29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Cientistas denunciam genocídio indígena, enquanto devastação na Amazônia é a maior em 10 anos

Publicado em 22/07/2021 12:00 -

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O descaso com a proteção dos povos indígenas no Brasil motivou um grupo de cientistas a divulgar uma carta manifesto. O Grupo de Trabalho Meio Ambiente da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC) é responsável pela autoria do documento. “Atos truculentos contra povos indígenas vêm se agravando desde 2019, antes mesmo da pandemia, e neste momento, em 2021, assistimos ao aumento vertiginoso de mortes de indígenas”, afirmam. Além do genocídio indígena, soma-se a devastação na Amazônia, que é a maior em 10 anos. A informação foi divulgada no último dia 19 pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Os cientistas e pesquisadores listam uma série de violações aos direitos dos povos indígenas durante o governo de Jair Bolsonaro. O atual presidente da República, pelo mau trato com os povos originários, é alvo de ação movida junto ao Tribunal Penal Internacional, que o acusa de genocídio. As ações do governo vão de relaxamento nas fiscalizações ao alinhamento com a mineração na Amazônia; além do descaso com a pandemia de covid-19, que afeta a todos os brasileiros.

Atos de violência

A SBPC argumenta que o aumento nas mortes de indígenas é decorrente dos atos de violência praticados por garimpeiros e grileiros em sucessivos ataques bélicos contra os Munduruku, Gamela, Yanomami e tantos outros povos. “Com uso de armas pesadas como metralhadoras, bombas de gás lacrimogêneo, além de queima de casas, de assassinatos, saques e devastação de aldeias, com níveis elevados de inumanidade”, descrevem sobre o genocídio indígena.

A denúncia contra o governo vai justamente no caminho do descaso. “Todas estas práticas violentas e ilegais descrevem uma quase certeza de impunidade. Estes repetidos crimes contra o direito à vida e contra a humanidade assombram a sociedade brasileira. Nos impõem a obrigação moral de registro público, exigindo das autoridades competentes a proteção imprescindível aos povos indígenas, consoante os termos da Constituição Federal.”

Devastação

Assim, a carta prossegue ao abordar temas como o aumento crescente do desmatamento e medidas legislativas que atentam contra indígenas. Segundo levantamento do Imazon, a devastação na Amazônia Legal brasileira de agosto de 2020 até junho de 2021 é a maior em dez anos. O estudo também aponta que o desmatamento nos últimos 11 meses é 51% maior do que no período anterior.

Apenas neste ano, a floresta amazônica perdeu uma área de 4.014 km². A região corresponde a três vezes o território da cidade de Fortaleza. A devastação das florestas é diretamente ligada à questão indígena. A luta pela terra é constante e os povos originários acumulam derrotas durante o governo Bolsonaro. “Em territórios indígenas com direitos coletivos de propriedade constituídos e preservados a taxa de desmatamento é até 66% menor em comparação com terras privadas entre outras categorias”, aponta a SBPC.

Marco temporal

Tramita no Congresso o Projeto de Lei (PL) 490/2007 que consolida a ideia de “marco temporal”. O texto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados é considerado mais um retrocesso. A tese, que pode agravar ainda mais o genocídio indígena, presente na proposta é defendida por ruralistas. Eles querem que o Estado considere terras indígenas apenas aquelas que estavam sob posse na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

A proposta será analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito de sua constitucionalidade. A SBPC argumenta que o PL 490/2007 fere a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, que versa sobre a proteção aos povos originários. Segundo a norma da OIT, “os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade”. E segue afirmando que “os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Corte Internacional

O presidente Jair Bolsonaro será alvo de novas denúncias entregues por entidades brasileiras à promotoria do Tribunal Penal Internacional. Nas próximas semanas, novas informações sobre suas políticas serão submetidas aos escritórios da corte em Haia, na esperança de reforçar a tese de atos deliberados contra grupos específicos da população brasileira, em especial os indígenas.

Quatro queixas diferentes já foram entregues à promotoria em Haia em dois anos, praticamente todas insistindo sobre a possibilidade de um crime de genocídio ou crimes contra a humanidade.

Para agosto, Haia receberá uma nova queixa, desta vez preparada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e com a consultoria de pessoas que já passaram pela Corte. Uma das ideias sendo desenvolvidas é de que o termo "genocídio" seja evitado, justamente por conta da dificuldade que é de reunir informações suficientes e provas para enquadrar uma pessoa por esse crime.

No início de julho, um dos mecanismos da ONU sobre a prevenção de genocídio citou a situação dos indígenas no Brasil pela primeira vez como um dos casos que gera preocupação.

Ainda assim, um dos caminhos sendo avaliado pela APIB é o de buscar outros crimes que seriam mais facilmente aceitos como base para o início de uma investigação formal, incluindo perseguição e remoção forçada de seus territórios.

O termo "genocida" passou a ser usado com frequência por críticos do presidente. Mas, em termos legais, não há consenso e especialistas apontam que existem outras formas de buscar justiça sem prejuízo para a dimensão de uma eventual punição.

A APIB pode não ser a única a levar mais um caso para Haia. Na Comissão Arns, autora de uma queixa de 2020, advogados consideram a possibilidade de preparar uma atualização das denúncias contra Bolsonaro, já com informações sobre as políticas adotadas nos últimos seis meses.

Promotoria sinaliza que quer tomar decisões

Dentro da promotoria da Corte, os casos continuam sendo avaliados para que haja uma decisão se existem bases suficientes para que uma investigação preliminar seja lançada. Por enquanto, não existe um processo oficial sobre o presidente brasileiro.

Em junho, o britânico Karim Khan assumiu o cargo de promotor da Corte, tendo o canadense James Stewart como seu vice. Um dos temores de ativistas era de que, por serem ocidentais, hesitariam em abrir investigações formais contra democracias.

Mas fontes na Holanda confirmaram à coluna que, ao assumir o cargo, os dois procuradores teriam ficado surpreendidos com a enxurrada de queixas contra Bolsonaro, entre elas os documentos submetidos com o apoio do cacique Raoní e advogados estrangeiros de peso.

Nas últimas semanas, o escritório em Haia decidiu contratar uma pessoa que fala português, gesto que foi interpretado como um sinal de que Khan quer tomar decisões sobre o que fazer com os casos envolvendo Bolsonaro, mesmo que isso signifique encerra-los.

Constrangimento político inédito

Se para os grupos que apresentam as denúncias o objetivo é garantir justiça, qualquer decisão final de condenação sobre Bolsonaro poderia levar entre cinco e dez anos para ser de fato tomada numa corte internacional.

Mas tanto diplomatas brasileiros como estrangeiros admitem que o impacto da abertura de um processo iria muito além do Tribunal.

Uma investigação contra o brasileiro o consolidaria como pária, afastando qualquer tipo de possibilidade de que chefes de Estado se sentissem confortáveis em receber Bolsonaro em visitas oficiais. Em termos diplomáticos e mesmo de imagem, o constrangimento também seria inédito.

Já no governo brasileiro, a possibilidade de ter de defender Bolsonaro já é alvo de um debate interno. O tema ainda surgiu nos encontros com o governo de Israel, que é alvo de uma investigação preliminar também no Tribunal Penal Internacional por conta dos ataques contra palestinos.

Também foi considerado como preocupante a derrota de uma candidata brasileira que concorria a um dos cargos de juíza no TPI.


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