20/04/2024 - Edição 540

Especial

CPI: três depoimentos bombásticos

Publicado em 07/05/2021 12:00 -

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Já se disse que o único trabalho da CPI da Pandemia será o de organizar as inúmeras evidências de que o governo de Jair Bolsonaro comportou-se de maneira irresponsável e muitas vezes criminosa em relação à pandemia de covid-19. E o presidente Bolsonaro colabora, diariamente, com novas provas.

No último dia 6 Bolsonaro chegou a ponto de produzir essas provas no exato momento em que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestava depoimento à CPI. Enquanto o ex-ministro confirmava aos senadores que deixou o Ministério da Saúde, depois de menos de um mês no cargo, porque descobriu que não teria autonomia e porque foi pressionado a estimular o uso de medicamentos inúteis contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”, Bolsonaro discursava fazendo violenta defesa desses remédios.

“Canalha é aquele que critica o tratamento precoce e não apresenta alternativa. Esse é um canalha”, disse o presidente ao mesmo tempo que seu ex-ministro da Saúde dizia que o “tratamento precoce” é um erro – tal como já fizera na CPI outro ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, anteontem. Esse erro recebeu vultoso investimento do governo federal, ao passo que a compra de vacinas foi deixada até recentemente em segundo plano.

Em outubro de 2020, quando o País já contabilizava quase 160 mil mortos, Bolsonaro questionou a ânsia por uma vacina. “Não sei por que correr”, declarou na época. No mês seguinte, disse que “o povão parece que já está mais imunizado” porque não ficou em casa, sugerindo que a vacina era desnecessária.

O presidente desestimula sistematicamente a vacinação, dizendo que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, e espalha suspeitas sobre efeitos colaterais do imunizante. Ao mesmo tempo, Bolsonaro e seu governo fazem forte campanha pelo uso de cloroquina.

No discurso de quarta (6), o presidente chegou a sugerir que a oposição ao uso da cloroquina contra a covid-19 é motivada por interesses comerciais dos laboratórios que produzem vacinas. “Por que não se investe em remédio? Porque é barato demais”, disse Bolsonaro.

Mas o pronunciamento delirante não parou aí. Bolsonaro insinuou, à sua maneira trôpega, que os chineses produziram o vírus em laboratório para ter ganhos econômicos: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”.

Ou seja: não contente em sabotar a vacinação e estimular o consumo de remédios sem eficácia, o presidente insiste em hostilizar a China, inventando uma mirabolante “guerra bacteriológica” que só existe nas postagens de lunáticos das redes sociais.

A histeria bolsonarista denota desespero. O presidente parece intuir que sua situação política ficará a cada dia mais insustentável diante da exposição pública, na CPI, das extravagâncias, todas fartamente documentadas, cometidas por seu governo ao longo da pandemia. E estamos apenas no segundo dia de depoimentos na comissão, que certamente ainda reservará muitos dissabores para o governo – especialmente quando o ex-ministro Eduardo Pazuello resolver dar o ar da graça.

Totalmente à mercê da insanidade das redes sociais, Bolsonaro imagina que o País se intimidará com seus arreganhos. Tornou a dizer que editará um decreto para restabelecer “a liberdade para poder trabalhar” e “nosso direito de ir e vir”, em referência às medidas de restrição adotadas em Estados e municípios. E acrescentou: “Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal”.

Bravatear é o que resta a Bolsonaro, já que seu governo, incompetente para conter a pandemia, foi igualmente incompetente para esvaziar a CPI. Sua única competência parece ser a de produzir provas contra si mesmo. Um presidente que, cobrado a usar máscara, diz que “já encheu o saco isso, pô”, como fez em seu discurso, não precisa de detratores.

Nas últimas semanas, três dos quatro ministros que ocuparam a pasta da Saúde no Governo Bolsonaro foram ouvidos pela CPI da Pandemia no Senado.

