25/04/2024 - Edição 540

Poder

ONU denuncia ‘escalada de violência’ contra indígenas nos anos Bolsonaro

Publicado em 30/07/2021 12:00 -

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Numa carta assinada por oito relatores especiais da ONU, o governo de Jair Bolsonaro é cobrado a dar respostas sobre o que tem feito para proteger as populações indígenas diante do que seria uma "escalada de violência" contra os povos Yanomami e Munduruku.

O documento foi encaminhado ao Itamaraty no dia 28 de maio, mas apenas nesta semana seu conteúdo se tornou público. Nele, os especialistas alertam para a existência de uma preocupação internacional sobre o que "aparenta ser violações de normas e padrões internacionais".

A carta cita ataques contra a Associação de Mulheres Wakoborun, a contaminação pelo mercúrio de terras indígenas e o projeto de lei 191/2020, que regulariza a mineração nas reservas.

A decisão de enviar uma carta conjunta entre um número elevado de relatores da ONU revela a dimensão da preocupação que hoje o Brasil gera na comunidade internacional. No sistema eletrônico da organização, não consta qualquer resposta por parte da diplomacia brasileira.

"As alegações aparentam ser, prima facie, violações de normas e padrões internacionais de direitos humanos", dizem os oito relatores que assinam a denúncia. Entre as leis violadas estaria ao do direito à vida.

Na carta, os relatores pedem que o governo explique o que tem feito para evitar essa violência e os ataques contra indígenas. Além disso, pedem para que as autoridades expliquem como têm lutado contra o garimpo. Brasília também é cobrada sobre a ação do governo para lidar com o desmatamento, a covid-19 em terras indígenas e saúde da população local.

Ataques

Um dos casos destacados é do garimpo na bacia do Tapajós, no Pará. De acordo com a carta, o Ministério Público Federal foi alertado sobre invasões por conta da exploração de ouro e o potencial confronto entre indígenas e a mineração ilegal. "Mas nenhuma proteção efetiva foi garantida até hoje",escreveram.

A carta indica como os grupos indígenas têm se organizado de maneira própria para se defender da invasão de garimpeiros, inclusive criando patrulhas, destruindo pontes construídas por invasores e removendo do local máquinas usadas pelo garimpo.

Segundo eles, porém, esse grupo enfrenta "ameaças e intimidação". Diversos incidentes são relatados no documento, entre eles a ação de homens armados que impediram que indígenas desembarcassem de seus barcos em seus próprios territórios.

Das 3,7 mil minas de ouro abertas na região do Tapajós desde 2014, um quarto ocorre em áreas protegidas onde a mineração é proibida pela Constituição. Só nas terras do povo Munduruku, são 422 minas ilegais. Mas, entre 2017 e 2019, houve um aumento de 239% no garimpo ilegal em sua região.

Nesse período, segundo os relatores, apenas uma ação da polícia contra a mineração ilegal foi realizada, em maio de 2018.

O documento também aponta como, em junho de 2020, procuradores recomendaram a ação da Polícia Federal. Mas o monitoramento, dois meses depois, teria sido interrompido pelo Ministério da Defesa.

Outro ataque destacado na carta ocorreu contra a Associação de Mulheres, em março de 2021. Garimpeiros invadiram o local e colocaram fogo em documentos e escritórios da entidade. A Associação, segundo os relatores, tem sido ativa no monitoramento das invasões de terras indígenas. Ataques e roubos ainda se repetiram contra a associação nos meses seguintes, além de ameaças de morte.

O documento ainda denuncia como as atividades ilegais dos garimpeiros ainda contaminam com mercúrio os rios locais e afeta a sobrevivência de comunidades. No território Sawré Muybu, testes realizados em três aldeias apontaram que 58% da população apresentava níveis inaceitáveis de mercúrio no sangue.

Yanomami sob ameaça

Uma situação similar é denunciada pelos relatores envolvendo os ataques contra grupos Yanomamis. Em 11 de maio, sete agentes da Polícia Federal foram baleados por garimpeiros. Mas acabaram sobrevivendo. Os policiais investigavam invasões.

