19/04/2024 - Edição 540

Brasil

ONGs e personalidades denunciam na ONU negligência do governo Bolsonaro na pandemia

Publicado em 02/07/2021 12:00 -

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Numa audiência convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) na quinta-feira (01/07), organizações não governamentais denunciaram violações de direitos humanos, negligência, negacionismo e desinformação no Brasil durante a pandemia de covid-19. Representantes do governo do presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, usaram o encontro para exaltar medidas adotadas na crise.

A delegação brasileira de entidades da sociedade civil foi representada pelas ONGs Oxfam Brasil, Justiça Global, Coligação Negra por Direitos, Plataforma Dhesca, Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) e Artigo 19.

Do lado do governo, participaram da audiência virtual representantes dos Ministérios da Saúde, da Cidadania e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com contribuições dos Ministérios da Economia, da Justiça e das Relações Exteriores.

Num momento em que a CPI da Pandemia investiga ações e omissões do governo Jair Bolsonaro na gestão da pandemia e supostas irregularidades na negociação de vacinas, os representantes dos ministérios afirmaram que o governo adotou uma série de medidas desde o início da pandemia, com destaque para o auxílio emergencial.

Também foi mencionada a campanha de vacinação contra a covid-19. "O ministério desenvolveu um Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação e oferta gratuitamente a vacina contra a covid-19 para toda a população", afirmou Arnaldo Medeiros, secretário de vigilância do Ministério da Saúde, citado pela Folha de S. Paulo.

"Estamos mantendo nossa missão de salvar vidas", completou Medeiros, ignorando o fato de que Bolsonaro minimizou repetidamente a gravidade da covid-19, criticou o isolamento social, promoveu aglomerações, defendeu insistentemente o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, negou a eficácia de vacinas e ignorou uma série de ofertas feitas pela Pfizer para a compra de seu imunizante.     

As ONGs participantes acusaram o governo de distorcer informações relativas ao auxílio emergencial, lembrando que "durante três meses deste ano, não houve auxílio algum".

Entre abril e dezembro do ano passado, foi concedido auxílio emergencial de R$ 600 por mês. Após uma pausa de três meses, o governo voltou a pagar a ajuda em abril deste ano, com as parcelas mensais entre R$ 150 e R$ 375 – a princípio, por quatro meses.

Jefferson Nascimento, da Oxfam Brasil, ressaltou que o governo não gastou R$ 28,9 bilhões que haviam sido aprovados no âmbito do orçamento autorizado para o auxílio emergencial, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

"São nítidas a desinformação, o negacionismo e a manipulação da realidade que caracterizam a fala do Estado brasileiro nessa audiência", afirmou a representante da Plataforma Dhesca Brasil, Denise Carreira.

Falta de atenção a grupos vulneráveis

Entre as críticas feitas pelas ONGs também esteve também a falta de atenção a grupos vulneráveis no plano de vacinação, como os sem-teto, os indígenas e os presos.

"Se pegarmos a população privada de liberdade, por exemplo, apenas 5% tomou a primeira dose da vacina. A mesma coisa tem acontecido com a população de rua. É urgente prestarmos atenção a isso", defendeu a coordenadora da ONG Justiça Global, Gláucia Marinho, que denunciou a "negligência" do Estado brasileiro nas ações de mitigação e combate à pandemia.

Ela também apontou que a priorização de indígenas na campanha de vacinação ocorreu somente após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e chamou atenção para invasões de áreas indígenas nos últimos meses. "Dados recentes da Comissão Pastoral da Terra mostram que pelo menos 97 áreas indígenas foram invadidas por entes privados em 2020.”

Sheila de Carvalho, da Coligação Negra por Direitos, chamou a atenção para o aumento significativo da população sem-abrigo no Brasil, apontando que mais de 100 mil pessoas ficaram nessa situação no contexto da crise sanitária.

Desinformação

A ONG Artigo 19 denunciou a restrição da liberdade de imprensa e do acesso à informação. "Autoridades do governo têm participação direta na supressão de dados, na propagação da desinformação e na intimidação de comunicadores", disse Ana Gabriela Ferreira, coordenadora de acesso à informação da Artigo 19, citada pela Folha.

O relator da CIDH para o Brasil, Joel Hernández, por sua vez, manifestou preocupação com a situação afirmou que os números de casos e mortes pela covid-19 no Brasil são "alarmantes" e que, enquanto em outros países foi observado um pico da pandemia, o gráfico brasileiro "nunca mostra quedas". Até esta quinta-feira, o Brasil contabilizou mais de 18,6 milhões de casos e mais de 520 mil óbitos em decorrência da doença.

A CIDH deve elaborar um relatório e instar o governo brasileiro a adotar medidas efetivas de combate à pandemia e respeitar direitos humanos, segundo afirmou à Folha Melisanda Trentin, coordenadora da Plataforma Dhesca.

Após a audiência, o Ministério das Relações Exteriores afirmou em nota que o "Brasil permanece ativamente comprometido com o sistema interamericano de direitos humanos".

Paulo Coelho, Felipe Neto e entidades também denunciam o presidente

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns também denunciam o presidente Jair Bolsonaro por ataques contra a liberdade de expressão no Brasil. Nesta sexta-feira (2), na ONU, as entidades tomaram a palavra durante o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Para a semana que vem, as mesmas instituições organizam ainda um evento paralelo durante a sessão do Conselho para expor o comportamento do governo brasileiro. No evento no dia 8 de julho estarão presentes ainda o youtuber Felipe Neto, o escritor Paulo Coelho e outras personalidades.

As denúncias contra o governo, nesta sexta-feira, foram feitas por Claudia Costin – membro da Comissão Arns e ex-ministra de Administração do governo FHC e atual diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV – durante o Diálogo Interativo com a Relatora da ONU sobre Liberdade de Expressão Irene Kahn.

As denúncias não significam qualquer tipo de abertura de um processo contra o governo. Mas ampliam a pressão internacional contra Bolsonaro, com sua imagem já profundamente deteriorada. Ao levar às instituições no exterior, entidades e ativistas ainda esperam conseguir que a ONU e mesmo governos estrangeiros passem a exigir do Planalto uma garantia de proteção ao espaço cívico e à democracia.

"O direito à liberdade de expressão do Brasil, obtido a muitas custas, está sob ataque", disse Costin, que falava em nome das instituições. "Profissionais da impressa são intimidados, opositores políticos são ameaçados e criminalizados sob a Lei de Segurança Nacional", alertou.

Citando dados da Federação Nacional de Jornalistas, ela aponto que houve, em 2020, 428 ataques verbais e ameaças de todo tipo direcionados a jornalistas, 41% destes partindo do próprio presidente.

"Em maio de 2021, os líderes indígenas Sonia Guajajara e Almir Suruí foram citados pela Polícia Federal por criticarem o tratamento destinado a atuais políticas indígenas, especialmente durante a pandemia da covid-19", disse.

Ela também lembrou do caso de Marcus Lacerda, membro da Fundação Oswaldo Cruz, que foi alvo de investigação do Ministério Público por ter publicado um artigo alertando sobre os riscos de administrar cloroquina a pacientes com covid-19.

"Peço que apoiem os brasileiros que estão lutando para conter esse retrocesso no que tange a liberdade de expressão no Brasil", disse Costin na ONU.

Paulo Coelho e Felipe Neto

A ofensiva contra o governo não será limitada ao evento desta sexta-feira. No dia 8, a OAB e a Comissão Arns organizam um evento dedicado especialmente ao assunto no Brasil.

Para explicar o que acontece no país, as entidades convidaram ainda nomes como Felipe Neto, youtuber e empresário também atacado de modo violento por criticar a gestão do presidente Jair Bolsonaro, e Paulo Coelho.

O debate contará também com a presença de José Carlos Dias, advogado e ex-ministro do governo FHC, Felipe Santa Cruz, advogado e presidente da OAB, Patrícia Campos Mello, repórter e colunista da Folha de S.Paulo, vencedora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, que foi alvo de agressões e ameaças do governo federal, e Pierpaulo Cruz Bottini, advogado e professor livre docente de Direito da USP.

Desinformação ameaça à democracia, diz relatora da ONU

Em seu informe, a relatora da ONU para liberdade de expressão não citou nomes de países. Mas alertou que as respostas dos Estados e das empresas à desinformação têm sido problemáticas, inadequadas e prejudiciais aos direitos humanos.

Ela ainda apelou aos estados para defenderem o direito à liberdade de expressão como o principal meio para combater a desinformação.

"Informação diversa e fiável, alfabetização digital, regulamentação inteligente dos meios de comunicação social e meios de comunicação social livres, independentes e diversos são o antídoto óbvio para a desinformação", disse Irene Khan ao Conselho dos Direitos Humanos.

"A desinformação – respostas a ela – estão minando a liberdade de expressão, polarizando os debates públicos, alimentando a desconfiança pública e pondo em perigo os direitos humanos, as instituições democráticas, a saúde pública e o desenvolvimento sustentável", disse Khan.

Segundo ela, governos têm recorrido a medidas desproporcionadas, tais como encerramentos da Internet e leis vagas e demasiado amplas para criminalizar, bloquear, censurar e arrefecer o discurso online e encolher o espaço cívico, e para obrigar as plataformas dos meios de comunicação social a remover conteúdos lícitos sem processo judicial.

No seu relatório, a Relatora Especial advertiu que estas medidas são incompatíveis com o direito internacional e estão sendo utilizadas impunemente contra jornalistas, opositores políticos e defensores dos direitos humanos.

Seu alerta também está direcionado às empresas do mundo digital. "Os algoritmos, a publicidade dirigida e as práticas de recolha de dados das maiores empresas de meios de comunicação social são largamente creditados com o facto de conduzirem os utilizadores a conteúdos "extremistas" e teorias conspiratórias, minando o direito dos indivíduos a formar uma opinião e a desenvolver livremente crenças e ideias", disse.

Ela ainda advertiu que "velhas atitudes sexistas arraigadas com o anonimato e o alcance dos meios de comunicação social" estão a ser utilizadas para lançar campanhas de desinformação de género contra mulheres jornalistas, políticas e defensoras dos direitos humanos para as expulsar da vida pública. Khan apelou aos estados e empresas para garantir a segurança das mulheres online e offline.


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