o alegado corte nos vídeos “ocorreu em razão do término das perguntas pela autoridade policial”.

Na opinião da cúpula da comissão, a investigação é um ataque à CPI – e dá mostras de que a PF pode estar atuando de acordo com os interesses do governo. 

“A PF não abriu inquérito no caso Precisa. Só abriu inquérito quatro meses depois, com a ocorrência desta CPI. A PF manda para cá depoimentos incompletos, com suspeita de edição. O senhor ministro da Justiça [Anderson Torres], no alvorecer desta CPI, dá uma entrevista intimidando os membros desta CPI, dizendo qual era a investigação que deveria ocorrer aqui, que tinha que investigar governadores, estados”, elencou o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues. “Isso equipara-se a transformar a honrosa PF em polícia política”, completou.

Para o presidente da CPI, Omar Aziz, o conteúdo dos vídeos já vinham saindo na imprensa antes de chegarem à comissão. “Não houve nenhuma tentativa da PF em tentar investigar quem estava vazando de dentro da Polícia Federal. O presidente desta Casa será comunicado pela CPI. Nós iremos tomar as providências. Nos entristece isso. Está muito difícil trabalhar”, disse.

A comissão pretende recorrer à Justiça para sustar o inquérito e avalia entrar com uma notícia-crime contra a direção da PF e o ministro da Justiça por tentativa de intimidação.

UM INSIGHT

O tenente-coronel Marcelo Blanco depôs na quarta (4) à CPI. O militar era um dos quatro participantes do fatídico jantar no Brasília Shopping, no qual Roberto Ferreira Dias teria pedido um dólar de propina por dose de vacina. Blanco tinha saído há pouco tempo do Ministério da Saúde, onde era chefiado por Dias. E aberto uma empresa para negociar vacinas. 

Na versão apresentada à comissão, ele vislumbrou em um policial militar de Minas Gerais um “possível parceiro” para a venda de imunizantes. E levou Luiz Paulo Dominghetti ao tal jantar – onde nada teria acontecido – depois de um “insight”. Ainda de acordo com Blanco, o intuito era negociar vacinas para a iniciativa privada – os senadores tiveram de lembrá-lo que, na época, a compra de imunizantes por empresas era ilegal. 

O militar afirmou que foi procurado pelos representantes da Davati, mas nega que tenha feito lobby ou intermediado a negociação da empresa com o Ministério da Saúde. Entre a exoneração de Blanco da pasta e o tal jantar com Dias se passou pouco mais de um mês. Senadores o desmentiram, mostrando cobranças da Davati em relação à negociação com o governo. 

NEM CHORO, NEM VELA

Imagine a seguinte situação: alguém envia um e-mail ao Ministério da Saúde. Na mensagem, solicita uma audiência no mesmo dia, para dali a quatro horas. O endereço eletrônico está errado, mas mesmo assim a pessoa vai até a pasta e é atendida por um de seus secretários mais importantes na pandemia. 

Pois esse alguém é Amilton Gomes de Paula, e essa situação aconteceu no dia 22 de fevereiro quando Arnaldo Medeiros (Vigilância em Saúde) o recebeu para tratar de “vacinas”. A título de comparação, a Pfizer ficou meses sem resposta, tendo 53 e-mails ignorados pelo governo.

O “reverendo”, contudo, negou à CPI que tivesse contatos no ministério ou no Palácio do Planalto para facilitar-lhe o acesso.  

Ao menos outros três encontros com autoridades dentro do ministério se seguiram – e o pano de fundo dessa história você já sabe qual é: a oferta de 400 milhões de doses da vacina comercializada apenas com ONU e governos pela farmacêutica AstraZeneca, feita por uma obscura empresa dos EUA chamada Davati e intermediada por estranhos mercadores, dentre eles um policial militar que acabou denunciando à imprensa que o negócio envolvia interesses outros: uma propina de 1 dólar supostamente pedida pelo então responsável pela compra de insumos no Ministério da Saúde, Roberto Dias. 

Foi Amilton Gomes de Paula quem encaminhou ao ministério a oferta da Davati. O valor por dose mudou de US$ 10 para US$ 11. Os senadores suspeitam que esse aumento está relacionado à propina.

Nas trocas de mensagens entre Gomes de Paula e o PM Dominguetti, o reverendo dava a entender que tinha contatos quentíssimos no governo. Sempre dando notícias sobre o desenrolar das negociações, afirmou que a primeira-dama tinha “entrado no circuito” e disse que esteve no dia 15 de março com “quem manda” – que seria o presidente Jair Bolsonaro.

Mas no depoimento à comissão, onde esteve o tempo todo orientado por um advogado, ele mudou de ideia e afirmou que tudo não passava de “bravata”. 

Mas o fato é que Amilton Gomes de Paula deve ter sido apontado como intermediador entre a Davati e o governo federal por alguma razão, certo? Fotos suas com o senador Flávio Bolsonaro e com a ministra Damares Alves não ajudaram a construir a imagem de alguém que caiu de paraquedas na Esplanada. À CPI, ele afirmou ter sido “usado” para facilitar o acesso da empresa ao ministério. Ora, só se usa quem tem utilidade… “Entendemos que fomos usados de forma odiosa para fins espúrios e que desconhecemos”, disse o reverendo.

O reverendo admitiu que, se o contrato fosse fechado, a Davati tinha prometido uma “doação” à Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), organização fundada por ele – e que, ao contrário do que o site diz, não tem conexões com a ONU ou a CNBB. Gomes de Paula também reconheceu que tem uma dívida ativa de quase R# 30 mil com a União.

