19/04/2024 - Edição 540

Poder

Encontro de Bolsonaro com líder da extrema-direita alemã é o retrato de um governo pária

Publicado em 30/07/2021 12:00 -

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Jair Bolsonaro reuniu-se com a deputada Beatrix von Storch, vice-líder do Alternativa para a Alemanha, partido de extrema direita apoiado pelos neonazistas. O encontro, que não chega a ser uma surpresa dado o histórico do presidente, serviu para excitar seguidores de ambos os lados do Atlântico. E irritar a comunidade judaica brasileira.

Von Storch é neta de um dos ministros de Hitler. Pode-se argumentar que isso diz pouco porque não escolhemos a nossa família, mas no caso dela a justificativa não se aplica. Ela é conhecida por declarações xenófobas, intolerantes e racistas dadas ao longo de sua carreira política, assim como Bolsonaro.

E, assim como ele, Beatrix deseja que políticos ultraconservadores do mundo se unam para fortalecer a opressão sobre os grupos minoritários em direitos.

A diferença é que a agência de inteligência do governo alemão considerou que o Alternativa para a Alemanha é uma ameaça potencial à ordem democrática. Já o governo Bolsonaro tem realizado todo o seu potencial, sistematicamente agindo para erodir nossa democracia.

Como domina o poder federal, coisa que o Alternativa ainda está longe de fazer, o presidente brasileiro tem sequestrado instituições de monitoramento e controle, como a Procuradoria-Geral da República. E alugado os serviços daqueles que não se dobram, como o centrão no Congresso Nacional. E, com a tranquilidade que isso traz, passa o tempo insinuado que irá baixar um golpe de Estado caso as eleições não sejam do jeito que ele quer no ano que vem.

Isso sem contar que o seu Ministério da Justiça fez dossiês contra policiais e professores contrários ao fascismo. Ou seja, a Alemanha coloca em monitoramento quem passa pano para o nazismo. Aqui coloca em monitoramento quem critica o fascismo.

É interessante que Bolsonaro, que vive abrindo a boca para dizer que é amigo de Israel e dos judeus, abraça – literalmente – representantes do partido cujos lideres minimizam o Holocausto, tem o apoio de neonazistas e passam pano para Hitler. Pior, com a neta de um dos ministros do fuhrer, que provou não ter se distanciado do caminho do avô.

A imagem está repercutindo muito mal na comunidade judaica brasileira – e não apenas nas listas dos grupos mais progressistas.

O encontro de von Storch com os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) já haviam sido criticados pelo Museu do Holocausto e pela Confederação Israelita do Brasil.

Mensagem que anima os grupos sombrios do bolsonarismo

A foto, que circula em grupos bolsonaristas mais radicais, é vista como um afago à parcela de seus seguidores que compartilha valores como o ódio a imigrantes, a negros, a judeus, a muçulmanos, à população LGBTQIA+.

"Em um momento em que a esquerda está promovendo sua ideologia por meio de suas redes e organizações internacionais em nível global, nós conservadores devemos nos unir mais e defender nossos valores conservadores em nível internacional", afirmou Beatrix von Storch no Instagram nesta segunda (26). O encontro ocorreu na semana passada, mas foi divulgado apenas hoje. A mensagem é claramente distorcida, pois ela confunde o conservadorismo com ódio e preconceito.

O Alternativa para a Alemanha estava crescendo rápido, tendência interrompida pela pandemia. Assim como Bolsonaro, eles empunharam a bandeira do negacionismo, o que os levou a conseguir adeptos no início da crise. Mas com o agravamento da situação sanitária, também perderam apoios. Isso somado às brigas internas, fazem com que estejam em uma posição de estagnação.

Um encontro como esse funciona como uma troca de apoios. Mesmo que seja criticado pela maioria das pessoas com espírito democrático nos dois países, no mundo de ambos, a exibição de interesses e alianças mútuos de governos que estão lutando contra a "repressão do isolamento social", funciona para passar a ideia de que não estão sozinho e para o fortalecimento de suas posições. Sem esquecer a cortininha de fumaça básica diante do caos que rege o país.

Ressalte-se, contudo, que a extrema direita alemã não morre de amores por Bolsonaro. Afinal, homem branco brasileiro, por lá, não é branco, mas latino. E a política de terra arrasada contra Amazônia chocou até quem não acredita em mudanças climáticas.

Instituições judaicas criticam encontro

Instituições judaicas no Brasil criticaram o encontro do presidente Jair Bolsonaro com a deputada da ultradireita alemã Beatrix von Storch.

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) lamentou a recepção dada à deputada da AfD em Brasília. "Trata-se de partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto. O Brasil é um país diverso, pluralista, que tem tradição de acolhimento a imigrantes."

Outra entidade, o Instituto Brasil Israel (IBI), afirmou que a AfD tem características xenófobas e supremacistas e que a viagem mostra que a AfD apenas busca, de forma desesperada, legitimação internacional.

