19/04/2024 - Edição 540

Saúde

Human Rights Watch acusa Bolsonaro de promover desinformação sobre pandemia

Publicado em 18/06/2021 12:00 -

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Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch, teceu duras críticas contra o presidente Jair Bolsonaro por sua gestão da pandemia da covid-19. Em um encontro com jornalistas estrangeiros nesta quinta-feira, em Genebra, o chefe de uma das principais ONGs de direitos humanos no mundo acusou o governo brasileiro de ter barganhado com a vida da população e de estar, diante da pressão por sua gestão da crise, minando as instituições democráticas do país. Para ele, o presidente não é apenas um negacionista, mas também um disseminador de desinformação sobre o novo coronavírus.

"Uma coisa que notamos, se damos um passo para trás e avaliamos de que forma a pandemia ocorreu, é que os governos que tiveram o pior desempenho não são aqueles que são ditaduras ou democracias, esquerda ou direita", avaliou Roth. "Mas sim aqueles que têm líderes populistas, que tiveram resultados especialmente ruins", disse.

"Eles estavam mais preocupados com a economia, que pensavam que seria necessário para sua popularidade, e estavam dispostos a correr o risco de ver a pandemia se espalhar, o que eventualmente ocorreu", constatou Roth.

"Isso descreve a situação de Donald Trump nos EUA, Narendra Modi na Índia e Jair Bolsonaro no Brasil", disse. "Isso foi o desastre. Se olharmos, vemos que uma das piores situações da pandemia ocorreu em países com grandes populações onde líderes populistas fecharam os olhos para a realidade científica", insistiu o chefe da Human Rights Watch.

"No Brasil, houve uma reação significativa a isso e está afetando a popularidade de Bolsonaro. Mas está levando ele a contra-atacar contra as instituições da democracia que estão tentando responsabiliza-lo", disse o americano.

Para ele, o presidente brasileiro "tem feito um trabalho particularmente miserável em lidar com a pandemia". "Ele não apenas nega, mas também promove desinformação, desenhada a aumentar sua popularidade, às custas do povo brasileiro", completou.

Na próxima semana, o Conselho de Direitos Humanos da ONU volta a se reunir e espera-se que o órgão avalie um informe produzido sobre a resposta global à pandemia. O documento, ainda que faça críticas contra governos, não cita nomes de países e nem de presidentes.

Diversas ONGs, porém, querem que o trabalho das Nações Unidas continue para avaliar e apontar países que fracassaram em seu trabalho de proteger suas respectivas populações. Um dos casos a ser examinado seria o do Brasil, criticado amplamente por sua gestão da crise.

Ainda em 2020, um relator da ONU chegou a sugerir a abertura de um inquérito por parte do Conselho de Direitos Humanos para avaliar a resposta do governo brasileiro diante da pandemia.

Naquele momento, o Itamaraty se mobilizou para impedir que a proposta ganhasse força e criticou a relatoria da ONU por estar "fugindo de seu mandato" ao sugerir um inquérito internacional contra o país.

Fakes

Com a certeza da impunidade, Jair Bolsonaro promoveu em sua live semanal, na noite de quinta (17), mais uma sessão mortal de desinformação sobre a covid-19. Mais do que uma sabotagem ao combate à covid, ele testou os limites das plataformas de redes sociais de olho na sua campanha eleitoral de 2022.

"Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então quem contraiu o vírus, isso não se discute, está imunizado", disse. Também afirmou: "Eu já me considero, me considero não, eu estou vacinado, entre aspas".

Bolsonaro disse algo equivalente a "quem pegou gripe uma vez, está vacinado para gripe para sempre". Você, pessoa bem informada, acredita nisso? Claro que não. Pois, da mesma forma que o vírus da gripe sofre mutações, podendo reinfectar o mesmo indivíduo passado algum tempo, demandando campanha contínua de vacinação, o coronavírus também sofre mutações, podendo contaminar e matar quem já ficou doente e se curou.

Muitos de nós conhecemos amigos, parentes e colegas de trabalho que morreram após pegarem o vírus pela segunda vez. Isso, portanto, não é uma cascata inofensiva, uma vez que há quem acredite na palavra do presidente da República e abra mão de se cuidar.

