24/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Um exército acovardado

Publicado em 02/06/2021 12:00 - Victor Barone

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As três moedas concedidas por Bolsonaro aos militares — prestígio, poder e dinheiro — pesaram na decisão de não punir general. E mais: Como surgiu a variante gamma da covid em Manaus. Faltam vacinas: a Anvisa liberará a Sputnik?

A “motociata” do dia 23 de maio teve concentração, trajeto definido e discurso em cima de carro de som no final. Jair Bolsonaro agradeceu à direita. “Quem quer voto impresso?”, dizia um locutor para animar o público, em referência a uma das ideias preferidas do presidente para minar a fé no processo eleitoral brasileiro. Com olho, nariz e boca de manifestação política, o passeio dos “motoqueiros do apocalipse” contou com a participação do general da ativa Eduardo Pazuello, ao arrepio do Regulamento Disciplinar do Exército e do Estatuto dos Militares. 

Ontem, o comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou o procedimento administrativo aberto contra Pazuello. Com isso, abriu as portas para que mais militares da ativa sigam o exemplo do general, num processo que tem tudo para ir além – violentamente além.

Em uma nota de apenas três frases, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que o comandante “analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente” por Pazuello. A defesa, apresentada no dia 27, é um escárnio: afirma que a manifestação não era um evento político-partidário. Que o país não está em período eleitoral – como se atos políticos estivessem restritos a esse calendário. E também que Bolsonaro não é filiado a partido político. 

Há dias a punição a Pazuello era assunto na mídia. Poderia variar desde uma prisão disciplinar, logo descartada, a uma repreensão por escrito ou a mera advertência verbal, cujo teor poderia nem vir a público. Nem isso Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira topou. O comandante do Exército está apegado ao cargo a esse ponto. 

Já há um conjunto de versões tentando aliviar o lado dos fardados. Oficiais procuram repórteres para dizer que, dentro o Alto Comando do Exército, houve quem discordasse de Paulo Sérgio. Que, no generalato, a “maioria” já havia se declarado a favor da punição… Ao mesmo tempo, tentam vender a versão de que “qualquer decisão geraria problemas e que uma eventual a punição a Pazuello representaria por tabela uma reprimenda ao presidente, por causa da presença de Bolsonaro no mesmo palanque”. 

“Tudo balela”, resume a jornalista Malu Gaspar. “Agora, não vai faltar quem se apresse a enviar a imprensa recados na direção contrária. Vão dizer que Bolsonaro é, em última instância, o comandante máximo das Forças Armadas. Dirão ainda que, se ele decidisse revogar a decisão de Paulo Sérgio, o prejuízo à imagem do Exército seria ainda maior”, continua, lembrando que o Exército já desafiou a autoridade de outros presidentes quando achou conveniente. “Quando Dilma Rousseff exigiu uma punição para o então general Hamilton Mourão, que em 2015 convocou militares para um ‘despertar patriótico’ e para a mudança do status quo, o comandante, general Villas Boas, negociou uma espécie de punição branca e transferiu Mourão de um comando militar para um setor burocrático, sem tropas”.

A palavra que mais se lê no noticiário desde ontem é “pressionado”. Como se Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira tivesse se visto num beco sem saída. É claro que houve pressão, e que ela culminou na nomeação de Eduardo Pazuello para um cargo no Palácio do Planalto na segunda-feira. Mas o episódio, caracterizado pelo historiador Carlos Fico como “uma posição inédita de submissão”, parece provar definitivamente que há um sólido consórcio de interesses unindo o presidente e os militares. Da mesma forma que Bolsonaro não quer deixar a cadeira em 2022, os fardados não abrem mão dos cargos e vantagens.

“Jair Bolsonaro seduziu as Forças Armadas com três moedas: prestígio, poder e dinheiro. Em troca, exigiu uma só: a submissão completa ao seu projeto político. O capitão subiu a rampa com sete ministros militares. O loteamento se espalhou pelos escalões inferiores da máquina pública. Mais de seis mil fardados se penduraram em cargos civis. Quem não ganhou emprego embolsou vantagens no contracheque. Os integrantes das Forças Armadas foram poupados da reforma da Previdência. Além de manter privilégios, arrancaram novos penduricalhos. No mês passado, uma canetada autorizou militares da reserva a furar o teto constitucional. Alguns generais passarão a receber supersalários acima dos R$ 60 mil por mês”, lista Bernardo Mello Franco. 

