28/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro usa falso debate sobre mortes por Covid para encobrir inflação nas alturas

Publicado em 11/06/2021 12:00 -

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A inflação atingiu seu maior valor para um mês de maio desde 1996, com o IPCA acumulando 8,06% em 12 meses – o que vem tornando os pobres ainda mais pobres e aumenta a fome. Ao invés de dar uma explicação decente aos trabalhadores, Jair Bolsonaro desviou o foco do debate público, no último dia 9, para outro número: as 480 mil mortes por covid-19, que ele julga inflacionado artificialmente, sem apresentar uma mísera prova.

E não só. Em um culto em uma igreja evangélica em Anápolis (GO), ele mentiu ao dizer que as vacinas aplicadas na pandemia estão em fase experimental e não têm "comprovação científica", mentiu sobre a eficácia de remédios ineficazes contra a doença, mentiu ao afirmar que venceu no primeiro turno de 2018 e que a eleição foi fraudada, insinuou mais uma vez que o coronavírus foi liberado propositadamente pela China e atacou os membros da CPI da Covid.

Bolsonaro chegou a tocar no tema da inflação, mas apenas para usá-lo como justificativa para atacar quarentenas e lockdowns. E, novamente, buscou terceirizar a sua responsabilidade. "Tem inflação em alimentos, sim, não vou negar. Estamos, agora, tentando diminuir o preço do milho. Vai atingir diretamente a galinha, o ovo. De onde vem isso aí? Da política do 'fica em casa, que a economia vem depois'. Não é isso?", afirmou a apoiadores em frente ao Palácio do Alvorada.

É representativo que o presidente tenha falado sobre a redução no preço do ovo, porque o alimento se tornou o refúgio das famílias brasileiras desde que o custo da carne bovina explodiu sob o seu governo. Estudo da Universidade de Berlim apontou que o ovo foi o alimento com maior aumento no consumo pelos brasileiros na pandemia, com 18,8%. O consumo de carne teve queda de 44%.

O que não é difícil de entender diante dos preços. De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado no último dia 8, o valor médio do quilo da carne bovina de primeira aumentou nas 16 capitais avaliadas em maio em relação a abril. Salvador (6,09%), Curitiba (5,70%), Florianópolis (4,76%) e Vitória (4,57%) tiveram os maiores aumentos.

A carne, claro, não está só. O óleo de soja e o café, por exemplo, aumentaram de preço em 15 capitais em maio: Curitiba (12,75%), Porto Alegre (4,95%), Campo Grande (3,33%) e Florianópolis (3,00%) estiveram à frente na subida do óleo; João Pessoa (5,07%), Fortaleza (4,52%), Brasília (3,90%) e Curitiba (3,78%) no do pó de café.

O Dieese também divulgou que a cesta básica aumentou, no mês de maio, em 14 das 16 capitais analisadas. As maiores altas foram registradas em Natal (4,91%), Curitiba (4,33%), Salvador (2,75%), Belém e Recife (1,97%). A cesta mais cara foi a de Porto Alegre (R$ 636,96), seguida pelas de São Paulo (R$ 636,40), Florianópolis (R$ 636,37) e Rio de Janeiro (R$ 622,76).

Se no primeiro semestre do ano passado ele era de R$ 600, com o pagamento de R$ 1200 para mulheres que chefiam sozinhas suas famílias, passando para R$ 300/R$ 600 no segundo semestre, o benefício agora é de R$ 150 e R$ 250, pagando R$ 375 a mães solo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, previu, também nesta quarta, que o auxílio emergencial vá, pelo menos, até setembro. O problema é o valor, insuficiente.

Piso do auxílio emergencial não compra 25% da cesta básica em quatro capitais

O piso do auxílio emergencial não compra nem 25% da cesta básica em Porto Alegre, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro. Com benefício menor, desemprego em inflação nas alturas, os brasileiros estão se virando, trocando alimentos, alimentando-se com menos ou simplesmente não comendo mesmo. O valor poderia ser maior, mas o governo não quis.

