20/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil desperdiça 37% da água tratada

Publicado em 23/01/2015 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Em meio a uma das mais graves crises de abastecimento no Brasil, um relatório do governo federal mostra que 37% da água tratada para consumo é perdida antes de chegar às torneiras da população.

Essa água potável é desperdiçada principalmente devido às falhas das tubulações. Além disso, também há perdas com fraudes e ligações clandestinas no caminho.

Os dados de dezembro de 2013 foram incluídos no Sistema Nacional de Informações de Saneamento Básico do Ministério das Cidades. O relatório (concluído em dezembro de 2014) é a maior base de dados do gênero e aponta ainda aumento de consumo de água per capita na maioria dos Estados.

No levantamento anterior, referente a 2012, as perdas de água no país estavam em 36,9%. Isso significa que não houve nenhuma melhoria, durante um ano, no que é considerado por especialistas como uma das principais ações contra a escassez hídrica.

A tendência, ao longo do tempo, tem sido de queda nesse desperdício, mas em um ritmo considerado ainda muito lento diante das altas taxas verificadas nos Estados.

Em 2008, 41,1% da água captada e tratada era perdida. O índice mais recente, de 37%, ainda é muito alto em relação ao de países desenvolvidos – em cidades alemãs, por exemplo, ele é próximo de 7%.

O volume de água perdida somente na Grande São Paulo – considerando a captação em todas as represas– é semelhante à produção atual do sistema Cantareira, que abastece 6,5 milhões de moradores e estava nesta terça (20) com 5,6% de sua capacidade.

Investimento

A forma como cada Estado trata do assunto também varia bastante. Enquanto no Distrito Federal as perdas nas tubulações e fraudes são da ordem de 27,3%, no Amapá esse índice chega aos 76,5%.

As empresas de saneamento argumentam que as ações de combate às perdas de água exigem um grande investimento em trocas de válvulas e encanamentos das cidades. Elas afirmam ainda ser inviável zerar essas perdas – já que os investimentos em trocas no sistema não justificariam a economia feita.

No Estado de São Paulo, as perdas no final de 2013 estavam 34%, segundo levantamento do ministério. Na região metropolitana, a taxa é próxima de 30% -e a Sabesp tem a meta de 26% em 2020.

"De todos os índices de saneamento, o que menos avança no Brasil é o de redução de perdas das tubulações", diz Edison Carlos, engenheiro e presidente do Instituto Trata Brasil, que estuda esse tema.

O instituto aponta que, das 100 maiores cidades do país, 90 não melhoraram de forma significativa seus índices de perdas nos últimos anos. Ele já estimou em R$ 1,3 bilhão os custos da água perdida em 2010. "É dinheiro que poderia ter sido revertido para mais investimentos."

Especialistas afirmam que, sem esse nível de perdas, muitas represas do país não estariam sofrendo com a atual estiagem.

Aumento no consumo

Dezoito das 27 unidades da Federação tiveram aumento de consumo per capita de água às vésperas da atual crise de abastecimento no país. Com esse resultado, a quantidade de água consumida no Brasil em 2013 ficou em 166,3 litros por habitante por dia.

Embora tenha sido 0,7% abaixo da média do ano anterior, trata-se de um aumento de 12% em relação aos 148,5 litros registrados em 2009.

A média de consumo de água da população brasileira também está bem acima do padrão recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – para quem é possível viver bem com 110 litros por dia para cada habitante.

O relatório do Ministério das Cidades aponta que os aumentos de consumo entre 2012 e 2013 ocorreram nos seguintes Estados: AC, AM, AP, PA, RO, CE, MA, PB, PI, SE, MG, RJ, RS, SC, DF, GO, MS, MT. Juntos, eles abrigam 110 milhões de moradores.

O Maranhão teve a maior alta –14%. Alagoas foi quem mais reduziu –13%, de 114 para 100 litros. Com isso, a população do Estado se tornou a que menos consome água per capita no Brasil.

O morador do Estado do Rio de Janeiro é quem mais consome, segundo os dados do ministério. Em 2013, a média foi de 253 litros por dia por pessoa – 3% a mais do que a média ao longo de três anos.