"O fato de Beatrix von Storch se ausentar da Alemanha quando se contam as vítimas das enchentes e viajar por um país isolado internacionalmente a esta altura, como o Brasil, mostra a irrelevância de seu partido e a busca desesperada por qualquer legitimação internacional. Ao contrário de uma união dos conservadores do mundo para defender os valores cristãos e a família, como sugeriu Bia Kicis, esses encontros estão mais para união de políticos de extrema direita irrelevantes no cenário global: um abraço de náufragos", afirma a nota assinada pelo coordenador-executivo do IBI, Rafael Kruchin.

Já o grupo Judeus pela Democracia se declarou chocado com o encontro do presidente com a líder de um partido que chamou de "extrema direita, xenófobo e nazista". "O presidente do Brasil, seu filho e a presidente da CCJ encontrarem uma deputada líder do partido de extrema direita, xenófobo e nazista é algo que nos assusta, não apenas como judeus, mas também como brasileiros."

"Pela terceira vez em dias a VP do partido de extrema direita alemão aparece com governistas brasileiros: presidente da CCJ, filho do presidente e agora o PRESIDENTE DO BRASIL posam sorrindo e citando semelhanças com o partido xenófobo alemão. Sem rodeios: nazistas", afirmou o Judeus pela Democracia em sua conta no Twitter.

Já na semana passada o Museu do Holocausto de Curitiba havia expressado preocupação e inquietude com os encontros da parlamentar alemã com autoridades brasileiras. "A Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha) é um partido político alemão de extrema direita, fundado em 2013, com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e forte discurso anti-imigração", afirmou o museu.

Bolsonaro defende encontro com deputada alemã de ultradireita

Apesar das reações, o presidente Jair Bolsonaro defendeu na quinta-feira (29) seu encontro fora da agenda com a deputada alemã. Ao comentar o encontro com sua claque de apoiadores em frente ao Alvorada, Bolsonaro afirmou que Von Storch foi "eleita democraticamente" na Alemanha e que ele não tem condições de "ver a ficha" das pessoas que são recebidas no Planalto.

"Eu não posso receber essa deputada? Foi eleita democraticamente na Alemanha. Se eu for ver a ficha de cada um para ser atendido…Primeiro, vou demorar horas para atender", disse Bolsonaro

Bolsonaro também minimizou o passado sombrio da família de Von Storch. Membro de uma família antiga de origem nobre, Beatrix von Storch, de 50 anos, é, pelo lado materno, neta de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que serviu como ministro das Finanças da ditadura de Adolf Hitler por mais de 12 anos. Ele seria mais tarde julgado e condenado pelo Tribunal de Nurembergue por crimes de guerra.

Bolsonaro mencionou a família de Von Storch e dsse que "não pode ligar um pai a um filho". "Vai que a deputada alemã é neta de um ex-ministro do Hitler. Me arrebentaram na imprensa. Acho que a gente não pode ligar um pai a um filho, muitas vezes, um fez uma coisa errada", disse Bolsonaro.

No entanto, o passado da família de Von Storch vem sendo destacado por causa das posições da deputada. Críticos da parlamentar, inclusive na Alemanha, costumam apontar que ela não parece ter aprendido nada com a experiência do seu infame avô.

Em 2016, por exemplo, Von Storch manifestou aprovação à mensagem de um usuário do Facebook que havia perguntado se guardas de fronteira deveriam atirar em refugiados que chegassem ao país, inclusive mulheres com crianças.

Em janeiro de 2018, ela voltou a causar controvérsia ao reclamar publicamente de tuítes da Polícia de Colônia que desejavam feliz ano novo em várias línguas, inclusive o árabe. "O que diabos está acontecendo neste país? Por que um site oficial da polícia da Renânia do Norte-Vestfália [estado em que fica Colônia] tuíta em árabe. Eles pretendem apaziguar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores em massa dessa maneira?", escreveu na ocasião. A rede social apagou a mensagem por violação das suas regras de conduta e Von Storch chegou a ser alvo de uma investigação policial.

A AfD e o nazismo

Dentro da AfD, a deputada costuma ser apontada como membro da ala "cristã ultraconservadora". Em 2014, quando os ultradireitistas tomaram o partido – que era inicialmente uma mera legenda eurocética light -, ela afirmou que via a sigla como um veículo para "uma visão cristã da humanidade". Na imprensa alemã, Von Storch costuma ser classificada como "reacionária", "arquiconservadora" e "cristã radical".