Mandetta diz à CPI que Bolsonaro ignorou a ciência no combate à covid-19

O ex-ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, fez uma forte defesa da ciência em seu depoimento na CPI e deu detalhes sobre a gestão da crise sanitária pelo governo federal.

Segundo Mandetta, sob seu comando, o Ministério da Saúde foi conduzido com base em três pilares: a defesa intransigente da vida; a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) como meio para agir durante a pandemia; e a ciência como elemento de decisão.

Em uma sessão que levou várias horas, Mandetta afirmou que Bolsonaro cogitou pedir à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) uma alteração na bula da cloroquina para que constasse que o medicamento, normalmente utilizado no tratamento da malária, fosse indicado também para pacientes com covid-19. A tentativa de alterar a bula já havia sido revelada pelo ex-ministro no ano passado.

Diversos estudos científicos constataram a ineficácia da cloroquina para tratar pessoas infectadas pelo coronavírus, o que não impediu que Bolsonaro e seus aliados promovessem em várias ocasiões o uso do produto. Mandetta disse que o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, negou o pedido de alteração da bula.

O ex-ministro contou que Bolsonaro era informado sobre temas referentes à pandemia por outras fontes, mas não dava ouvidos ao Ministério. Essas fontes, segundo Mandetta, seriam as responsáveis por convencer o presidente sobre o uso da cloroquina.

"Eu estava dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele tinha esse assessoramento paralelo", afirmou

"Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. E foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barra Torres, que disse não."

Testagem em massa foi "abandonada", diz Mandetta

"Me lembro de o presidente sempre questionar a questão ligada à cloroquina como a válvula de tratamento precoce, embora sem evidência científica", afirmou o ex-ministro. "Eu me lembro de o presidente algumas vezes falar que ele adotaria o chamado confinamento vertical, que era também algo que a gente não recomendava."

Mandetta disse que, enquanto ele era o titular da pasta, o Ministério da Saúde seguia as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Era o que a gente tinha, não por sermos donos da verdade. Pelo contrário, nós éramos donos da dúvida, eu torcia muito para aquelas teorias de que 'o vírus não vai chegar no Brasil'. Agora, se eu adotasse aquela teoria e chegasse, teria sido uma carnificina."

Ele disse que ficava constrangido por ter de explicar suas divergências com Bolsonaro em questões como o isolamento social, sobre o qual o presidente sempre se posicionou de modo contrário. "Todas as recomendações as fiz com base na ciência, a vida e a proteção. Eu as fiz nos conselhos de ministros e diretamente ao presidente", disse.

Entre outras críticas ao governo federal, Mandetta ressaltou que a testagem em massa foi abandonada após ele deixar o cargo. A seu ver, a falta de unidade nas ações do governo confundiu a população e teve impacto negativo na compreensão geral sobre a pandemia.

Bolsonaro teria ainda duvidado das estimativas de mortes pela doença apresentadas a ele por Mandetta. O então ministro lhe informou que o cálculo seria de 180 mil mortes no país até dezembro de 2020.

"Eu levei, expliquei. 180 mil óbitos para quem tinha na época menos de mil era um número muito difícil de você fazer uma assertiva dessa. Eu acho que ali ficou dúvida, porque tinha ex-secretários de saúde, parlamentares, que falavam publicamente: 'Olha, essa doença não vai ter 2 mil mortos, essa doença vai durar de quatro a seis semanas'", afirmou. A frase sobre os 2 mil mortos foi atribuída ao ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra, aliado próximo de Bolsonaro.

Carta alertou Bolsonaro sobre riscos graves à população

Um dos pontos altos do depoimento ocorreu quando Mandetta entregou aos senadores da CPI uma carta enviada por ele a Bolsonaro, onde alertava o presidente sobre os riscos da doença, antes de ser demitido do cargo em abril de 2020.

No documento, o então ministro recomendava "expressamente" que o governo adotasse as recomendações do Ministério da Saúde para evitar o "colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população".

"As orientações e recomendações não receberam apoio deste governo federal, embora tenham sido embasadas por especialistas e autoridades em saúde", escreveu Mandetta.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros, disse que as declarações do ex-ministro foram relevantes e devem servir de base para a verificação de possíveis crimes cometidos pelo presidente da República.

O depoimento do sucessor de Mandetta na pasta, Nelson Teich, marcado para esta terça-feira, foi adiado para o dia seguinte.

O também ex-ministro Eduardo Pazuello deveria depor de maneira presencial nesta semana, mas disse ter entrado em contato com pessoas infectadas e cancelou sua ida ao Senado. A CPI decidiu aguardar 15 dias para recebê-lo.

A gestão de Pazuello à frente do Ministério foi marcada por recordes sucessivos de mortes e casos por covid-19, além de falhas graves no programa nacional de vacinação.

Depoimento de Teich é prova de crime de Bolsonaro ao recomendar cloroquina

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich, segundo ministro da Saúde do governo Bolsonaro, explicou os motivos de sua curta permanência de 29 dias à frente da pasta, entre abril e maio de 2020, e as desavenças que houve entre ele e a cúpula do governo.

Médico oncologista, Teich disse que deixou o cargo de ministro da Saúde, em 15 de maio do ano passado, por não possuir autonomia suficiente para tomar as decisões que achava necessárias.

"As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da covid-19", afirmou.

"Existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado por outros profissionais. E isso foi o que motivou a minha saída […] O pedido específico foi por causa do pedido de ampliação do uso da cloroquina. Era um problema pontual, mas isso refletia numa falta de liderança."

O relator da CPI, o senador Renan Calheiros, disse que as declarações de Teich reforçam a tese da existência de um "ministério paralelo", ou "gabinete das sombras", que elaboraria as diretrizes de saúde do governo.

Teich disse que deixou de considerar a aplicação da cloroquina após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidir que o medicamento não deveria ser utilizado no tratamento da covid-19.

"Naquela semana [da demissão] teve uma fala do presidente, na saída da Alvorada, que ele fala que o ministro tem que estar afinado e cita o meu nome. Na véspera, pelo que vi, teve uma reunião com empresários onde ele fala que o medicamento será expandido. À noite tem uma live, onde ele coloca que espera que no dia seguinte vá acontecer isso, que vai ter uma expansão do uso. E no dia seguinte eu peço a minha exoneração."

Vacinas contra covid-19

O ex-ministro afirmou que sua gestão deu início à aquisição de vacinas contra covid-19 para o país.

"No meu período ainda não tinha nenhuma vacina sendo comercializada, era o começo do processo da vacina. Foi quando eu trouxe o estudo da AstraZeneca para o estudo ser realizado no Brasil, para o Brasil ser um dos braços do estudo, na expectativa que a gente tivesse uma facilidade na compra futura."

"Eu trouxe a vacina de Oxford, da AstraZeneca, para o Brasil, através dos estudos clínicos. Comecei abordagem com a empresa Moderna. Também fiz uma conversa inicial com a Janssen [empresa da Johnson & Johnson], para iniciar a fase de estudos também."

Produção de cloroquina

Teich assegurou que a produção de cloroquina promovida pelo governo federal – um dos temas centrais das investigações da CPI – não chegou ao seu conhecimento enquanto estava no cargo. "A gente nem falava em cloroquina", afirmou.

"Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa [sobre a produção de cloroquina], foi fora do meu conhecimento. Ali eu tinha uma posição muito clara em relação não só à cloroquina, mas a qualquer medicamento. Não fui consultado."

"É uma conduta que para mim, tecnicamente, era inadequada. Isso é para qualquer medicamento", disse o ex-ministro.

Impacto da saúde na economia

O ex-ministro não concorda com a visão de que as medidas a serem adotadas em uma crise sanitária não devem afetar a economia. Desde o surgimento da doença, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou contra a imposição de lockdowns e do distanciamento social.

