20/04/2024 - Edição 540

Entrevista

A expectativa é que tenhamos de 40 a 50% de aumento real na energia elétrica

Publicado em 06/02/2015 12:00 -

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A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou na terça-feira (3) os primeiros reajustes de contas de luz de 2015, que começam a sofrer impacto do repasse dos empréstimos bancários bilionários feitos pelo governo no ano passado para socorrer as distribuidoras. A alta nas tarifas supera, em alguns casos, os 40%. É apenas o começo, há ainda outros dois aumentos programados que podem elevar a conta para 50 a 60%.  Há três motivos elencados para estes aumentos astronômicos. O primeiro é a existência de uma dívida de 50 bilhões dos consumidores para com as distribuidoras de energia. O segundo é político. A dívida não é nova e teria sido escondida pelo governo federal que, no ano passado, ao invés de reajustar, financiou uma redução na tarifa de energia, aumentando ainda mais a dívida. Finalmente, a falta de sinalização do Governo Federal para que os consumidores compreendessem a situação energética e economizassem no consumo. Além dos aumentos astronômicos na tarifa, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico elevou na última quarta-feira (4), o risco de déficit de energia no Sudeste/Centro-Oeste para 7,3%. Para falar desta crise entrevistamos a presidente do Conselho de Consumidores da Área de Concessão da Enersul/Energisa (Concen) e secretária-geral do Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica (Conacen), a advogada Rosimeire Cecília da Costa, que desde 2007 se dedica a pesquisa sobre o setor elétrico.

 

Por Victor Barone

Os programas sociais que barateiam a energia elétrica para famílias de baixa renda e levam a rede elétrica para zonas rurais estão entre os usos dos recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um dos grandes vilões da série de reajustes na energia elétrica que teve início nesta semana.

A CDE foi criada pelo Governo Federal para subsidiar as novas energias a fim de que não ficássemos tão dependentes da água. Ao longo dos problemas que foram ocorrendo nos setor desde 2012 usou-se esta conta para cobrir outras questões, como o projeto Luz para Todos, a Tarifa Social, os combustíveis utilizados nos sistemas isolados além de uma série de outros encargos do setor elétrico.  

A CDE também foi usada para socorrer as concessionárias em 2014.

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica autorizou um financiamento de R$ 17,8 bilhões para as concessionárias. A perspectiva do Governo era de que a umidade fosse razoável no ano passado. O que não ocorreu. Como resultado, estes R$ 17,8 bilhões não foram suficientes para fechar a conta. Deu para pagar a compra de energia apenas até outubro de 2014. Ficamos em aberto desde novembro passado, gerando um impacto de R$ 3 bilhões. Este valor é o que nós vamos pagar por meio da revisão extraordinária definida hoje (dia 6 de fevereiro) pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Um aumento de R$ 2 a cada 100 kilowatt-hora (kWh) consumidos.

Sim. A Aneel aprovou preliminarmente o aumento de 83% para a bandeira tarifária vermelha, que passa de R$ 3,5 a cada 100 kilowatt-hora consumidos para R$ 5,50 pela mesma quantidade utilizada. As chamadas "bandeiras tarifárias" tornam possível o ajuste mensal do preço da energia elétrica, conforme elevação de gastos do setor. A proposta da agência é de que a nova fórmula comece a valer a partir de 1º de março. Antes disso, porém, o processo será submetido a um período de audiência pública entre 9 e 20 de fevereiro.

Até onde vai esta cascata de aumentos?

Em janeiro começamos a pagar a tarifa vermelha. Ela, custando R$ 3,5, geraria um impacto de 8,5% na conta. No dia 13, homologando a CDE, somamos 20%, chegando a 28,5%. A partir de março, estes R$ 3,5 pulam para R$ 5,50 e teremos um impacto de quase 40% na conta. E não para aí. Vamos passar por um segundo momento depois da revisão extraordinária. Temos o reajuste das concessionárias. A nossa data é 8 de abril. Pode ser que nesta data tenhamos mais uma correção de índice. A expectativa é de que cheguemos a algo em torno de 40 a 50% de aumento real.

E nós ainda não falamos de imposto. Isso é só o valor do kilowatt-hora.

Exato. Em cima da energia consumida vamos aplicar PIS/COFINS, ICMS e Contribuição Pública. Nossa conta não vai ser fácil. Infelizmente.

Tem sido dito que entre os motivos elencados para estes aumentos astronômicos está a existência de uma dívida de 50 bilhões dos consumidores para com as distribuidoras de energia, além de um fator político: a dívida teria sido escondida pelo Governo Federal que, no ano passado, ao invés de reajustar, financiou uma redução na tarifa de energia, aumentando ainda mais a dívida. Procede?

