18/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

A Maria Antonieta do Planalto

Publicado em 16/06/2021 12:00 - Victor Barone

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Paulo Guedes defendeu ontem que a comida descartada pela classe média seja reaproveitada em doações para a população pobre. “Nós notamos o desperdício no Brasil, não só desde lá da produção, durante o transporte, mas até chegar no nosso supermercado e até chegar nas nossas mesas. Você vê um prato de um classe média europeu, que já enfrentou duas guerras mundiais, são pratos relativamente pequenos. E os nossos aqui, nós fazemos o almoço onde às vezes há uma sobra enorme, e isso vai até o final, que é a refeição da classe média alta”, disse ele, no 1° Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento, organizado pela Associação Brasileira dos Supermercados (Abras).

Ele propõe “utilizar esses excessos” de outra maneira: “Com toda aquela alimentação que não foi utilizada durante aquele dia num restaurante, aquilo dá para alimentar pessoas fragilizadas, mendigos, desamparados. É muito melhor do que deixar estragar essa comida toda, que estraga diariamente na mesa das classes mais altas”; “A gente pode dar um incentivo para que tudo isso seja transformado e justamente canalizado para os programas sociais. Como se fossem postos de atendimento, para que isso possa ser endereçado aos mais necessitados”.

A bola foi levantada pela ministra da Agricultura Tereza Cristina, que, logo antes, mencionou o desperdício de comida como um dos grandes problemas brasileiros. Ela sugeriu a criação de um grupo interministerial – com as pastas da Economia, Agricultura e Cidadania – para discutir, por exemplo, a ampliação do prazo de validade dos alimentos. Paulo Guedes quer também ver os supermercados crescendo ainda mais e “abrindo mais postos de atendimento”… E, claro, defendeu que para isso é preciso baratear a mão de obra. “O Brasil tem uma arma de destruição em massa de empregos, que são os encargos sociais e trabalhistas. Nós precisamos atacar isso”.

É essa a ideia que o governo Bolsonaro faz do que seria um bom combate à fome, que já crescia no Brasil antes da covid-19 e chegou a um poço sem fundo na pandemia. O mesmo governo que, desde o começo, atuou sistematicamente para desmontar as políticas públicas que tiraram o país do Mapa da Fome em 2014. Como denunciou esta antiga reportagem de O Joio e o Trigo, por exemplo, em dezembro de 2019 o país já não tinha quase nada em seus estoques públicos de feijão e arroz – sendo que o mecanismo dos estoques é fundamental para o controle dos preços.

Não que o problema do desperdício seja uma abstração completa. Ele existe tem sido abordado há tempos pela FAO (a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura). Lidar com isso é, inclusive, uma meta definida dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Ainda em 2011, a FAO apresentou um relatório estimando que nada menos que um terço de toda a comida produzida no mundo vai para o lixo. Mas, ao contrário do que diz Paulo Guedes, é nos países mais ricos (como os europeus, que passaram por guerras mundiais) que se dá o maior desperdício na fase do consumo. Na América Latina, as perdas se dão principalmente durante os estágios iniciais e intermediários da cadeia de abastecimento alimentar. Muito menos comida é desperdiçada depois que chega à casa das pessoas.

A DEVASSA 

O Itamaraty foi obrigado a entregar 700 documentos à CPI da Pandemia, totalizando mais de duas mil páginas de telegramas, emails, instruções e ofícios internos. Um assessor parlamentar disse ao repórter do UOL Jamil Chade que se trata da “maior devassa” na diplomacia brasileira nas últimas décadas.

Parte desses documentos vazou para o Valor: uma série de telegramas mostrando que o governo brasileiro, mesmo incomodado com as “cláusulas leoninas” da Pfizer e da Janssen, levou quase um ano após o início das negociações para acionar suas embaixadas pelo mundo e tentar entender se as mesmas exigências eram feitas a outros países.