"Economia e saúde não são coisas distintas. Quando você avalia o nível de saúde de uma sociedade, você tem coisas que são os determinantes sociais da saúde; tem economia, educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas", avaliou.

"O que aconteceu que eu achei que foi muito ruim, foi que a economia foi tratada como dinheiro e empresa, e a saúde como vidas, sofrimento e morte. Mas na verdade tudo é gente. Quando você fala de economia não está falando de empresa, de emprego. Está falando de gente."

"Imunidade de rebanho é um erro"

Teich ressaltou que a imunidade ao coronavírus somente pode ser adquirida através da vacina e classificou como errada a teoria da imunidade de rebanho. 

Alguns senadores acreditam que o governo federal teria negligenciado o combate à doença por ter apostado na imunidade de rebanho.

"Isso nunca foi discutido, nunca foi colocado como uma estratégia. Isso eu posso garantir", disse Teich. 

Indicação de Pazuello

O ex-ministro reconheceu que foi o presidente Bolsonaro quem indicou o general Eduardo Pazuello para assumir a secretaria-executiva da pasta, em abril de 2020. Mas Teich disse ter conversado com o militar e tido a palavra final na nomeação. Ele achou que Pazuello "poderia ajudar" na questão logística.

"Ele [Pazuello] foi indicado pelo presidente. Eu conversei com ele, ouvi o que ele tinha para falar, da experiência dele e me pareceu que, naquele momento, quando eu precisava ter uma agilidade muito grande na parte de distribuição, me pareceu que ele poderia atuar bem", afirmou Teich. 

"Nós trabalhamos juntos ali ao longo do período, eu definia as coisas que deveriam ser feitas e ele ia executando o que eu falava. Quem definia era eu. Quem trabalhava a estratégia era eu."

Após Teich deixar o cargo, Pazuello acabou assumindo o comando do Ministério da Saúde, primeiro de forma interina e, depois, definitiva. A gestão do general, que terminou em março deste ano, foi marcada por recordes sucessivos de mortes e casos de covid-19, além de falhas graves no programa nacional de vacinação.

Queiroga opta por proteger o próprio emprego

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tentou evitar responder perguntas sobre a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro e irritou os senadores da CPI. Ele foi pressionado para que se posicionasse sobre o uso da cloroquina no combate ao coronavírus, mas ele se recusou, afirmando se tratar de uma questão técnica. Ele, porém, disse que não autorizou a distribuição do tratamento ineficaz.

O ministro assumiu o cargo no dia 23 de março, após a demissão do general Eduardo Pazuello, Ao contrário de seu antecessor, Queiroga tem currículo na área médica. É presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e diretor do Departamento de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista de um hospital em João Pessoa.

Ele apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e integrou a equipe de transição do então presidente eleito. Antes de assumir o ministério, Queiroga chegou a fazer declarações pró-ciência, mas nas últimas semanas tem alinhado o discurso com Bolsonaro.

Queiroga foi pressionado para esclarecer seu posicionamento em relação à cloroquina, o medicamento promovido pelo presidente Jair Bolsonaro no combate à covid-19, embora não haja evidências científicas que comprovem sua eficácia.

O ministro disse que não sofreu pressão de Bolsonaro para ampliar o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina.

Ao ser perguntado se compartilhava da opinião do presidente sobre o medicamento, ele se recusou a responder. "Essa é uma questão técnica que tem que ser enfrentada pela Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias] no SUS. O ministro é a última instância na Conitec, então eu vou precisar me manifestar tecnicamente."

O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) se irritaram com a resposta do ministro. "Até minha filha de 12 anos falaria sim ou não", disse Aziz. No entanto, Queiroga não respondeu à pergunta e pediu que os senadores compreendessem sua posição como gestor sanitário.

O ministro disse que não sabe se seu ministério realiza a distribuição de hidroxicloroquina para estados e municípios. "Não autorizei distribuição de cloroquina na minha gestão", afirmou. "Não tenho conhecimento de que está havendo distribuição de cloroquina na nossa gestão."

Isolamento social

O ministro evitou comentar a fala de Bolsonaro, na qual o presidente sugeriu um novo decreto contra políticas de isolamento social. "Não vou fazer juízo de valor", disse após a insistência de Renan Calheiros.

Queiroga disse apenas que o presidente se preocupa com a liberdade das pessoas, e que concordaria com isso, e que não foi consultado sobre o assunto.

Polêmicas com a China

Queiroga foi questionado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre a fala de Bolsonaro, que insinuou que a China teria criado o coronavírus. O ministro disse que desconhece "indícios de guerra química na China".

"É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou por algum ser humano que ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?", disse Bolsonaro nesta quarta-feira. "Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês", afirmou a repórteres.

Queiroga tentou suavizar a questão, ao dizer que espera que as relações com o país asiático sejam boas. "Eu espero que essas relações continuem de forma positiva e não tenhamos impacto para nossa campanha de vacinação.”

Tratamento precoce x vacina

O ministro minimizou o chamado tratamento precoce contra a covid-19, defendido pelo presidente e seus aliados, e ressaltou a importância da vacinação e medidas como o distanciamento e uso de máscaras.

"Há um agrupamento de colegas que defendem fortemente esse chamado tratamento precoce com esses fármacos e há outros colegas que se posicionam contrariamente, e o Ministério da Saúde quer acolher todos para que cheguemos a um consenso. Essa questão do tratamento precoce não é decisiva no enfrentamento a pandemia, o que é decisivo é justamente a vacinação e as medidas não farmacológicas", afirmou.

"Temos que orientar a população a aderir às medidas não-farmacológicas que parecem simples, e são simples. É necessário reforçar de forma reiterada, por exemplo, o uso da máscara", disse o ministro em outro momento do depoimento.

As medidas não farmacológicas incluem o uso de máscaras e o distanciamento social, práticas recomendadas pelos profissionais de saúde, mas desprezadas por Bolsonaro e seu círculo.

Em relação ao uso de medicamentos off label [não prescritos em bula] como o antiparasitário ivermectina, Queiroga repetiu a resposta sobre o uso de cloroquina, afirmando que há duas correntes, uma favor e outra contra, a aplicação de medicamentos não comprovados.

"A solução que o Ministério da Saúde tem para resolver essa questão é a elaboração de um protocolo clínico e diretrizes terapêuticas", disse Queiroga. Ele afirmou que essas questões devem ser discutidas colocadas para consulta pública.

Vírus vira álibi para a fuga do general Pazuello

Dez dias depois de ser pilhado passeando sem máscara por um shopping de Manaus, o general Eduardo Pazuello foi acometido por um surto de responsabilidade sanitária. Convocado para explicar na CPI da Covid o desastre que produziu à frente do Ministério da Saúde, o ex-ministro invocou um álibi inusitado para fugir da inquirição: o coronavírus.

Sob a alegação de que teve contato com pessoas infectadas, o general comunicou à CPI que não comparecerá à sessão de quarta-feira, que havia sido integralmente reservada para o seu depoimento. Em tempos de assepsia, é como se Pazuello estabelecesse com a Covid-19 uma relação do tipo uma mão suja a outra.

Como ministro, o general prestou inestimáveis favores ao vírus, contribuindo com sua incompetência para que a infecção se propagasse. Como ex-ministro, Pazuello utiliza a propagação do mesmo vírus como escudo para retardar as explicações sobre a sua inépcia.

Ironicamente, o risco de infecção não impediu que a Casa Civil da Presidência da República submetesse Pazuello a intensas sessões de treinamento para o depoimento à CPI. Depois de tanto treino, por mais que o general se esforce, não conseguirá afastar a maledicência que associa sua fuga ao medo de que sua aparição se transforme num desses espetáculos de teatro extremamente badalados que fracassam porque o público não foi devidamente ensaiado para a encenação.