A corrupção da coisa pública atinge níveis inauditos. Ao mesmo tempo em que o Ministério da Defesa responde ao ministro Luís Roberto Barroso que não tem dinheiro para salvar os Yanomami e Munduruku de violentos ataques de invasores aos seus territórios, a pasta desenha dois programas de pesquisa – Propex-Defesa e Pró-Estratégia – em que o pesquisador militar ligado às Forças Armadas será enviado ao exterior ao custo de US$ 300 mil por ano. Sabe quanto custa a bolsa oferecida por Capes ou CNPq aos civis? Um décimo disso: US$ 30 mil dólares, mostrou a Piauí

A distinção entre civis e miliares, contudo, se apaga – quando em benefício dos últimos. Além dos cargos civis que ocupam, e do assalto aos cofres públicos, se depender do comandante do Exército os fardados da ativa poderão participar de manifestações políticas e até subir em palanques. Armados, quem sabe onde vão parar para defender suas preferências e privilégios?

“Pazuello sai incólume no momento em que policiais militares acham por bem prender pessoas que criticam o presidente ou, pior, atiram balas de borracha nelas. Qual será o limite para que a munição real seja empregada?”, pergunta Igor Gielow. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos, que não devem demorar: há manifestação pelo impeachment de Jair Bolsonaro marcada para o dia 19 de junho, e outras podem acontecer antes, no dia 13 durante a abertura da Copa América. 

Por Outra Saúde

O ex-ministro e general Carlos Alberto Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo no início do mandato de Jair Bolsonaro, publicou nesta sexta-feira (4) um texto nas redes sociais em que se diz envergonhado pela decisão do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por ter participado de um ato político com o presidente Jair Bolsonaro. Para Santos Cruz, a decisão é uma “desmoralização para todos nós” e afirma que o presidente “procura desrespeitar, desmoralizar pessoas e enfraquecer instituições”.

PANELA NELE

Em rede nacional de rádio e televisão, Bolsonaro reagiu ao cerco que se forma em torno do seu projeto de reeleição com um discurso de presidente sem comprovação científica. A boa notícia é que o índice de desfaçatez do orador não aumentou, continua nos mesmos 100%. Falou mal dos outros, bem de si e do seu governo. Teve a voz abafada pelo som das panelas, trilha sonora do resto do seu mandato.

IMORRÍVEL, IMBROXÁVEL E INCOMÍVEL

Bolsonaro foi infectado pelo vírus que inocula a ilusão no organismo. Em fase de delírio, o presidente sofre o pior tipo de ilusão. A ilusão de que preside. Bolsonaro acha que é uma coisa. Mas sua reputação revela que ele já se tornou outra coisa. O presidente acaba de perder o monopólio do asfalto. A oposição encheu as ruas. Alheio a tudo, o presidente pendurou nas redes sociais uma foto. Nela, aparece segurando uma camiseta com três palavras: "Imorrível, imbroxável e incomível." Hummmmmm… Será?

Na política, a morte é anterior a si mesma. Às vezes, o sujeito já começou a morrer e não sabe. Bolsonaro, por exemplo, é um vivo tão pouco militante que o eleitor começa a lhe enviar coroas de flores. Sua taxa de rejeição bateu em 54%, informa o Datafolha.

A virilidade, quando é real, costuma ser exercitada em silêncio. A de Bolsonaro parece existir apenas no gogó. Prometia há semanas editar decreto para revogar medidas sanitárias restritivas. O imbroxável brochou no instante em que protocolou no STF ação contra três estados: PR , PE e RN. Sabe que sofrerá uma derrota.

Incomível? Em cartaz há apenas um mês, a CPI da Covid já desnudou Bolsonaro. Uma mosca jura ter testemunhado na intimidade do Alvorada o instante em que o capitão colocou na vitrola uma música do grupo Mamonas Assassinas. Virou hit de festas infantis na década de 90. O verso mais pungente fala do drama de uma alma atormentada que se meteu numa suruba: "Já me passaram a mão na bunda e ainda não comi ninguém."

Não. Nem apenas imorrível, nem imbroxável, nem incomível. Bolsonaro revela-se, na verdade, um rematado incompetente.

Por Josias de Souza

AS MOÇAS DA CLOROQUINA

A participação de Nise Yamaguchi e o depoimento de Mayra Pinheiro na CPI da Pandemia tornaram mais visíveis as dificuldades de se enquadrar racionalmente – ou objetivamente, como diria o relator da comissão – o bolsonarismo. Se por um lado as médicas passaram vergonha seja não distinguindo um protozoário de um vírus, seja confundindo a logomarca da Fiocruz com um pênis, por outro fica a impressão de que conseguiram o que se temia: fazer da cloroquina uma grande cortina de fumaça para os crimes do governo Jair Bolsonaro. 