O professor da Unicamp e especialista em hidrologia Antonio Carlos Zuffo diz que "questões como políticas de redução de consumo, clima e potencial econômico de um Estado podem influenciar" esse padrão em cada área.

Em São Paulo, a média de consumo de água por dia passou de 189 para 188 litros.

Os dados são de período anterior às medidas adotadas em 2014 pelo Estado em meio à crise hídrica – como a adoção de um bônus na conta para quem economizar água.

Na região metropolitana de São Paulo, a Sabesp afirma que, de 2013 para 2014, houve queda de 22% no consumo diário por habitante.

Crise em SP

O agravamento da crise hídrica em São Paulo tem levado a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) a estudar um novo reajuste na tarifa de água a partir de abril – quatro meses depois do último aumento– e um endurecimento na cobrança da sobretaxa para quem elevar seu consumo.

As propostas (que, na prática, podem não ser simultâneas) visam reduzir a utilização de água na Grande São Paulo ao forçar mudanças de comportamento "pela dor no bolso" –expressão utilizada pela cúpula da Sabesp.

Elas são complementares a outras medidas em estudo ou definidas pelo Estado diante do esvaziamento acelerado dos reservatórios. Por exemplo, restrições ao uso da água na agricultura e aproveitamento de fontes até então relegados a segundo plano, como a poluída Billings.

A pedido do governador, os técnicos da Sabesp têm estudado novas medidas para conter a seca das represas. Nesta semana, os níveis do Cantareira e do Alto Tietê, que estão em situação mais crítica, se limitavam a 5,4% e 10,1%, respectivamente, já considerando as cotas do volume morto. Há um ano, sem volume morto, estavam em 24% e 45,8%.

Uma medida em estudo pela Sabesp prevê um endurecimento da sobretaxa que entrou em vigor neste mês, mudando a base sobre a qual incidem os descontos ou as cobranças extras aos clientes. Atualmente, quem tiver um consumo até 20% superior à própria média recebe 40% de acréscimo na conta de água. Se for acima de 20%, a sobretaxa atinge 100%.

Crise no RJ

O secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, André Corrêa, não descartou a possibilidade de ocorrer um racionamento de água no Estado daqui seis meses. Esse prazo é o tempo que duraria o estoque de água do volume morto do reservatório Paraibuna, o principal do sistema que abastece o Rio, caso não chovesse significativamente nesse período.

Corrêa afirmou que "do ponto de vista operacional" a utilização do volume morto não muda nada na situação do abastecimento do Estado, mas admitiu que o Sudeste vive a pior crise hídrica de sua história. "A minha preocupação é nem fazer terrorismo e nem dizer que está tudo bem", disse, em entrevista coletiva no Rio.

Segundo Corrêa, dos cerca de 2 trilhões de litros de água do volume morto do Paraibuna, o Estado do Rio tem direito a cerca de 425 bilhões de litros. O reservatório Paraibuna fica na território de São Paulo e seu uso é compartilhado pelos dois Estados.

"Esse volume, se não mudar nada e não chover, dá ainda para seis meses. (…) Não tem nenhum tipo de racionamento. Se tudo der errado, não descarto essa possibilidade [de racionamento] daqui seis meses", disse.

Crise em MG

Em Minas Gerais a situação também é crítica. Para evitar que as torneiras na região metropolitana de Belo Horizonte sequem em quatro meses, a nova presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Sinara Meireles, afirma que é necessário reduzir o consumo em pelo menos 30%.

"Fazemos um apelo à população para que economize água, o máximo possível. Os 30% vão ser referência para adoção de mecanismos tarifários, se for o caso de a campanha de redução voluntária não surtir efeito", disse Meireles.

Ela apresentou um relatório sobre a situação hídrica na Grande Belo Horizonte, que inclui 31 municípios, e disse que solicitou ao Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) a declaração de situação de escassez de recursos hídricos, medida importante caso seja necessário fazer um pedido extra de verba ou outros recursos.

Para sensibilizar a população, até segunda-feira (26) a Copasa deve lançar uma campanha educativa sobre a meta de redução de consumo. Cerca de 5,5 milhões de habitantes são atendidos pela empresa nessa região.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *