23/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Diploma e Desemprego

Publicado em 13/05/2021 12:00 - Idelber Avelar

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"Tenho só uma palavra para definir o que eu sinto: frustração. Estudar, estudar, tentar e não conseguir nada. Você se sente como um incapaz."

A afirmação é de Maycol Vargas, de 33 anos e graduado em engenharia aeronáutica, com mestrado e doutorado em engenharia e tecnologia espaciais, na área de combustão e propulsão, pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Depois de defender sua tese no início de 2020, o morador de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, se viu desempregado com doutorado.

"Mandei currículo até para auxiliar de serviços gerais, mas está difícil. Montei um negócio próprio e estou fazendo doces, porque eu estava sem nenhuma renda. Isso me rende uns R$ 400, R$ 500 por mês, no máximo.”

Reportagem de fôlego de Thais Carrança sobre a devastação no mercado de trabalhadores especializados.

MORTICÍNIO

É importante não se deixar afogar ou soterrar na contabilidade dos absurdos do morticínio brasileiro.

Mesmo que já se soubesse em linhas gerais o que havia acontecido, o dia de hoje (13) ficará marcado pela confirmação, no interior da casa maior do parlamento, de que a República Federativa do Brasil recusou NOVE oportunidades de comprar a vacina Pfizer-BioNTech e colocou para negociar Felipe G Martins e Carluxo Bolsonaro, ou seja, dois malucos de internet propagadores da pior coleção de teorias da conspiração geradas em solo tupiniquim, o olavismo. O segundo desses malucos é conhecido também por expressar-se em grunhidos que vagamente se assemelham à língua portuguesa.

Repetindo: a casa parlamentar maior do país confirmou hoje que, em meio à pior pandemia dos últimos 100 anos, o país líder mundial em vacinação e pioneiro na contenção e prevenção da AIDS negou nove vezes a vacina de aceitação mais universal no mercado, escalando como negociadores dois pseudo-trumpinhos dos porões da internet terraplanista antivax.

É uma bad trip que não tem hora para acabar.

PONTOS IMPORTANTES

Dois pontos importantes aqui:

1. nem sempre a prisão que se justifica judicialmente traz algum dividendo interessante politicamente.

2. fazer as perguntas que cabem e contam é das artes mais difíceis que há. E é das mais úteis nessas horas, das CPIs.

Há tempos insisto que a educação deveria treinar-nos mais a formular perguntas, em vez de só caçar respostas.

Em todo caso, é positivo que esteja rolando a CPI, claro.

GENEALOGIA DAS FAKE NEWS

Quando se escrever a genealogia das fake news no Brasil, não se poderá esquecer de uma das mais ilustres mentiras da história do nosso futebol, a lorota de que Telê Santana não chamou o Rei José Reinaldo Lima para a Copa de 1982 porque ele estaria contundido.

É inacreditável.

QUARENTA anos depois, basta aparecer uma foto de Reinaldo, ou mesmo da seleção brasileira de 1982, na qual a sua ausência grita, para que volte a avalanche de mentiras: "Ah, não foi porque estava contundido".

Quando se é objeto de mentiras, toma-se uma raiva da coisa que cês nem imaginam.

Aqui você tem todos os ingredientes da fake news:

1. Plausibilidade/ verossimilhança (o Rei realmente se contundiu muitas vezes, mas não no 1˚ semestre de 1982).

2˚ O interesse em esconder algo (aqui, o criminoso critério de convocação de Telê, que excluía jogadores por determinado "comportamento").

3˚ A deliberada confusão com o sentido de uma ou mais palavras (aqui, "comportamento" de Reinaldo, que sugere algo incompatível com a vida de atleta, como álcool ou drogas, mas que no caso do Rei apenas significava amizades gays e declarações corajosas contra a ditadura).

*****

Orgulho-me de que a coisa tenha melhorado um pouco desde maio de 2018, quando publiquei um texto um pouco mais extenso, n'O Estado Da Arte, reconstruindo os fatos.

O mérito é principalmente das sumidades boleiras que circularam o texto para um público que não alcanço, como os jornalistas Mário Marra e Fred Melo Paiva, grandes alvinegros, os também atleticanos Christian Munaier e Elen Campos Munaier (a quem conheci através da querida Ana Cris Gontijo), o próprio Rei, que gosta do texto, e seu filho Philipe Van R. Lima, que escreveu um lindo livro sobre o pai.

*****

Segue abaixo o print com o trecho que considero mais relevante (o link vai nos comentários), com a data da convocação (abril de 1982) e um relato das atividades do Rei no mês anterior, no qual ele jogou CINCO vezes contra Inter, Flamengo e Corinthians.

No mês posterior à Copa, agosto, sabe-se o que fez o Rei: foi ao Parc des Princes e liderou o Galo em sonora cacetada de 3 x 0 sobre o Paris Saint-Germain. O terceiro gol, feito pelo Rei, foi uma pintura aplaudida por todo o estádio, e que fica como emblema de uma vergonha para o grande Telê.

Ao fim do jogo, estupefatos com o baile de futebol, os jornalistas franceses cercaram o Rei: "por que você não foi à Copa?"

40 anos depois, a maioria do Brasil boleiro–incluindo o próprio filho de Telê, o Renê Santana, que está vivo e ainda tem tempo de corrigir-se–continua respondendo a essa pergunta com uma fake news.

'Bora trabalhar aí, sua cambada de Sísifos.

ELES EM NÓS

A Editora Record inicia na terça-feira uma sequência de lives sobre “Eles em nós”, o livro que acabo de publicar com eles. É um baita elenco, de várias áreas e dísciplinas.

Começamos em estilo com uma das cabeças que mais admiro no jornalismo, Mônica Waldvogel, que já leu o livro e terá o que dizer sobre ele. Eu a acompanho na conversa, com um(a) mediador(a) convidado(a) pela Record.

Rola no YouTube da Record. Terça-feira, 18/05, às 17h.

FRAUDE E FAKE

Se você tiver que ler uma coisa publicada hoje na imprensa internacional, sugiro que seja a reportagem de fôlego feita por Emma Brown, Aaron C. Davis, Jon Swaine e Josh Dawsey para o Washington Post, mostrando a gênese da impressionantemente influente mentira de que as eleições de 2020 nos EUA tenham sido fraudadas.

Um terço dos americanos acreditam nela. UM FUCKING TERÇO INTEIRO.

A história é bizarra e contraintuitiva. Um único pilantra, um vagabundo desses que trafica esquema de pirâmide na internet, que vende carro usado que não anda, tentou durante anos interessar deputados e senadores Republicanos extremistas na história da eleição fraudada.

Não colou, porque ninguém quis se arriscar, dado que as evidências e indícios são ZERO. Há zero evidência de morto votando, gente votando duas vezes, cédulas fraudulentas, nada além de uma ou outra coisinha minúscula que se vê em toda eleição. Até que Trump comprou a história. E o cabra, cujas motivações eram basicamente financeiras — ele deu com uma mentira que ele suspeitava que poderia vender por bilhões –, vê sua lorota tomar conta de um terço dos americanos e inspirar um ataque ao Capitólio.

Vale a pena que vocês leiam, inclusive pelos possíveis paralelos com o Brasil de 2022. É a história de um cabra conseguindo vender terreno na lua, inacreditável.

Parabéns aos jornalistas.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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