Para isso, emulam um tom técnico para afirmar que a comunidade científica está dividida – até hoje – em torno da eficácia da droga para o tratamento da covid-19, o que não é verdade. Se houve dúvidas, elas não existem mais tem um bom tempo. Mas a tática transforma a CPI em um show de prestidigitação em que médicas com “voz calma”, como disse Omar Aziz (PSD-AM) ontem, são auxiliadas por governistas mais ou menos delirantes e empurram, por vezes, a oposição para interrogatórios surreais. 

“O governo e a oposição têm ficado entretidos num debate que sequer faz sentido do ponto de vista da ciência, numa armadilha argumentativa cujos caminhos tentados até agora obtiveram pouco sucesso. Isso tudo alimenta a desinformação”, notam Leonardo Barchini e Pedro Bruzzi, que analisaram o Twitter e constataram que a “ressurreição dessa tese curandeira” nos posts do Brasil, especialmente a partir de maio, quando começaram os depoimentos da CPI. Em 2021, os brasileiros detém nada menos do que 81% das publicações sobre a droga no Twitter em todo o mundo. 

Tanto Yamaguchi quanto Pinheiro tentaram, como identificou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-ES), transformar seu depoimento em uma “palestra científica”. “Não estamos falando de autonomia do médico no trato de um paciente”, notou ele, continuando: “Estamos falando sobre políticas públicas executadas sem base científica concreta. E já são 462.966 mortos.”

O DOCUMENTO

Apesar do esperado uso político da CPI por todos os envolvidos, a cada depoimento surgem mais peças para montar o quebra-cabeças do que motivou (e motiva) o governo federal a estimular a livre circulação de pessoas e vírus. 

Ontem, Nise Yamaguchi deu sua versão dos fatos que cercaram a agenda no Palácio do Planalto no dia 6 de abril de 2020, que já havia sido citada por Luiz Henrique Mandetta e Antonio Barra Torres (Anvisa). Agora sabemos que, numa primeira parte do dia, houve reunião de Bolsonaro com Yamaguchi, Osmar Terra e outro cloroquiner, o tenente-médico Luciano Dias Azevedo. Nesse encontro, segundo Barra Torres, teria sido discutida uma minuta de decreto para mudar a bula da cloroquina, incluindo previsão do tratamento da covid-19. 

Os senadores conseguiram arrancar de Yamaguchi a explicação de que foram debatidas duas coisas diferentes. A minuta de decreto – que seria para disponibilizar o kit-covid no SUS – e os caminhos para mudar a bula da cloroquina. 

Segundo ela, a minuta chegou a seu conhecimento por mensagem enviada ao seu celular por Luciano Dias Azevedo. A médica procurou um cartório para buscar registrar a autenticidade das mensagens recebidas no último 13 de maio – dois dias depois do depoimento do presidente da Anvisa. E entregou o documento aos senadores.  

Nas mensagens, trocadas no mesmo dia da agenda no Planalto, os dois discutem a minuta de um decreto em que o presidente da República manda “disponibilizar” cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina “a toda rede de saúde”. Depois de receber o texto, Yamaguchi responde: “Oi Luciano, este decreto não pode ser feito assim, porque não é assim que regulamenta a pesquisa clínica. Tem normas próprias. Exporia muito o presidente”. 

Mas na CPI, ela afirmou que houve o debate sobre a resolução editada em 17 de março de 2020 pela diretoria colegiada da Anvisa que trata de mudanças pós-registro de medicamentos durante a pandemia, ou seja, de alterações na bula.

Resumo da ópera: dois médicos sem cargo no governo federal eram influentes a ponto de liderar discussões sobre políticas assistenciais e regulatórias. Escreviam ou pelo menos opinavam em minutas de decreto. 

MENTIRAS E INVENÇÕES

Além de não responder as já esperadas perguntas do senador Otto Alencar (PSD-BA) sobre a qual classe de coronavírus o SARS-CoV-2 pertence (o treinamento dos governistas já deveria ter dado conta desse script nessa altura do campeonato), Nise Yamaguchi passou várias vergonhas ontem. 

Questionada na CPI, afirmou que não se vacina por ser portadora de Síndrome de Raynaud, uma doença autoimune que causa vasculites. Não demorou muito para que as sociedades brasileiras de Reumatologia (SBR) e Imunização (SBIn) afirmassem que é o contrário: não só a condição não impede o recebimento da vacina, como o mais indicado é tomá-la. 