É verdade. Estamos trabalhando com o legado de fevereiro de 2012, quando a presidente Dilma apresentou a Medida Provisória 759, que foi aprovada no Congresso e virou Lei. O vértice dela era o seguinte: eu preciso dar um sinal para o setor sobre o que vai acontecer em relação à renovação das concessões de geração de energia elétrica, que venceriam este ano. A presidente propôs antecipar o vencimento, indenizar as concessionárias e realizar um novo acordo. As concessionárias de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, todas ligadas a governos do PSDB, não aceitaram. As três são responsáveis pela geração de 5 mil megawatt. Tivemos a crise hídrica e, ao invés de despachar energia barata, passou-se a despachar energia muito cara. Em 2013 a previsão era de que gastaríamos em torno de R$ 170 a R$ 175 reais pelo megawatt de energia. Inauguramos 2014 pagando R$ 822 o megawatt. Esta diferença é que gerou este rombo.

Não se pode brincar com o setor elétrico. Ninguém vive mais sem energia.

Temos o Governo Federal, que precisa regular o setor. Temos a distribuidora, que compra a energia e a repassa à população. Temos a população, que consome e paga por esta energia. Finalmente, temos o fator natureza: pouca chuva é igual a energia mais cara. Onde está o furo nesta cadeia? O que está errado? De quem é a culpa?

Das decisões tomadas no setor. A própria MP 759 foi um erro. Se não tivéssemos esta conjuntura de crise hídrica o plano teria dado certo. De qualquer forma, as concessões voltariam para o governo, seriam leiloadas novamente e os 5 mil megawatts seriam recompostos. Mas, não choveu.

Foi uma aposta.

Aí é que está o problema. Não se pode brincar com o setor elétrico. Ninguém vive mais sem energia.

Faltou também esclarecimento à população?

Sim, a decisão do governo de não dar o sinal à população foi outro equívoco. Você tinha uma resolução pronta, todos os Conselhos do país conversando com suas comunidades, explicando o que era a bandeira tarifária. Em 2014 o Ministério de Minas e Energia resolve que não vai haver bandeira tarifária, só em 2015. O indicativo que se deu à população foi o seguinte: o governo tem energia e o consumidor pode gastar.

Uma decisão política.

Sim.

Qual a parcela de culpa das distribuidoras neste processo?

Na verdade elas são nosso maior aliado. Elas estão desesperadas. A partir do momento que o leiturista passa na sua casa e emite a sua fatura, com PIS-CONFINS, ICMS e Contribuição de Iluminação Pública embutidas, a empresa tem três dias para repassar este valor para o governo, tendo o consumidor pago a fatura ou não.

Para completar, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico elevou na quarta-feira (4 de fevereiro) o risco de déficit de energia no Sudeste/Centro-Oeste para 7,3%, ante 4,9% na reunião de janeiro. Podemos ter apagão? Racionamento?

É um risco.

O que resta ao consumidor?

Usar racionalmente a energia. O consumidor precisa adotar boas práticas, como acumular roupa para passar, usar ar condicionado com parcimônia, tirar das tomadas tudo o que não está sendo usado, organizar o seu consumo. Para o setor comercial e industrial é preciso encontrar saídas, uma delas é ter gerador próprio.

O indicativo que se deu à população foi de que o governo tinha energia e que o consumidor podia gastar.

E as placas fotovoltaicas?

Estamos conversando desde 2008 sobre esta alternativa. É uma possibilidade muito interessante de gerar energia na própria residência. A Alemanha desligou quatro usinas nucleares investindo nesta opção. Nosso problema é que custa cerca de R$ 18 mil. Estamos em conversa com a Caixa Econômica Federal (CEF) para a abertura de linhas de crédito para isso. O retorno do investimento é em torno de 10 anos. A ANEEL diz que se você tiver uma unidade produtora em sua residência pode compensar a energia que você utiliza abatendo na conta de luz. Se tiver sobra, você joga na rede. Se você tiver outros dois logradouros em seu nome, pode jogar a sobra para lá. Por exemplo, se você produz 400 kilowatts nas células fotovoltaicas e consumiu só 250, você pode usar esta sobra de 150 para os outros dois logradouros.

Boa parte da conta de luz é composta por impostos embutidos. Como ficaria esta questão para quem optasse por instalar as placas?

Em Minas Gerais o governo isentou o ICMS sobre a energia elétrica por cinco anos para o consumidor que instalar as placas. É um incentivo, mas ainda é pouco. Em Mato Grosso do Sul não temos este tipo de legislação ainda.

Hoje, em Mato Grosso do Sul, se você investisse R$ 18 mil para dotar sua residência de placas fotovoltaicas, ainda assim pagaria o imposto sobre o consumo?

Exato. Pagaria os impostos sobre o valor de killowatt efetivamente consumido, que hoje, em Mato Grosso do Sul, seria algo em torno de 45% do valor do consumo.

O que falta para baratear este produto?

As melhores placas vêm dos Estados Unidos e da China. Não temos produção ainda no Brasil. O Governo Federal está tentando fazer estes acordos para que estas empresas venham para o Brasil, mas que deixem aqui a tecnologia. Não adianta vir produzir aqui, com nosso material, nossa mão de obra mais barata e não repassara tecnologia.


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