Duas crianças, porém, morreram após uma invasão de uma comunidade no dia 10 de maio. Segundo relatos, os ataques contra uma aldeia levaram as crianças a correr para a floresta. Várias se perderam. Dois dias depois, uma criança de um ano e outra de cinco anos foram encontradas mortas.

No dia 16 de maio, mais um ataque de garimpeiros, dessa vez com o uso de 15 barcos e bombas de gás conta a comunidade Palimiu.

"Pesquisas indicam que as atividades de garimpeiros se intensificaram desde 2020, diante do aumento de 30% de aumento da degredado ambiental na região", afirma o documento. No total, 20 mil garimpeiros ilegais estariam operando em terras Yanomami, resultando em sérios impactos sócio-econômicos, contaminação e proliferam da covid-19.

Projeto de lei

Outra preocupação da ONU se refere ao projeto de Lei 191 que regulariza a mineração em terras indígenas. O que chama a atenção dos relatores é de que, ainda que a proposta preveja a "consulta" de grupos indígenas, eles não teriam o poder de vetar. Mais de 863 mil quilômetros quadrados de florestas poderiam ser afetadas.

Mas também há preocupação de que isso pode se transformar em estopim para conflitos de terra, expondo grupos indígenas à violência, mais contaminação e doenças.

"Além disso, impacto ambiental substancial devem ser esperados, tal como desmatamento, perda de biodiversidade e contaminação de solos e rios", completam os relatores.

Bia Kicis flerta com nazismo e lidera ataque a indígenas

No mesmo dia em que foi divulgado o áudio de um tenente-coronel da Funai dizendo que atiraria contra indígenas isolados, a deputada federal Bia Kicis foi às redes sociais para saudar uma nazista alemã que defendeu que os refugiados fossem assassinados com tiros. A nazista — me refiro à alemã —  disse textualmente durante a crise dos refugiados em 2015: “É nosso dever nos defendermos com armas. Atiraremos inclusive em mulheres e crianças”. Para Bia Kicis, a foto com a nova parceira nazista representa a consolidação de uma aliança: “conservadores do mundo se unindo para defender valores cristãos e a família.”

Beatrix Von Storch é vice-presidente do partido nazista alemão Alternative für Deustschland (Alternativa para a Alemanha) e neta de um ministro de finanças de Hitler. Em 2018, ela criticou a “islamização do país” e afirmou que “O reinado desse islã na Alemanha não é nada mais que o reinado do mal”. Estima-se que há 4 milhões de muçulmanos vivendo na Alemanha. Se antes os nazistas alemães combatiam os judeus, hoje os inimigos a serem destruídos são os muçulmanos.

Eduardo Bolsonaro também postou foto com a alemã e ressaltou as semelhanças do bolsonarismo com o nazismo: “Somos unidos pelos ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional” —  basicamente, o tripé ideológico que sustenta o nazismo no mundo.

As semelhanças entre nazismo e bolsonarismo não são poucas nem recentes. O alinhamento ideológico sempre foi claro. Lembremos que até mesmo um líder dos supremacistas brancos da Ku Klux Klan, David Duke, elogiou Bolsonaro e atestou as afinidades: “ele [Bolsonaro] soa como nós. Ele é totalmente um descendente europeu. Ele se parece com qualquer homem branco nos EUA, em Portugal, Espanha ou Alemanha e França. E ele está falando sobre o desastre demográfico que existe no Brasil e a enorme criminalidade que existe ali, como, por exemplo, nos bairros negros do Rio de Janeiro”.

Uma série de episódios protagonizados por integrantes o governo Bolsonaro confirma esse alinhamento: o discurso que o ex-secretário de Cultura Roberto Alvim fez copiando frases do ministro nazista Joseph Goebbels; o gesto supremacista de Filipe Martins; o copo de leite que Bolsonaro tomou em um de suas lives em referência aos neonazistas americanos.