Outro momento constrangedor se deu quando a médica citou um estudo realizado pela Fundação Henry Ford como exemplo de pesquisas científicas realizadas que sustentassem o uso da cloroquina no tratamento da covid-19. Coube ao senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) informá-la que o estudo havia sido descontinuado em dezembro de 2020 por falta de evidências suficientes. “Essa informação eu não tinha”, admitiu Yamaguchi.

Ela também foi confrontada com uma entrevista que concedeu à TV Brasil em julho de 2020, quando afirmou que, por aqui, a imunidade de rebanho seria atingida “sem muitos traumas”. Quatrocentas mil mortes depois, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) perguntou para a médica se ela mantinha a posição. “Nós tínhamos uma realidade diferente”, justificou-se, argumentando que ninguém imaginava que o vírus poderia… sofrer mutações. “Nós imaginávamos que uma segunda onda e uma terceira onda viriam com os mesmos vírus. Se viessem com os mesmos vírus, nós teríamos, sim, uma imunidade. Então, para aquele momento, a discussão era pertinente.”

PRESENTE 

O general Eduardo Pazuello ganhou um novo cargo: foi nomeado por Jair Bolsonaro como titular da Secretaria Especial de Estudos Estratégicos da Presidência da República. Terá um salário de R$ 16.944,90. Ele estava até agora como adido na Secretaria-Geral do Exército, um órgão burocrático, à espera de uma nova posição militar; acabou voltando ao governo mais uma vez em um cargo civil.

TEREMOS CIRCO

Apesar do absurdo, o governo federal confirmou que o Brasil vai receber a Copa América, que começa já no próximo dia 13. Os governadores do Distrito Federal, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Goiás aceitaram receber os jogos, apesar de estarem todos com mais de 80% de suas vagas de UTI para covid-19 ocupadas: no Mato Grosso a taxa é de 95%; no Rio, 94%; em Goiás são 89,8%; e, no DF, 87,2%.

São Paulo quase entrou no grupo. O governador João Doria (PSDB), chegou a dizer que o estado poderia participar “obedecendo todos os protocolos rigorosamente”: “Temos em São Paulo, autorizados pelo governo, os campeonatos estaduais, sul-americano e torneios para os mais jovens. Temos a Copa do Brasil e o Brasileirão. Se tivermos discurso coerente, temos de parar o futebol em São Paulo, então. Todos os torneios têm de parar”, declarou. Horas depois, voltou atrás. Os cientistas do Comitê de Contingência do estado o informaram de que a decisão “representaria uma má sinalização de arrefecimento no controle de transmissão do coronavírus”.

O presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, agradeceu ao presidente Bolsonaro pela “eficiência na tomada de decisões” e garantiu “toda a segurança possível”. Não haverá público, mas, como dissemos ontem, são equipes de nove seleções estrangeiras se deslocando pelas cidades por no mínimo duas semanas. 

Até Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara eleito com o apoio de Bolsonaro, criticou o evento. “Não é uma competição de extrema necessidade para o futebol mundial, poderia ter sido adiada para o fim do ano ou começo do ano que vem”, disse. Não seria a primeira vez: há um século, o Brasil adiou o mesmo campeonato porque milhares morriam com a gripe espanhola. Até nisso regredimos. 

O ministro do STF Ricardo Lewandowski pediu esclarecimentos à Presidência da República sobre a decisão. O Palácio do Planalto tem cinco dias para responder.

A notícia caiu como uma bomba nas redes sociais, principalmente porque o torneio está marcado para começar… em duas semanas, no dia 13 de junho. Para leigos e especialistas, a rápida concordância do Brasil diante da negativa argentina em sediar a competição sozinha neste momento é prova de que não houve análise epidemiológica. 

“Claro que não existe uma programação ou estratégia para evitar que o contágio aconteça”, afirma Diego Xavier, pesquisador da Fiocruz, em entrevista ao Globo. “Comparando a Libertadores com a Copa América é como pensar num feriado eventual, em que poucas pessoas se movimentam, e no feriadão de Natal e Ano Novo com muitas pessoas se movimentando ao mesmo tempo”, continua ele. Na Copa América, as seleções ficarão hospedadas por, pelo menos, 15 dias. “Nesse período, haverá deslocamentos para treinos, hotéis, jogos e, possivelmente, outras cidades. E quase tudo simultaneamente”, descreve o jornal. 

“A Conmebol se valeu do negacionismo do Brasil para trazer a competição para cá”, resumiu Robson Morelli, no Estadão. “”Como assim? Por que sediar um evento internacional neste momento e com apenas duas semanas para planejar qualquer ação de saúde e prevenção. Não há tempo nem de vacinar os envolvidos”, criticou, por sua vez, a apresentadora Fátima Bernardes.

Sim. A história piora porque embora a Conmebol tenha recebido do governo uruguaio uma doação de 50 mil doses de vacinas, até o momento, apenas Uruguai, Paraguai, Equador, Chile e Venezuela estão vacinando seus jogadores e membros das comissões técnicas. Como o imunizante é a CoronaVac, são necessárias duas doses, que deve ser aplicada com intervalo que varia entre 14 e 28 dias. Não é difícil fazer as contas e ver que a competição pode acontecer com muita gente sem proteção completa. 

No ritmo do improviso, a CBF estuda burlar a lei brasileira que prevê a doação de 50% de qualquer vacina conseguida fora do Programa Nacional de Imunizações para o SUS. Um total de cinco mil doses caberia à CBF. Segundo o Estadão, uma partida no Paraguai no dia 8 de junho seria a deixa para que jogadores e equipe técnica se vacinassem naquele país. A questão continua sendo, é claro, como eles vão tomar a segunda dose em pleno torneio.

MULTIDÕES NAS RUAS

Multidões foram às ruas no sábado passado, em pelo menos 180 cidades, protestando contra o governo Jair Bolsonaro e pedindo por vacinas e auxílio emergencial – e, de quebra, mandando  um claro e necessário recado ao Congresso. Não havia acontecido nada parecido desde o começo da pandemia. As manifestações tiveram destaque em veículos de comunicação internacionais e chegaram a ser manchete no site do britânico The Guardian, mas não se pode dizer o mesmo dos brasileiros.

Na TV, as reportagens ao vivo nos principais canais de notícias foram quase insignificantes (veja aqui e aqui), principalmente quando comparadas à extensa cobertura dos protestos nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd, no ano passado. O Jornal Nacional deu três minutos. No domingo passado, os principais jornais – cujos repórteres, aliás, têm feito um ótimo trabalho na cobertura da pandemia – não consideraram os protestos como uma notícia digna de capa. O Estadão preferiu dar destaque ao fato de que “Cidades turísticas se reinventam para atrair o home office”; o Globo deu uma manchete positiva sobre a economia (“O PIB reaquece”) e uma foto grande de Gilberto Gil, para falar dos famosos que já foram vacinados… A exceção foi a Folha, que deu o devido relevo ao acontecimento mais importante do fim de semana.

Neste último jornal, a coluna de Mathias Alencastro diz que “o cortejo tinha a alma de uma marcha fúnebre“, o que torna ainda pior a falta de visibilidade: “Muitas vezes, quem critica a cobertura dos meios de comunicação desconhece a complexidade do noticiário de um grande jornal ou de um canal de televisão. Mas é difícil encontrar uma justificativa para omitir a dimensão cerimonial da manifestação política de sábado (29). Os meios de comunicação que acompanharam intensamente o sofrimento dos brasileiros durante a pandemia, mas optaram por dar pouco destaque à manifestação, fizeram mais do que privar a sua audiência de uma notícia importante. Eles cometeram um erro editorial: não souberam distinguir o luto do protesto”. 

Bolsonaristas estão usando as “aglomerações” para afirmar que a esquerda perdeu seus argumentos. Esse raciocínio nem seria possível, se as formas de contágio e as melhores medidas de prevenção tivessem tido maior destaque ao longo do último ano. Mas, agora, cá estamos. Com ou sem protestos, os casos de covid-19 no Brasil já estão subindo e devem continuar assim. Para não permitir que as manifestações sejam culpabilizadas por isso, cabe colocar as coisas em seus devidos lugares, deixando claro o que oferece maior ou menor perigo. E dizer com todas as letras que não há comparação possível entre protestos realizados da forma mais segura possível, por quem quer o fim da pandemia, e manifestações de pessoas sem máscara em apoio a quem nos colocou nessa enrascada.

Em tempo: no Recife, a Polícia Militar repreendeu os manifestantes com violência. Dois homens (que sequer participavam do protesto) foram atingidos no olho por balas de borracha e perderam parte da visão.

SENTIU

Jair Bolsonaro evitou comentar os protestos, mas postou uma foto nas redes sociais segurando uma camiseta com os dizeres: “Imorrível, imbroxável, incomível“. Então tá…

Ele também intensificou sua agenda de viagens pelo país, e os compromissos incluem reinaugurações de obras já realizadas ou iniciadas por gestões anteriores, segundo o Estadão. Desde o começo do ano, essas viagens já consumiram R$ 1,67 milhão, só em diárias da sua equipe de segurança. 

Por Outra Saúde

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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