O grande receio do Planalto é o de que Pazuello seja convertido pela CPI numa espécie de bala perdida no rumo de Bolsonaro. A boa notícia para o governo é que a protelação do depoimento do general que comandou a pasta da Saúde guiando-se pelo lema segundo o qual "um manda e o outro obedece" não aumentou a taxa de suspeição que ronda o presidente. A suspeita de que o desastre produzido por Pazuello é de responsabilidade de Bolsonaro continua nos mesmos 100%.

Bolsonaro agora briga com Renan sob holofotes

Depois de tentar se aproximar do relator da CPI da Covid em articulações trançadas no escuro, Bolsonaro decidiu trocar sopapos verbais com Renan Calheiros sob refletores. Uma briga que começa com o presidente acusando primogênito de Renan de desviar verbas federais enviadas para Alagoas e o senador insinuando que a inépcia de Bolsonaro na gestão da pandemia mata brasileiros é o tipo de confusão que pede para não ser apartada.

Em sua live semanal, Bolsonaro chamou a CPI de "xaropada". Afirmou que a comissão "bateu muito" no ministro da Saúde Marcelo Queiroga. Queixou-se especialmente de Renan Calheiros: "Um lá, olha só, eu queria estar na CPI… 'Atenção aí ministro, qual dessas frases mais matou gente no Brasil? Frase do presidente Bolsonaro'. E botou várias frases lá. Sabe qual seria minha resposta? Prezado senador, excelentíssimo senador, frase não mata ninguém, o que mata é desvio de recurso público que seu Estado desviou. Vamos investigar seu filho que a gente resolve esse problema."

O comentário de Bolsonaro chegou aos ouvidos de Renan antes do encerramento da última sessão da CPI na semana. O senador leu a manifestação em que o desafeto dirige maledicências a Renan Filho, governador de Alagoas. E respondeu: "Queria dizer, com todo respeito ao presidente da República, que o que mata é a pandemia, pela inação e inépcia que eu torço que não seja dele. Não queremos fulanizar isso aqui. Com relação ao Estado de Alagoas, ele que não gaste seu tempo ociosamente, como tem gastado, enquanto os brasileiros continuam morrendo. Aqui nesta Comissão Parlamentar de Inquérito, se houver necessidade, todos, sem exceção, serão investigados."

Difícil prever o desfecho da briga entre Bolsonaro e Renan. Mas esta, decididamente, não é uma desavença do tipo que possa ser desfeita pela turma do deixa-disso. Considerando-se o timbre adotado pelos contendores, ou os dois lados declaram que viverão separados até que a morte os junte ou ficará demonstrado que a política é mesmo o território da farsa. Não se deve levá-la a sério, muito menos aos seus atores. Ao duelo, senhores.

CPI da Covid organiza o cerco a Jair Bolsonaro

Arma-se na CPI da Covid algo muito parecido com um cerco a Bolsonaro. Depois de ouvir os depoimentos de dois ex-ministros da Saúde —Henrique Mandetta e Nelson Teich— que contaram detalhes sobre a obsessão do presidente pela cloroquina e sua resistência às decisões técnicas tomadas pela Saúde na gestão da Pandemia, a comissão aprovou a convocação de depoimentos que sinalizam a intenção de investigar as causas da escassez de vacinas no Brasil.

A CPI ouvirá na próxima semana o ex-secretário de comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, representantes da farmacêutica Pfizer, diretores do Instituto Butantan e da Fiocruz, além do ex-chanceler Ernesto Araújo. Wajngarten disse em entrevista que o governo demorou a comprar vacinas da Pfizer por "incompetência" e "ineficiência" do Ministério da Saúde na gestão do general Eduardo Pazuello. O Butantan e Fiocruz ralam para obter na China o insumo para a fabricação de vacinas. E Ernesto Araújo, que se orgulhava da condição de "pária" do Brasil, é apontado como responsável por envenenar as relações do país com Pequim.


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