As embaixadas responderam, no geral, que assumir a responsabilidade por danos colaterais era algo “natural” para os governos fazerem, considerando a velocidade em que as vacinas foram desenvolvidas. Porém, o embaixador do Brasil junto à União Europeia, Marcos Galvão, disse ter sido essa foi a única cláusula aceita pelo bloco, que rechaçou a alienação de seus ativos e a constituição de fundo garantidor. Já falamos disso aqui em outros momentos: o governo brasileiro obviamente deveria ter se empenhado nas negociações, mas esse tipo de exigência também é pouco (ou nada) palatável para outros países.

DEU BOLO

A CPI da Pandemia vai pedir que Carlos Wizard seja conduzido coercitivamente para depor e que a Polícia Federal apreenda seu passaporte até que o depoimento seja prestado. O empresário deveria ter comparecido ontem, mas está nos Estados Unidos e não foi. Sua ausência era esperada: ele tinha pedido para depor a distância, mas os senadores ainda não tinham resolvido o que fazer.  A decisão foi anunciada pelo presidente, Omar Aziz (PSD-AM). 

E o colegiado deve votar ainda a quebra de sigilo das empresas do bilionário.

Já o depoimento do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), Alexandre Marques, foi adiado por conta da votação da privatização da Eletrobras. Marques é apontado como autor do documento que minimiza o número de mortos pela covid-19 e que foi incluído indevidamente no sistema do Tribunal. A CPI quer ter acesso à investigação interna do TCU sobre ele. 

RUMOS DA CPI

Enquanto isso, o ministro do STF Kassio Nunes Marques concedeu liminares suspendendo as quebras de sigilos telefôno e telemático de Élcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde, e de Helio Angotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. 

Quanto ao tenente-médico da Marinha Luciano Dias Azevedo, apontado por Nise Yamaguchi como o autor da minuta do decreto que mudaria a bula da cloroquina, ministro Ricardo Lewandowski decidiu manter a quebra de sigilos aprovada pela CPI.

AS MILÍCIAS NA CPI

O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel colocou as milícias nos holofotes da CPI da Covid. Tentando emplacar a narrativa de que não participou de nenhum esquema de corrupção, ele afirmou que existe uma “máfia da saúde” no estado, e o grupo envolveria as OSs (Organizações Sociais) em articulação com milícias. 

Questionado sobre a suposta ação de milicianos no Hospital Federal de Bonsucesso, denunciada pelo então ministro Gustavo Bebbiano em 2019, Witzel recomendou a quebra de sigilos de empresas contratadas e ex-superintendentes responsáveis pelas unidades para descobrir quem é o “dono” dos hospitais federais. “Nos bastidores, atribui-se a Flávio Bolsonaro uma série de nomeações nas unidades”, escreve Igor Mello, no UOL

Witzel atribuiu o início da articulação de seu impeachment não às investigações de corrupção da sua gestão em contratos da saúde, mas ao avanço da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, sobretudo após o vazamento do depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde Jair Bolsonaro morava antes de assumir a Presidência.

Ouvido pela Polícia Civil, o porteiro afirmou que foi o “seu Jair” quem autorizou a entrada de Élcio Queiroz no condomínio no dia do crime, 14 de março de 2018. Ronnie Lessa, suspeito de efetuar os disparos contra a vereadora enquanto o comparsa Élcio dirigia o carro, morava no condomínio. Naquele dia, porém, a Câmara dos Deputados registrou a presença de Jair Bolsonaro em duas votações no plenário: às 14h e às 20h30. Posteriormente, laudos do MP-RJ e da Polícia Civil concluíram que quem liberou a entrada no condomínio foi o próprio Ronnie Lessa.

A menção ao porteiro fez com que Flávio Bolsonaro interrompesse o depoimento de Witzel e iniciasse um bate-boca. “Senador, pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro. Não vai me intimidar, não“, respondeu Witzel – que usou o habeas corpus concedido por Kassio Nunes Marques para interromper seu depoimento à CPI quando o senador da base governista Eduardo Girão (Podemos-CE) começou a questioná-lo. 