Por fim, comparando maio de 2020 e maio de 2021, o preço da cesta subiu em todas as capitais que fazem parte do levantamento. As maiores altas: Brasília (33,36%), Campo Grande (26,28%), Porto Alegre (22,82%) e Florianópolis (21,43%).

O pacote de mentiras do presidente acabou ajudando a reduzir o espaço nos aplicativos de mensagens e nas redes sociais para o debate sobre a situação calamitosa enfrentada por conta do aumento de preços aliado ao desemprego.

Vale lembrar que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua aponta que, no primeiro trimestre do ano, 14,7% da população procurava trabalho, mas não encontrava, o que equivalem a 14,8 milhões de pessoas.

Na frente do Alvorada, ele aproveitou para culpar as políticas de isolamento social pelo fechamento do comércio e a destruição de empregos. Foi ele, contudo, que estendeu a duração da pandemia ao sabotar a compra de vacinas, o distanciamento social, o uso de máscaras, as quarentenas e promover remédios sem eficácia. Poderíamos estamos todos vacinados e na rua se Jair tivesse atendido as ofertas da Pfizer e do Instituto Butantan.

Enquanto conta mentiras sobre a pandemia, que colocam em risco a vida das pessoas que nele acreditam, ele esconde sua responsabilidade sobre o caos sanitários instalado no país. E aproveita para tirar o foco do debate sobre o aumento no preço da comida. O que mostra que o presidente é competente em criar novas formas de produzir cortina de fumaça. Pena que o mesmo não possa ser dito sobre garantir alimento na mesa.

Algo está errado quando presidente usa falsidade para provar que está certo

Pessoas que têm a cabeça dura não se dão conta de que o pescoço é uma das partes mais encantadoras do corpo humano. Graças à rotatividade do pescoço, mesmo as cabeças mais maciças podem analisar o mundo de vários ângulos, sem maniqueísmo. Poucas verdades absolutas resistem a uma guinada de pescoço.

Numa pandemia em que os gestores públicos brigam entre si, favorecendo a proliferação do vírus, o cidadão que paga a conta do desastre sanitário deve notar que todo fato comporta três versões: a do presidente da República, a dos seus opositores e a versão verdadeira.

Acossado pela CPI da Covid, que ilumina os calcanhares de vidro do governo, Bolsonaro age como se considerasse que os fatos são volúveis. Ele não acha justo que uma nação se submeta aos fatos sem poder reagir. É como se o presidente perguntasse: por que o país deve conviver com a contagem ascendente de mortos por covid se o vírus não teve nenhum respeito pela teoria de que a pandemia era uma "gripezinha", que já estava no "finalzinho"?

Na última segunda-feira, Bolsonaro achou que seria uma boa ideia remodelar os fatos. O presidente insinuou, no cercadinho do Alvorada, que governadores estão inflando o número de mortos por covid para arrancar mais dinheiro do Tesouro Nacional. Atribuiu a hipotética informação a uma auditoria do Tribunal de Contas da União. Verificou-se que não havia auditoria, mas um relatório clandestino enfiado sorrateiramente por um auditor no sistema do TCU, sem vínculo formal com nenhum processo.

Identificado, o auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques foi afastado preventivamente de suas funções. Será alvejado por um processo administrativo e por um inquérito da Polícia Federal. Suspeita-se que o personagem seja ligado aos filhos de Bolsonaro.

É uma pena que a paz de espírito nacional não possa ser restaurada por meio de falsas auditorias. Infelizmente, os fatos não deixam de existir porque são ignorados. A realidade do Brasil continua sendo de uma simplicidade hedionda. É simples como o ABC.

A, o governo demorou a entrar na corrida mundial por vacinas. B, a escassez de vacinas empurra o Brasil para uma terceira onda de contágio do coronavírus. C, o número de mortos roça a casa dos 480 mil, com viés de alta. Numa conjuntura tão adversa, um presidente que acha que pode recorrer a falsidades para demonstrar que está certo prova que alguma coisa está mesmo muito errada.


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