25/04/2024 - Edição 540

Brasil

Taxa recorde de 94% de apoio à vacina representa fracasso para Bolsonaro

Publicado em 15/07/2021 12:00 -

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Pesquisa Datafolha, divulgada no último dia 13, mostrou que apesar de o Brasil ter flertado com o terraplanismo sanitário por influência de Jair Bolsonaro, alcançando quase um quarto da população que não queria vacina em dezembro de 2020, o número de negacionistas caiu agora para apenas 5%. O levantamento aponta que 94% já se vacinaram ou pretendem se vacinar e 1% não sabe.

De ameaças que a população se transformaria em Jacaré ao tomar a vacina da Pfizer, passando por ataques à segurança da CoronaVac até a temerária afirmação que vacinas não têm eficácia científica comprovada, o presidente continua atuando para sabotar a vacinação – ele próprio o único dos chefes de Estado que foge do imunizante. Com isso, a pesquisa mostra que Bolsonaro fracassou.

Mas não foi um processo simples. Em agosto de 2020, éramos 89% desejosos pela vacina e 8% que não faziam questão dela, também segundo o Datafolha. Após uma pesada campanha de desinformação levada a cabo pelo presidente da República, que abraçou o negacionismo e atacou a segurança, a utilidade e a eficácia dos imunizantes, o número dos que pretendiam se vacinar caiu para 73% enquanto os antivacinas subiram para 23% no último mês do ano passado.

Um outro levantamento do Datafolha em outubro feito em quatro municípios apontou que 17% dos moradores de São Paulo, 16% do Rio de Janeiro, 15% de Belo Horizonte e 20% do Recife não pretendiam se imunizar quando saísse a vacina. Somando-se a esses números os grupos nessas metrópoles que ainda não sabia se queria se vacinar ou não, tínhamos 21%, 20%, 19% e 25% respectivamente.

Além do impacto relacionado à covid (sem uma vacinação, ampla o vírus não para de circular), isso também colocava em risco a confiança sobre a própria eficácia de outras vacinas. O que acabaria afetando o enfrentamento a outras doenças, como explicou a esta coluna a doutora em microbiologia e fundadora do Instituto Questão de Ciência, Natália Pasternak.

Bolsonaro rifou a confiança nas vacinas

Em meio a isso, o presidente transformou a vacina em tema de disputa política, usando-a para manter mobilizada uma parcela do bolsonarismo-raiz mais radical. Afirmou que "ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina", criando o entendimento falso que residências seriam invadidas para a imunização – por mais que isso não ocorra por aqui há mais de um século.

Teorias da conspiração bombadas por bolsonaristas dizia que as vacinas contariam com microchips que seriam inoculados a fim de que todos os habitantes do mundo fossem rastreados e controlados através de antenas de 5G. E que isso seria um plano da intelectualidade global junto com bilionários, os cavaleiros templários e os Illuminati.

O que aconteceu depois disso? Países como o Reino Unido, os Estados Unidos, Israel, entre outros, começaram a se vacinar, mostrando o que a ciência já havia previsto: que a ampla imunização da população era a melhor saída para podermos voltar à normalidade. As imagens correram o mundo e chegaram aqui.

A população brasileira começou a cobrar vacinas. Quando o governador de São Paulo, João Doria, ia colocar a CoronaVac na rua, Bolsonaro tentou a todo o custo trazer outra vacina para começar a imunização antes dele. Não conseguiu e teve que começar a imunização nacional com o produto desenvolvido na China e produzido pelo Butantan que ele tanto atacou.

Com as campanhas publicitárias, principalmente por parte da sociedade civil e veículos de imprensa, aumentou a procura por vacinas.

Isso não significa, contudo, que está tudo bem. Bolsonaro continua tentando sabotar o processo de vacinação, seja para atacar Doria, seja para excitar a parte terraplanista de seus seguidores.

Palácio do Planalto foi o inimigo público número 1 das vacinas

Com a certeza da impunidade, o presidente promoveu, no dia 17 de junho, mais uma sessão mortal de desinformação sobre a covid-19. "Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então quem contraiu o vírus, isso não se discute, está imunizado", disse.

Também afirmou: "Eu já me considero, me considero não, eu estou vacinado, entre aspas".

Bolsonaro disse algo equivalente a "quem pegou gripe uma vez está vacinado para gripe para sempre". Você, pessoa bem informada, acredita nisso? Claro que não. Pois, da mesma forma que o vírus da gripe sofre mutações, podendo reinfectar o mesmo indivíduo passado algum tempo, demandando campanha contínua de vacinação, o coronavírus também sofre mutações, podendo contaminar e matar quem já ficou doente e se curou.

E dois dias antes, ele havia mentido sobre a vacinação. Disse que muita gente que toma a CoronaVac "não desenvolve anticorpo nenhum" e que "essa vacina não tem comprovação científica ainda". Testes científicos comprovaram que ela desenvolve sim anticorpos e protege a população. As declarações não foram dadas a um rebanho num cercadinho, mas a uma afiliada da Record de Rondônia.

Apesar de a esmagadora maioria dos brasileiros querer vacina no braço, vem crescendo a recusa do produto desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac e finalizado no Instituto Butantan por pura ignorância. Com declarações como essa, ele ajuda a criar dúvidas desnecessárias, levando pessoas a peregrinar entre postos de saúde para encontrar a vacina desejada, colocando suas vidas e as de outros em risco.

Tem sido hercúleo o esforço de médicos e cientistas para explicar que qualquer um dos imunizantes que estão sendo aplicados em território nacional tem qualidade e é capaz de nos levar à verdadeira imunidade coletiva – quando uma parcela superior a 75% da população está vacinada e o vírus reduz consideravelmente a sua circulação. E não aquela falsa, via contaminação geral, como quer o presidente.

E contando que os brasileiros não têm memória, defendeu, na mesma entrevista à TV, nesta terça, que a vacina da Pfizer "tem mais credibilidade" que a CoronaVac.

5% não querem vacina e 7% creem que a Terra é plana

Isso contrasta com o que afirmou em 17 de dezembro do ano passado sobre o imunizante: "Se você virar um jacaré, é problema de você. Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles [Pfizer] não têm nada a ver isso".

Caso Bolsonaro não tivesse negado ao longo do segundo semestre as ofertas de venda de milhões de doses da Pfizer e do Instituto Butantan, teríamos começado a vacinação ainda em dezembro. E dezenas de milhares de pessoas que contraíram a covid-19 não precisariam ter morrido.

Bolsonaro continua governando para o naco de 15% do bolsonarismo-raiz, porque são eles que vão às ruas, a pé, de moto ou de carro, para mostrar que ele tem apoio. E são eles que vão ajudar a inundar as redes e aplicativos de mensagens com conteúdo falso na eleição do ano que vem. E são eles que vão começar tumultos caso seu líder perca nas urnas. Em nome de sua reeleição, topa tudo. Inclusive continuar sabotando a vacinação.

Por fim, uma curiosidade: em julho de 2019, o Datafolha perguntou qual o formato do planeta. Enquanto 90% declararam que a Terra é redonda, 7% dos entrevistados afirmam que ela é plana. Número próximo dos 5% que não querem vacina.

Esses levantamentos trazem um alerta sobre a descrença na ciência. O que pode trazer graves consequências para a saúde das pessoas.

Quando estamos tratando de um esforço que envolveu milhares de pessoas, realizado com respeito ao método científico, com batalhões de testes, publicização de dados, debate entre os pares, discussão global de resultados, em um dos maiores esforços da história humana para encontrar produtos que ajudassem no combate à pandemia, a tentativa de sabotagem de vacina é realmente um crime contra a humanidade.

Considerando que o presidente da República é Jair Bolsonaro, estamos até no lucro com esses 5%. E com os 7% também.


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