O ex-governador, porém, disse ter informações “graves” e prometeu voltar à CPI, caso seja feita uma reunião reservada. O requerimento de convocação dessa reunião deve ser votado hoje.

Coincidência ou não, também ontem a juíza Caroline Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Witzel que vai responder com outras 11 pessoas por organização criminosa.

TRAGÉDIA MAIS DO QUE ANUNCIADA

Duas cartas entregues à CPI da Covid mostram que a White Martins já alertava o governo do Amazonas sobre o risco de desabastecimento de oxigênio medicinal seis meses antes do colapso no estado.  Em 16 de julho, a empresa informou que trabalhava “sob a máxima capacidade” e defendeu ser “imperioso” que as autoridades levassem em consideração o aumento do consumo, aditivando em 25% o contrato.

Números apresentados na comissão pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) mostram que o contrato previa o fornecimento mensal de 250 mil m³ de oxigênio mas, àquela altura, a empresa já estava antecipando volumes contratados para meses seguintes, chegando a fornecer 413 mil m³. 

O primeiro alerta foi ignorado pelo governo do Amazonas. Isso levou a White Martins a fazer novo contato, em setembro, quando o consumo já tinha aumentado mais um pouquinho, para 424 mil m³. “Reiteramos e pedimos urgentes medidas, para não haver fornecimento sem cobertura de saldo contratual”, destacou a multinacional. Mais uma vez, ficou sem resposta. 

Em seu depoimento, o ex-secretário estadual de Saúde Marcellus Campêlo confirmou os contatos. Cínico, respondeu que, mesmo que o pedido da empresa fosse atendido, o acréscimo de 25% “não faria frente à demanda”. 

Em novembro, o consumo já havia chegado a 582 mil m³. Foi só no dia 23 daquele mês que a secretaria concluiu documentação para resguardar a compra de quantidade extra do insumo com a White Martins. O Departamento de Logística da pasta era favorável a um aditivo de 46,9% – o que foi negado pela Secretaria de Gestão Administrativa do Amazonas. No fim, o governo aumentou o valor do contrato com a empresa em… 25%. 

Não foi o único alerta ignorado pelo ex-secretário. Ele admitiu que a Fundação de Vigilância em Saúde o avisou sobre o crescimento de internação por covid-19 na rede privada na segunda quinzena de setembro. Mas, segundo Campêlo, foi apenas no fim de dezembro que deu para notar “que havia alguma coisa diferente na contaminação, que estava sendo muito mais rápida, no número de internações e no perfil dos pacientes que chegavam muito agravados”.

Mesmo assim, o ex-secretário afirmou à comissão que “ainda não havia sinais” da iminente falta de oxigênio no dia 4 de janeiro, quando a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, desembarcou na capital amazonense para promover o uso da cloroquina

Em 7 de janeiro, contudo, Campêlo disse que telefonou à Eduardo Pazuello para informar sobre o iminente colapso do oxigênio no Amazonas. Na narrativa do ex-ministro da Saúde à CPI, o problema só chegou ao seu conhecimento no dia 10 de janeiro, véspera do lançamento do aplicativo TrateCov.

Campêlo também mentiu sobre a extensão do colapso. Segundo ele, houve “intermitência de fornecimento de oxigênio” na rede pública estadual apenas nos dias 14 e 15 de janeiro. Na comissão, foi confrontado com vídeos mostrando a corrida da população por cilindros para os seus familiares – um deles de uma reportagem da BBC publicada em 26 de janeiro. Depois, o ex-secretário mudou ligeiramente o discurso, tentando fazer uma distinção entre a crise “no mercado” que, de acordo com ele, teria durado “20 dias”, e a situação das unidades da rede estadual – como se sua obrigação como autoridade máxima de saúde do Amazonas não fosse olhar o todo. 

O depoimento de Marcellus Campêlo teve mentiras e imprecisões – compiladas pelo Estadão Verifica –, além de evasivas. Tudo isso dito num tom meio desalmado. “O secretário é o depoente mais calmo que esteve nesta CPI, não sei se o senhor toma um floralzinho, ou se é frieza, porque eu não consigo ficar tão calma diante da situação. É revoltante”, resumiu a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS). 

UM CONVITE

Acontece neste sábado (19) a segunda rodada de manifestações nacionais contra Jair Bolsonaro, já confirmadas em mais de 180 municípios. Por aqui, entendemos a necessidade de ocupar as ruas e, ao mesmo tempo, a preocupação com a circulação do vírus.

VIDA REAL

REINSCIDENTE

E Jair Bolsonaro voltou a atacar ontem, em sua tradicional transmissão ao vivo das quintas-feiras. A ênfase foi na transmissão do vírus como forma de atingir imunidade coletiva. Disse que está “vacinado, entre aspas”, assim como “todos que contraíram o vírus”, e que negacionista é quem prega a continuidade do uso de máscaras após a vacinação.

Por Outra Saúde

GENTE DE BEM

O deputado estadual bolsonarista André Fernandes (Republicanos-CE), de 23 anos, foi conduzido para a Delegacia de Porto de Galinhas, após se recusar a obedecer ao decreto estadual de Pernambuco que proíbe acesso a praias em todo o estado, devido à pandemia da Covid-19. Em um vídeo que circula nas redes sociais, o parlamentar diz que se algum dos guardas tocar nele será preso e que não pode ser detido por ter imunidade parlamentar.

NA MINHA LIBERDADE…

Em Caruaru, no agreste pernambucano, um homem foi expulso do Caruaru Shopping, na tarde de quinta-feira (17), por utilizar uma faixa estampada com a suástica no braço esquerdo. O adorno estava amarrado por cima de sua blusa e chamou a atenção de clientes, que acionaram os seguranças privados. Um vídeo do momento da expulsão (ver abaixo) mostra que quando foi abordado pelos seguranças, o homem, que não foi identificado, reclama. “É a minha liberdade”. No Brasil, o uso de símbolos associados ao nazismo é crime previsto na Lei 7.716, de 1989 e prevê reclusão de um a três anos.

O secretário de Turismo, Esporte e Lazer de Maceió, Ricardo Santa Ritta chamou a atenção dos internautas no Twitter após se surpreender com o episódio.

“O Brasil tem mais artigo de lei que habitante. Hoje tomei conhecimento que usar símbolo da suástica é crime federal. Sinceramente, não sabia. O post anterior foi uma opinião pessoal minha. Achei interessante a discussão sobre liberdade de expressão por consequência disto”, escreveu.

O uso de símbolos nazistas é crime no Brasil. O artigo 20, § 1º, da Lei 7.716/89, alterada pela Lei 9.459/97, diz que “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”, tem pena de reclusão de um a três anos e multa.

HOMOFÓBICOS

No início desta semana, repercutiu nas redes sociais uma declaração homofóbica contra um casal de jornalistas gays da Globo feita pelo empresário Alexandre Geleia, dono de uma lanchonete em Brasília. No Dia dos Namorados de 2020, o repórter Erick Rianelli, que trabalha na afiliada da TV Globo de Brasília, fez uma declaração ao vivo para o seu companheiro, o também jornalista Pedro Figueiredo.

O vídeo com a declaração de amor voltou a circular na última semana em razão do Dia dos Namorados e, em um grupo de empresários, Alexandre Geleia disparou uma mensagem que rapidamente viralizou.

“Estou com 47 anos e a única coisa que o meu pai me ensinou na minha vida foi expor os meus sentimentos, expor o que eu penso, expor o que eu acho… só acho que não é necessário, não precisa expor em TV aberta, em um jornal, expor esse tipo de coisa, não vou mudar a minha opinião”, escreveu o empresário.

A reação foi rápida. Erick Rianelli respondeu e pediu às pessoas LGBT para que não comam na lanchonete de Geleia e a campanha pelo boicote ao estabelecimento cresceu nas redes.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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