Bolsonaro já atraía a admiração dos nazistas quando era deputado. Como esquecer da manifestação convocada por nazistas paulistas em 2011 em defesa das declarações racistas e homofóbicas do então deputado Jair Bolsonaro?  Ou da carta enviada por ele que foi apreendida pela polícia na casa de um neonazista mineiro? A confraternização entre parlamentares bolsonaristas e os nazistas alemães apenas formalizou essa aliança no campo institucional.

Mas voltemos a falar de Bia Kicis. Ela e sua amiga nazista compartilham da mesma opinião sobre os gays. A alemã também é uma ferrenha opositora do casamento gay, diz que “homofobia é um termo indefinido” e se refere à população LGBTQIA+ como uma “minoria barulhenta”. Para a AfD, o partido nazista comandado por Beatrix, as escolas alemãs “enfatizam unilateralmente homossexuais, transexuais e bissexuais”. Qualquer semelhança com a obsessão sobre o famoso delírio da “ideologia de gênero” no Brasil não é mera coincidência.

O trabalho de Bia Kicis à frente da presidência da comissão mais importante da Câmara, a de Constituição, Justiça e Cidadania, a CCJ, deve estar fazendo Adolf Hitler sorrir no inferno. Kicis atuou intensamente pela aprovação do PL 490, o projeto de lei que reduz os direitos dos povos indígenas sobre as terras demarcadas. Entre as alterações, a mais absurda é aquela que estabelece um marco temporal para a validade da demarcação das terras: só poderão ser consideradas terras indígenas aquelas que já estavam em posse dos povos indígenas até a promulgação da Constituição de 1988.

O projeto também facilita o contato com povos isolados, proíbe que se amplie terras que já foram demarcadas e permite que garimpeiros explorem livremente os territórios indígenas. Na prática, o projeto pode impulsionar ainda mais o já existente massacre dos povos indígenas por garimpeiros, que serão empoderados pela nova lei. Caso seja aprovada no plenário da Câmara, a lei permitirá que o governo construa rodovias e hidrelétricas nos territórios indígenas, sem precisar consultar as etnias dessas regiões. O bolsonarismo encara os povos indígenas como seus parceiros nazistas na Alemanha encaram os refugiados.

Bia Kicis fez de tudo para cercear as vozes indígenas durante o debate em torno do PL. A presidente, que se recusa a usar máscara durante os debates, interrompeu a palavra da deputada Joênia Wapichana, da  Rede de Roraima, em vários momentos. A deputada é a primeira mulher indígena eleita no país e pleiteava a realização de uma audiência pública para que as comunidades tradicionais fossem ouvidas sobre o projeto de lei. Bia Kicis não só interrompeu Joênia como cortou sua palavra durante o debate. A Bia alemã deve ter ficado orgulhosa.

Nem mesmo uma carta enviada por nove empresas de varejo e produção de alimentos da Europa ameaçando boicotar comercialmente o Brasil fez Bia Kicis mudar de ideia. A carta dizia que se as novas medidas que prejudicam as proteções existentes ao meio ambiente forem aprovadas, as empresas “não terão escolha a não ser reconsiderar o uso da cadeia de suprimentos de commodities agrícolas brasileiras.” O desrespeito ao meio ambiente no Brasil é um tema sensível, que tem intensificado o processo de transformação do país em pária internacional. O bolsonarismo não quer nem saber. Como já disse o ex-chanceler Ernesto Araújo, “que sejamos pária!”.

Comparar o bolsonarismo com o nazismo não é uma forçação de barra. É a constatação de um fato. As duas correntes têm tendências sexistas, racistas, islamofóbicas e xenófobas. Há muito mais semelhanças do que diferenças. Pode-se dizer que o bolsonarismo é um subproduto do nazismo no Brasil ou uma versão adaptada dele. Hoje, os bolsonaristas perderam completamente a vergonha e agora festejam abertamente as semelhanças com o nazismo.


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