Em suas lives, Bolsonaro fala com dois públicos. Primeiro, excita seus seguidores fiéis, a parcela de 14% da população que pula no moedor de carne se ele mandar. A maioria esmagadora dos brasileiros quer vacina e está pouco se lixando para essas baboseiras, mas o rebanho bolsonarista não é desprezível e funciona como vetor de disseminação do coronavírus.

Mas ele também cava espaço na imprensa, que tem a obrigação ética de desmentir os absurdos e evitar que os incautos se tornem centros dispersores de covid-19 ao seguir as bobagens presidenciais. O que gera mais cortina de fumaça para a investigação de suspeitas de desvios de dinheiro na aquisição de vacinas e de favorecimento de empresários bolsonaristas na compra da cloroquina, inútil para a doença.

Devido ao contrato de leasing estabelecido com o centrão no Congresso Nacional e à ação sempre atenta de seu apadrinhado, Augusto Aras, na chefia da Procuradoria-Geral da República, o presidente acredita que nada vai acontecer com ele no curto prazo. No longo prazo, sempre há o Tribunal Penal Internacional, que ele tenta adiar com a reeleição.

Diante da cobrança pública para que as plataformas de redes sociais, como Facebook, YouTube e Twitter e aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram atuem de maneira firme contra a sabotagem que ele tem feito à saúde pública, Bolsonaro ameaça com um decreto que impeça a retirada de conteúdos pelas empresas. Enquanto isso, seus apoiadores no Congresso defendem uma lei para impedir qualquer remoção de conteúdo e suspensão de contas que não passe por meios judiciais.

Os rompantes do presidente nas lives também têm, portanto, função de testar os limites e mapear o terreno. Ele quer saber até onde as big techs são capazes de ir no equilíbrio entre manter suas regras de uso e evitar um enfrentamento com o governo, o que traria problemas comerciais e políticos. Se fosse um jogo de cartas, Jair estaria, neste momento, trucando a moderação de conteúdo.

Esse teste é fundamental para a preparação de sua batalha digital visando a sua campanha para reeleição em 2022. A seu ver, sua capacidade de reeleição está diretamente relacionada à liberdade que terá para contar mentiras.

Nos Estados Unidos, Donald Trump perdeu controle de suas redes só depois de fomentar um golpe de Estado com a invasão do Congresso por seus seguidores após ter perdido nas urnas. A dúvida é se aqui um bloqueio acontecerá antes do golpe ou depois.

Por que a imunidade de rebanho está longe de ser realidade

Apesar das campanhas de vacinação em massa, os casos de covid-19 continuam crescendo por todo o planeta, do Reino Unido, Índia e Rússia à Malásia. E, enquanto especialistas da Alemanha começam a falar de uma quarta onda iminente, muitos querem saber, de uma vez por todas: quando essa coisa vai chegar ao fim?

Desde o início da pandemia, o termo "imunidade de rebanho" simboliza o momento em que suficientes indivíduos estarão imunizados contra o vírus Sars-Cov-2, quando se poderá novamente abraçar, aliviar o sobrecarregado pessoal de saúde e dizer adeus à covid-19.

Mas o que é, exatamente, esse nebuloso Santo Graal da saúde mundial, e por que ele parece eternamente fora de alcance?

Entendendo a imunidade de rebanho

Adam Kleczkowski, professor de matemática da Universidade de Strathclyde, Escócia, compara a imunidade de rebanho a um incêndio florestal em que a madeira seca acaba: quando não há mais material suficiente para ser queimado, o incêndio fica sem combustível e se extingue.

Ou seja: quando uma percentagem suficiente da população mundial estiver resistente ao novo coronavírus, seja por se recuperar de uma infecção ou através da vacinação, o patógeno não poderá mais se propagar, a pandemia para de crescer e começa a decair.

A percentagem necessária a esse nível de resistência comunitária se baseia no número de reprodução (R), a média de indivíduos a que alguém contagiado transmitirá a doença em determinado momento. Quando R é inferior a 1, significando que é improvável alguém infectado contaminar mais de um indivíduo, começa a faltar "combustível" para a doença, e ela desaparece.

"Podemos alcançar isso esperando até que a maioria da comunidade tenha se contagiado, ou mantendo distanciamento social e confinamento para sempre, ou vacinando gente suficiente", explica Kleczkowski. "A chave é entender que nem todo mundo precisa estar imune: há um ponto a partir do qual o número de imunizados basta para impedir o incêndio de se alastrar."

Esse "ponto-chave" não é simples de definir: no começo da pandemia, os cientistas estimavam algo entre 60% e 70%. Durante o último ano e meio, contudo, essa meta tem se deslocado. No momento, especialistas acreditam que ela se aproxima de 80% ou mesmo 90%. Essa variação se deve a diversos fatores.

O problema das variantes

Um aspecto é que esse número crítico é dependente do grau de infecciosidade do vírus, ou seja, do quão rapidamente ele se propaga. Para o sarampo, que é altamente infeccioso, a média é de 95%, mas para a gripe ela circunda apenas em torno de 35%.

No começo do surto global, estimou-se entre 2,5 e 3 o número R do novo coronavírus, mas ele se tornou mais transmissível à medida que emergiram outras variantes. A variante delta, detectada pela primeira vez na Índia, é cerca de 64% mais infecciosa do que a alfa, inicialmente identificada no Reino Unido, a qual já era 50% mais contagiosa do que o Sars-Cov-2 original, propagado a partir da China.

Quanto mais rápido o vírus se alastra, maior o grau de imunidade coletiva necessário a desacelerar a taxa de infecção. "Isso empurra esse número para cima. Talvez precisemos até de 85% de imunidade para frear a variante delta", adverte o matemático. No entanto, ressalva, tais percentagens não passam de estimativas: "Elas são baseadas em dados limitados, não está completamente claro que percentagem precisaremos alcançar."

"Só estaremos seguros quando todos estiverem"

Segundo Kaja Abbas, professor assistente de modelagem de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a vacinação é essencial para se atingir a imunidade de rebanho, já que a obtida através de contágio natural chegaria "ao custo de uma colossal perda de vidas humanas e muito sofrimento".

Um estudo recente realizado em Israel mostra que as vacinas anti-covid não só protegem com sucesso contra um desenvolvimento mais grave da doença, como também têm reduzido consideravelmente a taxa de transmissão.

Esse nível de imunidade exige que uma porção significativa da população global esteja vacinada, frisa Abbas, e isso também implica ministrar os imunizantes uniformemente por todo o planeta. "Não estaremos seguros até que todo mundo, por toda parte, esteja seguro", sublinha Kleczkowski.

Enquanto no Reino Unido e nos Estados Unidos quase 50% já estão completamente vacinados, e Israel vai chegando aos 60%, no Brasil apenas 11% da população recebeu as duas doses; na Índia, um pouco mais que 3%, dois países que, juntos, já registram quase 900 mil mortes por covid-19. Além disso, pode ser que sejam necessárias uma terceira ou quarta dose, a fim de proteger contra as variantes do coronavírus.

Um futuro sem covid?

Um fator que os cálculos matemáticos de imunidade de rebanho não podem levar em consideração, são as complexidades do comportamento humano. Tão logo se alcance um certo grau de imunização, é possível que se relaxem as medidas de controle como uso de máscaras, distanciamento físico e fechamento de fronteiras. Em consequência, ocorrem novos surtos, e a proteção coletiva se perde.

Por esse e outros motivos, Kleczkowski não considera útil definir a imunidade de rebanho através de uma cifra concreta. Em vez de focar em alcançar 70% ou 80%, ele considera mais eficaz pensar na imunidade como um processo gradual de erradicação do vírus, até eliminá-lo completamente.

Sua receita é manter uma combinação de medidas de controle – como testagem continuada e uso de máscaras onde as taxas de contágio são altas – e vacinação em ampla escala, assim como revacinação em reação a novas variantes.

Mesmo que não seja possível erradicar inteiramente o Sars-Cov-2 – coisa que só se conseguiu antes com a varíola – peritos como Abbas e Kleczkowski afirmam que as vacinas basicamente protegerão contra os piores efeitos da covid-19, caso novos surtos venham a ocorrer.


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