25/04/2024 - Edição 540

Poder

Ingerência na PF avança, inquérito que investiga Bolsonaro está paralisado

Publicado em 18/06/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

É gravíssima a notícia que traz à luz o sedativo aplicado no inquérito sobre atos antidemocráticos no instante em que a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro quis realizar buscas na cozinha do Planalto. Mais grave ainda é o anestésico que o Supremo Tribunal Federal injeta no processo que deveria apurar a suspeita de que Bolsonaro deseja converter a PF num aparelho político-familiar.

O inquérito que apura a acusação do ex-ministro Sergio Moro sobre os planos intervencionistas de Bolsonaro está paralisado há mais de oito meses, desde setembro do ano passado. O Supremo não consegue decidir se o presidente da República vai depor à PF por escrito ou presencialmente. A demora turva as investigações e compromete a busca de provas. Favorece, portanto, o investigado.

Por ora, a única coisa que avança no setor investigativo é o incômodo provocado pela sensação de que Bolsonaro vai conseguindo realizar o sonho que expôs na célebre reunião ministerial de 22 de abril do ano passado. Aquela reunião cuja gravação ganhou as manchetes por ordem de Celso de Mello, então decano do Supremo Tribunal Federal.

No fatídico encontro, Bolsonaro esboçou o desejo de interferir na Polícia Federal. "Não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu" para agir, disse o presidente na ocasião. Convém acomodar as coisas em pratos asseados. Sob pena de descobrir que já é tarde demais.

Fora da Lei

A má notícia é que Bolsonaro passou a exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que sancionou. A péssima notícia é que ele faz isso impunemente. A junção da ilegalidade com a impunidade converteu a Presidência da República numa repartição fora da lei.

Faltando um ano e quatro meses para as eleições de 2022, Bolsonaro já percorre o país como candidato. Desrespeita a legislação eleitoral de duas formas. Faz das inaugurações comícios. E faz comícios sem inaugurações, como ocorreu ao final de passeios de motocicleta realizados em Brasília, no Rio e em São Paulo.

Em seus deslocamentos, Bolsonaro promove aglomerações proibidas por estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo Supremo Tribunal Federal em abril de 2020.

Por onde passa, o presidente discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a lei da pandemia, número 13.979, que prevê a adoção de providências excepcionais como isolamento e a quarentena.

Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei 14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual em espaços públicos e privados. Além de dar de ombros para sua própria decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) com a cobrança de estudos para flexibilizar o uso da máscara.

A lei 12.401, de 2011, contém artigos que colocam na ilegalidade o uso da cloroquina no tratamento da covid em hospitais da rede pública. Proíbe "em todas as esferas de gestão do SUS o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento […] experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa".

Não há aval da Anvisa para receitar cloroquina no combate ao coronavírus. O que não impede Bolsonaro de continuar trombeteando seu remédio predileto. Nos últimos dias, passou a equiparar a cloroquina às vacinas, tachando-as levianamente de "experimentais."

Nos seus passeios de moto, permeados de aglomerações, Bolsonaro não percorre apenas o asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo 268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".

Noutro artigo, o de número 132, o Código Penal sujeita a uma pena de detenção de três meses a um ano as pessoas que expõem a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.

Como se tudo isso fosse pouco, a CPI da Covid coleciona depoimentos e documentos que colocam Bolsonaro em litígio com o artigo 196 da Constituição. Anota o seguinte: "A saúde é direito de todos e dever do Estado…" Na guerra contra o vírus, o capitão fez o pior o melhor que pôde.

A CPI busca o assessoramento de juristas para definir os crimes que serão imputados ao presidente por ter retardado a compra de vacinas, transformando em política pública o charlatanismo cloroquínico. Há evidências de que Bolsonaro atuou como lobista de laboratórios, intermediando a compra de insumos da Índia. E não abandonou até hoje o papel de garoto-propaganda da cloroquina.

Autoconvertido num infrator serial, Bolsonaro disse no comício deste sábado, em São Paulo, que é o único chefe de Estado no mundo que diz o que pensa sem temer as consequências. Deve sua tranquilidade a dois aliados tranca ruas.

Augusto Aras, o procurador-geral que não procura, tranca a via que conduz às ações penais. Arthur Lira, o presidente da Câmara, tranca a gaveta que armazena os pedidos de impeachment. Tanta proteção estimula Bolsonaro a acreditar na tese segundo a qual depois da impunidade vem a bonança.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *