25/04/2024 - Edição 540

Brasil

Bolsonaro prepara decreto que dificulta controle de fake news espalhadas nas redes

Publicado em 21/05/2021 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro prepara um decreto que cria obstáculos para o controle da disseminação de informações falsas, as fake news, e a suspensão de contas em redes sociais e sites. A iniciativa vem após Bolsonaro, seus filhos e influenciadores bolsonaristas terem tido várias publicações retiradas do ar por não serem verdadeiras.

A intenção do governo é vista por muitos especialistas como ilegal e, para eles, eventuais mudanças nas regras sobre conteúdos nas redes deveria ser feita Congresso Nacional.

O texto impede que plataformas como Google, Youtube, Twitter, Facebook e Instagram excluam publicações baseando-se apenas em violações das políticas próprias. Passariam a precisar de uma decisão judicial, exceto em episódios de violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nudez, apologia ou apoio ao crime, incitação à violência, pedidos do próprio usuário ou de terceiros.

Ainda de acordo com o decreto, a fiscalização sobre a retirada do ar de alguma publicação ficaria a cargo da Secretaria Nacional de Direitos Autorais, atualmente sob comando de Felipe Carmona Cantera, segundo O Globo. O advogado é ex-assessor do deputado estadual de São Paulo Gil Diniz (sem partido), conhecido como Carteiro Reaça. Diniz foi acusado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) de propagar fake news contra adversários, além de ter sido citado em inquérito do Supremo Tribunal Federal que apura atos contrários à democracia.

Subverte o Marco Civil

Especialistas entendem que a proposta é ilegal e que eventuais mudanças nas diretrizes que regem as publicações em sites e redes sociais deveriam ter amplo debate no Congresso Nacional.

“O projeto subverte o Marco Civil. Se o decreto fosse publicado, mudaria radicalmente como as redes sociais funcionam no Brasil. Além disso, instituiria um órgão público que vai dizer como as plataformas vão aplicar medidas de moderação na internet” disse, para o jornal O Globo, Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro de pesquisa especializado em direito e tecnologia.

Brito Cruz rechaça a alegação da Secretaria Nacional de Direitos Autorais de que a lei impediria que os provedores sejam responsabilizados por publicação de usuários e, portanto, as empresas não teriam o direito de retirar suas postagens. “O que está na lei é que os provedores de aplicação, como o Google ou Facebook não podem ser responsabilizados pelo conteúdo gerado por terceiros em um caso específico: se não receberem uma ordem judicial para retirar. O que o projeto diz é que qualquer retirada de conteúdo que não seja por ordem judicial é proibida. Isso não é o que a lei diz.”

O professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Carlos Affonso Souza, diz à Folha de S. Paulo que “o decreto restringe a liberdade das empresas de gerir seus ambientes online. Vai assoberbar o Judiciário com casos triviais”. Ao mesmo veículo, o professor de Direito no UniCeub e integrante da Coalizão Direitos na Rede, Paulo Rená, afirma que o texto pode dificultar a remoção de conteúdos relacionados a fake news e discursos de ódio. De acordo com ele, lacunas na minuta podem manter intactas contas que divulgam nudez, por exemplo, antes de uma ordem explícita da Justiça.

Flávia Lefèvre, advogada do Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Intervozes, avalia que a medida de Bolsonaro contra as redes sociais é ilegal.  Segundo a advogada, o que pode ser feito pelo presidente da República é regulamentar via decreto o Marco Civil da Internet. Porém, o que Bolsonaro quer fazer é uma mudança radical, tornando essa legislação irregular.

“Ele diz que o objetivo da proposta seria alterar o decreto 8.711, de 2016, que é o decreto que regulamenta o Marco Civil na internet. Ocorre que quando a gente lê o texto da proposta de decreto a gente conclui facilmente que a proposta altera o Marco Civil, o que é uma distorção, porque uma lei só pode ser alterada por outra. O Bolsonaro não está regulamentando. É uma mudança radical, que jamais poderia se dar por decreto presidencial”, afirma Flávia.

O professor Laurindo Lalo Leal, que integra o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e é diretor do Centro de Estudos Barão de Itararé, comenta que o decreto pretendido por Bolsonaro torna mais fácil a proliferação de informações falsas e mensagens de ódio.

“O governo tenta através de um decreto atropelar algo que vem sendo trabalhado com muito empenho por amplos setores da sociedade para enfrentar esse problema das fake news, das mensagens de ódio, sem prejudicar a liberdade de expressão, que deve ser defendida, menos quando essa liberdade é usada contra a sociedade, contra os valores humanos que devem, nesse caso, prevalecer acima da liberdade de expressão”, defende.

Circulação de fake news cresce após falas de Bolsonaro na TV, aponta estudo

Os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro em rede nacional de TV resultaram em aumento na circulação de notícias falsas relacionadas à pandemia do novo coronavírus nas redes sociais.

O apontamento está em um estudo publicado pelo Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais, da UFPel (Universidade Federal de Pelotas).

O relatório observa que apoiadores do governo federal transformaram frases com desinformações do presidente em mensagens para serem compartilhadas em redes sociais.

Um dos casos analisados pelos pesquisadores aconteceu no discurso de 24 de março de 2020, quando Bolsonaro chamou a covid-19 de "gripezinha", criticou a imprensa e o fechamento de escolas.

Em grupos públicos de WhatsApp, por exemplo, o dia seguinte teve um pico de notícias falsas, com 4.036 compartilhamentos. No dia anterior, eram apenas 410. Isso representou 884% de aumento, segundo dados monitorados pelo estudo através do Monitor do WhatsApp, iniciativa da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Uma das mensagens, reproduzida no estudo, diz que "o país vai quebrar" se as pessoas saudáveis não trabalharem em meio à pandemia.

Alta também foi verificada no pronunciamento de 31 de março de 2020, porém com menos intensidade, já que Bolsonaro mudou o tom e passou a tratar o vírus como "realidade", mas equiparando vidas a empregos. Nesse caso, o crescimento de circulação de fake news subiu 79%.

Os percentuais ainda podem ser maiores se consideradas outras redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram.

“Esse aumento tem a ver com a militância e o que ele traz em seus discursos, como a questão do tratamento precoce como cura. Isso inflamava muito as mídias sociais e desviava o foco para o sentido de que o Bolsonaro era atacado porque tinha uma solução para o coronavírus, mas que ninguém queria ouvi-lo”, diz a autora do relatório, a pesquisadora Raquel Recuero.

"É uma desinformação politicamente enquadrada. As pessoas não tratam a pandemia como uma questão de saúde, mas como ideológica e partidarizada. Se uso máscara, automaticamente me alinho a algo, por exemplo", diz Recuero.

Por que crescem as fake news?

Segundo os pesquisadores, o crescimento da circulação de desinformações está relacionado à estrutura da base do presidente Bolsonaro e à legitimação que autoridades políticas dão às fake news.

Isso ocorre por causa do número de seguidores dos políticos nas redes sociais e da credibilidade que os cargos ocupados por eles dão à informação falsa.

No Twitter, por exemplo, uma fake news publicada e/ou compartilhada por uma autoridade política ou de saúde tinha quase 1,5 vez mais chance de se espalhar do que uma postagem sobre a importância da vacina de outras personalidades (mídia, educadores, veículos apócrifos hiperpartidários etc.).

"Apenas esses atores [políticos], por exemplo, respondem por mais de 47% do total de conteúdo desinformativo que circulou nesse conjunto de dados, dos quais a maioria (91%) era de influenciadores políticos (membros do governo federal e do Legislativo)", diz o relatório.

Plano para acabar com as fake news

O estudo sugere seis estratégias:

  1. Criação urgente de campanhas contra a desinformação que sejam massivas e espalhadas por vários veículos de mídia;
  2. Investimento em letramento digital;
  3. Fomento ao debate amplo e público sobre temas complexos (vacinação, saúde pública em geral, eleições – urnas);
  4. Cobrança de uma atuação mais efetiva das plataformas;
  5. Responsabilização de agentes públicos na propagação e legitimação de desinformação;
  6. Ações dos veículos jornalísticos para evitar que sejam compartilhados como desinformação.

Para Recuero, das soluções propostas pelo estudo, a que traria mais resultados práticos seria a iniciativa de desmentir fake news por autoridades públicas e instituições.

"Autoridades públicas precisam atacar a desinformação no esforço de desmenti-las. Temos muita desinformação circulando e pouco esforço institucional para dizer o contrário", conclui.


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