Já seu partido, a AfD, se tornou nos últimos anos um guarda-chuva para diferentes grupos ultranacionalistas e de ultradireita da Alemanha. Muitos membros também são acusados regularmente de nutrir simpatias pelo nazismo e de minimizar os crimes cometidos pelo Terceiro Reich e são criticados por declarações abertamente racistas

Em 2020, por exemplo, um ex-porta-voz da sigla causou indignação ao ser gravado afirmando que se "orgulhava de sua ascendência ariana" e se descrevendo como "um fascista". Meses depois, ele foi novamente gravado sugerindo que imigrantes deveriam "ser mortos com gás".

Em 2020, uma ala radical da AfD conhecida como "Der Flügel", acusada de estar repleta de nazistas, tornou-se objeto especial de vigilância pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV, o serviço secreto interno da Alemanha).

À época, a ala ganhou destaque após o atentado racista de Hanau, que deixou dez mortos. O autor do ataque, embora não oficialmente ligado à AfD, deixou um manifesto que encampava ideias propagadas por essa ala. O partido acabou sendo acusado de insuflar o ódio e estimular atentados. A ala Der Flügel foi oficialmente dissolvida em 2020, mas seus ex-membros ainda exercem influência decisiva sobre o partido, que recentemente adotou uma agenda eleitoral com elementos negacionistas da pandemia.

No início de 2021, foi revelado pela imprensa alemã que o BfV havia passado a monitorar toda a AfD por suspeita de extremismo. No entanto, em março, tribunais ordenaram a suspensão da vigilância, apontando que ela feria o princípio de igualdade de oportunidades para os partidos que vão disputar as eleições federais em setembro.

O Museu do Holocausto, em Curitiba, que criticou os encontros da deputada alemã com autoridades brasileiras, classificou a AfD como "um partido de extrema direita com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e com um forte discurso anti-imigração".

Um encontro de personagens isolados

A reunião de Von Storch com Bolsonaro se tornou pública por iniciativa da própria deputada, que enviou para a imprensa alemã uma fotografia do encontro. Mais tarde, ela também publicou mais imagens da reunião em suas redes sociais. Bolsonaro aparece sorrindo e abraçando Von Storch e o marido da parlamentar, Sven, membro de uma família alemã que se fixou no Chile após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial e que dirige junto com sua mulher vários coletivos e lobbies ultraconservadores na Alemanha, que promovem ideias antimigratórias e "valores cristãos" e se opõem ao casamento gay.

Em uma mensagem divulgada com uma das fotos, Beatrix von Storch afirmou que seu partido quer "fortalecer suas conexões e defender nossos valores cristãos e conservadores em nível internacional". "Em um momento em que a esquerda está promovendo sua ideologia por meio de suas redes e organizações internacionais em nível global, nós, conservadores, devemos formar uma rede mais estreita e defender nossos valores conservadores em nível internacional."

Antes de se encontrar com Jair Bolsonaro, o casal Von Storch também teve reuniões com um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a deputada de extrema direita Bia Kicis (PSL-DF). Após as críticas pela sua recepção a Von Storch, Kicis defendeu a reunião afirmando que "nada desabona a conduta" da parlamentar alemã e disse que as críticas eram resultados de uma "narrativa contra conservadores aqui e no mundo."

Normalmente, governos estrangeiros evitam receber deputados da AfD. Dessa forma, parlamentares da sigla costumam viajar para países que têm governos tão isolados no cenário internacional quanto o partido.

Deputados da AfD já causaram controvérsia ao serem recebidos pelo regime do ditador sírio Bashar al-Assad, e pelos governos do líder de Belarus, Alexander Lukashenko, e do presidente russo Vladimir Putin. Uma delegação da AfD também visitou em 2020 a Crimeia, região da Ucrânia anexada pela Rússia.

Outras conexões da AfD com o bolsonarismo

A visita de Beatrix von Storch ao presidente Bolsonaro e aos deputados Eduardo  Bolsonaro e Bia Kicis não é a única conexão recente entre membros da AfD e a cena bolsonarista/ultraconservadora brasileira.

Em 2018, na ocasião da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, a conta no Twitter da bancada da AfD no Bundestag reproduziu uma mensagem do deputado Petr Bystron felicitando Bolsonaro pela vitória.

"Jair Bolsonaro é um conservador franco que vem trabalhando para combater a corrupção de esquerda e restaurar a segurança e prosperidade para o seu povo", disse em nota o deputado. "Como ocorre com a AfD, ele foi inimizado por todos os lados por ser um outsider que desafiou o sistema", completou Bystron.

Em março de 2021, o deputado da AfD Waldemar Herdt viajou a São Paulo para visitar o Templo de Salomão e se encontrar com pastores da Igreja Universal do Reino de Deus. Nascido no Cazaquistão, Herdt faz parte da minoria alemã-russa que foi deportada pelo regime soviético para a Ásia Central durante a ditadura de Josef Stalin. Quase todos os membros desse grupo migraram para a Alemanha nos anos 1990, após o fim do comunismo. Dentro da AfD, Herdt é um dos representantes da ala cristã ultraconservadora, a mesma de Von Storch.


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