O governo Bolsonaro não se esforçou para defender o reverendo: “Não sei se vossa senhoria foi enganada, ludibriada ou se é parte de uma tríade de golpistas”, disse o governista-mor Marcos Rogério (DEM-RO). Depois da fala, Gomes de Paula caiu em prantos, pediu perdão e disse estar arrependido.

“O senhor chorou e se arrependeu do quê?“, questionou o presidente da CPI, Omar Aziz. “De ter estado nessa operação das vacinas”, respondeu o reverendo.

“Amilton Gomes de Paula é um consultor que não sabe explicar como atua sua consultoria. Não sabe direito o telefone dela. Um pastor evangélico formado na Assembleia de Deus, representante da Igreja Batista e com o título de reverendo concedido pela Igreja da Unificação do sul coreano Sun Myung Moon, que admite mentir, mesmo diante de uma série de documentos que o contradigam. É também um empresário, que afirma atuar no ramo de projetos de resíduos sólidos, mas não demonstra um só trabalho que tenha concluído. É um missionário que se apresenta como representante de várias instituições, que nenhuma o reconhece como seu membro. Presidente de uma ONG registrada na área da educação e produção cinematográfica, mas que negocia vacinas. É um bolsonarista, que parece ter sido abandonado pelo governo Jair Bolsonaro, ainda que tenha se esquivado de responder quais são suas conexões com o Ministério da Saúde”, resume magistralmente Afonso Benites, no El País

UM TUÍTE

Uma postagem sobre vacinação contra a covid: isto é tudo o que o Ministério da Saúde escolheu impulsionar no Twitter ao longo de um período de 15 meses de pandemia. E o tuíte em questão não poderia ser mais genérico: “A vacinação contra a covid-19 continua. Lembre-se também de continuar com todos os cuidados, como lavar as mãos com água e sabão ou utilizar álcool em gel e, ao sair de casa, usar máscara. Se sentir sintomas, procure um médico”. 

O impulsionamento de posts nas redes sociais se dá através do pagamento para que atinjam mais pessoas. O tuíte sobre vacinas e covid-19 só foi impulsionado no dia 17 de março deste ano – depois que o presidente Jair Bolsonaro, há meses, vinha disseminando dúvidas em relação à eficácia e à segurança de imunizantes. 

Entre 1º de fevereiro de 2020 e 30 de abril deste ano, a pasta pagou para que 33 mensagens alcançassem um público maior no Twitter. Esses posts promoviam campanhas de vacinação também, mas contra outras doenças como gripe, sarampo, poliomielite e febre amarela.  Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela agência Fiquem Sabendo.

DESINFORMAÇÃO NA MIRA
 
A disseminação de notícias falsas também deve ganhar atenção da CPI. A ideia, segundo O Globo, é identificar agentes públicos que difundiram fake news durante a pandemia. Foram listados 26 parlamentares cujas postagens em redes sociais contém conteúdos de desinformação. 

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), no entanto, avalia que depoimentos nesse caso não serão necessários. Segundo ele, os próprios posts servem como provas contundentes e serão anexados ao relatório final das investigações. 

Mas não apenas os parlamentares serão investigados por difusão de notícias falsas. A CPI deve abrir outra linha de investigação para apurar a participação direta do governo, via Secretaria de Comunicação (Secom), no financiamento e estímulo à propagação de desinformação sobre a pandemia. O fio a ser seguido é o da quebra de sigilo fiscal da agência Artplan, contratada pela Secom. Há suspeitas de que esse contrato tenha sido usado para financiar influenciadores digitais que disseminaram conteúdos falsos. Os dados, no entanto, mostram que a verba paga pelo governo federal à agência foi redistribuída a duas empresas subsidiárias da Artplan. A CPI pretende, agora, pedir a quebra de sigilo das subsidiárias para descobrir quem recebeu – e como empregou – a verba pública.

Também suspeita de disseminar informações falsas, a rádio Jovem Pan entrou na mira da CPI. No entanto, após a sinalização de que a comissão discutiria hoje o pedido de quebra de sigilo bancário da rádio, representantes da mídia comercial reagiram. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) rapidamente emitiu nota de repúdio, argumentando que “qualquer tentativa de intimidação ao trabalho da imprensa é uma afronta à liberdade de expressão, direito garantido pela Constituição Brasileira”. O pedido de quebra de sigilo foi apresentado por Renan Calheiros. 

Por Outra Saúde

EMBUSTEIRO

Um embuste de Bolsonaro para atrair fãs aos atos em prol do voto impresso e do golpe de Estado é de que há um complô para eleger Lula. Embuste porque o próprio Jair é cabo eleitoral do petista ao realizar um governo com perda de milhões de empregos e centenas de milhares de vidas

ANALFA

O presidente Jair Bolsonaro virou meme mais uma vez nas redes após tentar seguidas vezes pronunciar a palavra “firewall” durante sua live de quinta-feira (5). Mesmo após ensinado por várias pessoas que estavam presentes, Bolsonaro anda errou a pronuncia. “A manutenção faz solucionar travamentos dos freuais? Friuol? Friuaili?” Neste momento é corrigido e repete, assertivo: “Faireualis!” Ao tropeçar na pronuncia da palavra, Bolsonaro estava mais uma vez tentando provar as razões de sua renhida defesa a favor do voto impresso e auditável. Firewall é uma barreira de proteção que ajuda a bloquear o acesso de conteúdo malicioso, mas sem impedir que os dados que precisam transitar continuem fluindo. Em inglês, “firewall” é o nome daquelas portas antichamas usadas nas passagens para as escadarias em prédios.

 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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