23/04/2024 - Edição 540

Brasil

Invasões e ataques nos territórios indígenas escancaram avanço do garimpo ilegal

Publicado em 03/06/2021 12:00 -

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No fim de maio, territórios indígenas munduruku registraram ataques de garimpeiros ilegais. A casa de uma liderança indígena foi incendiada no município de Jacareacanga, no Pará. Os ataques acabam fazendo parte de um contexto de expansão do garimpo ilegal no Brasil, cujos impactos são associados a conflitos com indígenas e órgãos do governo, além da devastação ambiental.

“Esses empreendimentos vêm assumindo um tamanho comparado ao de atividades industriais de mineração. Como eles são ilegais, eles mudam cursos de rios, promovem o desmatamento, sem que haja a necessária recomposição do terreno ou sem que haja a necessária autorização para que isso seja feito”, aponta o professor Pedro Luiz Côrtes, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, lembrando também da deposição de mercúrio nos rios, o que pode gerar a contaminação de populações que ingerem esses peixes como alimento.

Do ponto de vista territorial, a expansão do garimpo ilegal pode promover conflitos entre os criminosos e órgãos como a Polícia Federal e a polícia do Ibama. Soma-se a isso, o próprio contrabando que caracteriza a prática ilegal do garimpo: “Tem um problema relacionado à evasão de recursos naturais do ouro por meio do contrabando. Como é uma atividade ilegal, os garimpeiros têm uma dificuldade de legalizar essa comercialização, porque eles não conseguem provar que eles têm uma autorização de lavra, então isso vai para um mercado paralelo e acaba incentivando muito o contrabando”, explica o professor.

Diante desse contexto, é possível analisar os fatores que contribuem para a perpetuação desse problema: “Há uma tolerância por meio de corrupção. Então há pessoas que se beneficiam com isso e também há políticos locais que acabam incentivando esse tipo de ação, porque eles acabam também se beneficiando, recebendo recursos ou por vezes até financiando esse tipo de atividade, não é uma atividade que seja de baixo custo não”. 

Sem verba para a defesa

Em decisão no último dia 1º, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso registrou seu "desalento" com o fato de o Ministério da Defesa ter informado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que não tinha recursos, em maio, para auxiliar a Polícia Federal na operação contra garimpos ilegais na Terra Indígena Munduruku, no Pará.

Na decisão, o ministro menciona informação enviada pelo Ministério Público Federal e um ofício enviado ao Ministério da Justiça no dia 18 de maio pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, segundo o qual não havia recursos orçamentários e, por isso, os militares não iriam apoiar a operação da Polícia Federal chamada de Mundurukânia.

Em retaliação à operação – que acabou deflagrada pela Polícia Federal cinco dias depois do ofício da Defesa sem a participação de tropas das Forças Armadas -, garimpeiros da região de Jacareacanga (PA) ameaçaram lideranças indígenas contrárias à exploração mineral da terra indígena e incendiaram a casa de Maria Leusa Munduruku, líder indígena.

"Além disso, segundo informação transmitida ao Juízo pelo Ministério Público Federal e noticiada pela imprensa, as Forças Armadas não puderam participar da operação por falta de verbas, o que se espera possa ser solucionado para as próximas operações. Registro com desalento o fato de que as Forças Armadas brasileiras não tenham recursos para apoiar uma operação determinada pelo Poder Judiciário para impedir o massacre de populações indígenas", escreveu Barroso na decisão desta terça-feira. O ministro do STF determinou que o ministro da Defesa, o general da reserva Braga Netto, seja intimado "para ciência desta decisão".

Barroso é o relator da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 709, ajuizada pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) no ano passado no STF para assegurar a saúde dos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus, incluindo o pedido de retirada de invasores de sete terras indígenas consideradas em situação mais crítica. A ADPF também foi proposta por partidos políticos de oposição e nela atuam, como amicus curiae, a Defensoria Pública da União e organizações não governamentais.

Na mesma decisão desta terça-feira, Barroso determinou que a Polícia Federal "adote, de imediato, todas as medidas necessárias a assegurar a vida e a segurança dos que se encontram na TI Munduruku e imediações, deslocando efetivos para a região ou majorando-os se necessário".

O ministro determinou ainda que seja ouvido, no prazo de 48 horas, o superintendente da Polícia Federal responsável pela operação "sobre a situação da área, o contingente de policiais que permaneceu no local e a sua suficiência para assegurar a proteção das comunidades indígenas".

Após a divulgação feita pela coluna de que o Ministério da Defesa cancelou seu apoio à operação da PF, o órgão confirmou que "aguardava a liberação de recursos orçamentários", mas distorceu e procurou negar a reportagem, ao misturar situações diferentes de Estados diferentes. Em nota, disse que apoiava operações da PF nas terras indígenas Yanomami e Karipuna. Mas elas se localizam nos Estados do Amazonas e de Rondônia, não no Pará, que era o objeto da reportagem.

Sobre a operação do Pará, foco do ofício do Estado-Maior Conjunto, o Ministério da Defesa afirmou, na nota: "O Ministério da Defesa aguarda a liberação de recursos orçamentários extraordinários em ação orçamentária específica deste Ministério para atender às operações contidas no Plano Operacional da Polícia Federal, para o pleno atendimento à decisão da ADPF 709, especialmente na região fora da faixa de fronteira".


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