20/04/2024 - Edição 540

Ecologia

Governo federal exclui Inpe de divulgação de dados sobre incêndios no País

Publicado em 13/07/2021 12:00 -

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O governo federal decidiu excluir o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, da atribuição de divulgar alertas sobre incêndios e queimadas em todo o País. O órgão federal fazia esse trabalho há décadas, divulgando diariamente dados técnicos sobre o avanço do fogo, ferramenta crucial para orientar o combate às chamas e estimar o volume queimado em cada região. A partir de agora, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura, será o responsável por divulgar essas informações.

A mudança foi confirmada no último dia 12, em reunião realizada pelo Ministério da Agricultura.  No encontro, com participação da ministra Tereza Cristina, o diretor do Inmet, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, afirmou que, a partir de agora, o instituto meteorológico fará esse trabalho, por meio de seu novo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, ferramenta que vai monitorar e divulgar os locais com maior probabilidade de ocorrência de fogo no Brasil.

“Acho que a gente está contribuindo não só para juntar as informações sobre risco no sistema nacional de meteorologia. A gente já fechou hoje (segunda-feira) pela manhã que não haverá mais emissões do Inpe sobre incêndio ou do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia”, declarou Oliveira. “Será do sistema nacional de meteorologia. Todos os relatórios do governo federal serão passados por esse sistema, que está sendo organizado aqui. Provavelmente a gente vai ter uma regulação do sistema nacional de meteorologia.”

Segundo o diretor do Inmet, a divulgação feita até hoje teria problemas de integração de dados. “É um problema que o Brasil enfrentava há décadas, na verdade há mais de 40 anos, a pulverização na divulgação de dados sobre incêndio e meteorologia”, disse.

Em nota, a pasta da Agricultura declarou que “a iniciativa se deu devido aos incêndios florestais e queimadas, que ocorrem normalmente de julho a setembro no Brasil central, ocasionando grande impacto ao meio ambiente, ao agronegócio e à economia brasileira”. “Diante disso, o Inmet estrategicamente passa a monitorar o risco de incêndio para fornecer informações e possibilitar a adoção de medidas preventivas mais eficazes e econômicas”, afirmou a pasta.

A ferramenta, segundo o ministério, possui um mapa de monitoramento que aponta para o índice de risco ou perigo de ocorrência de incêndios em determinada região, além de disponibilizar a informação para todos os Estados brasileiros. A ferramenta também contribui, de acordo com a pasta, para a redução das perdas na agricultura e para ações preventivas de combate a incêndios, garantindo que o produtor possa realizar sua gestão de riscos.

Desde 2019, o governo queria alterar o sistema e a divulgação de informações. Essa missão ficou a cargo do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que, a mando do presidente Jair Bolsonaro, queria alterar o sistema aberto de dados. O monitoramento do desmate feito pelo Inpe motivou uma crise no governo após o presidente e integrantes de sua equipe questionarem os dados medidos pelo órgão.

É para controlar a informação, diz ex-diretor do Inpe

O físico Ricardo Galvão, exonerado do cargo de diretor do Inpe pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019 após defender os dados de desmatamento da Amazônia produzidos pela instituição, criticou duramente a decisão anunciada pelo Ministério da Agricultura. “Como brasileiro, fico muito triste com essa notícia. Sempre tive muita preocupação com cerceamento de dados. O trabalho feito pelo Inpe nessa área é reconhecido mundialmente”, disse ao Estadão

Na avaliação de Galvão, trata-se de uma forma de controlar os dados que serão divulgados. O Inpe era um órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, diferentemente do Inmet, que é vinculado ao Ministério da Agricultura.

“O Inpe não tinha essa questão de conflito de interesses. É um órgão da ciência e tecnologia. Seus dados sempre foram importantes e respeitados. Essa mudança, claramente, é para controlar a informação”, comentou. “É algo muito preocupante, espero que a sociedade brasileira científica reaja fortemente contra isso.”

Em 2019, quando dados de alertas do Inpe vieram à tona mostrando que a ação de criminosos na Amazônia, Bolsonaro afirmou que os números eram mentirosos e insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”. O pesquisador reagiu, defendeu a ciência produzida pelo Inpe e seus pesquisadores e acusou Bolsonaro, em entrevista ao Estadão, de tomar uma “atitude pusilânime e covarde”.

Após duas semanas de embates, Galvão foi exonerado. Ele estava no Inpe desde 1970 e cumpria mandato à frente do órgão até 2020. Com a exoneração, ele voltou a atuar na USP. Os dados produzidos pelo instituto, porém, continuaram mostrando mês a mês o aumento da devastação.


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