29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Vitória de Lula no STF avisa que violar processo é mau negócio, diz jurista

Publicado em 16/04/2021 12:00 -

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"O julgamento de quinta traz um recado ao Ministério Público Federal e ao Poder Judiciário: não vale a pena violar o devido processo legal porque isso trará a possibilidade de anulação de todas as decisões. A violação do devido processo legal por acusadores e juízes pode até demorar para ser corrigida, mas quando o é, gera anulação de todo o processo."

Essa é a avaliação da constitucionalista Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta, em entrevista à coluna.

Por 8 votos a 3, o plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão monocrática do ministro Edson Fachin, que considerou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar os casos envolvendo o ex-presidente Lula, anulando as condenações sobre o tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia.

Ela destaca que o voto vencido mais "chamativo" foi do presidente do STF, Luiz Fux, que fez um desagravo à operação Lava Jato.

Em uma troca de mensagens entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, divulgada pelo site The Intercept Brasil, em junho de 2019, o então juiz federal comentou: "In Fux we trust", ou "Em Fux, nós confiamos", uma referência ao lema nacional dos Estados Unidos, In God we trust".

Ela também disse que caso o Supremo, que deve analisar a suspeição de Sergio Moro, na próxima quinta (22), siga o que sempre fez, não decretará prejuízo ao julgamento que já foi iniciado e encerrado por sua Segunda Turma. Ou seja, na sua avaliação, a suspeição de Moro deve ser mantida.

 

A decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, que confirmou a anulação das condenações do ex-presidente Lula, é uma guinada no entendimento da corte sobre a Lava Jato?

O julgamento não enfrentou uma questão jurídica difícil. A incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba já estava bem desenhada em outras ações penais da Operação Lava Jato, em que não havia uma conexão clara da prática de crimes contra a Petrobras. No caso do ex-presidente Lula, isso também estava presente e foi ressaltado por vários dos ministros.

Por exemplo, tanto Alexandre de Moraes quanto Rosa Weber fundamentaram a incompetência em razão de uma condenação baseada em uma suposta conta geral de propinas, sobre a qual não houve nenhuma prova concreta de recebimento de recursos da Petrobras.

A 13ª Vara, sob o juiz Sergio Moro, se tornou uma espécie de "vara universal de combate à corrupção", violentando o processo legal dos acusados. O plenário do Supremo afastou isso nesse julgamento, bem como já vinha afastando em outros. Ou seja, essa não é uma decisão que dá uma guinada no entendimento da corte, apenas corrobora entendimentos anteriores, como o relator, ministro Edson Fachin, ressaltou.

Qual o impacto deste julgamento para Lula?

A anulação das condenações do ex-presidente Lula foi confirmada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Com isso, ele é inocente, porque uma pessoa só é considerada culpada após trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

Não significa que foi absolvido, mas é inocente até que venham eventuais novas condenações. E a consequência mais clara disso é a sua elegibilidade, podendo ser candidato em 2022.

E o impacto para o restante da operação Lava Jato?

O julgamento desta quinta trouxe uma consequência simbólica, um recado, para o Ministério Público Federal e para o próprio Poder Judiciário que atuam em causas criminais: não vale a pena, em termos da eficiência, violar o devido processo legal por que isso trará a possibilidade de anulação de todas as decisões.

Essa decisão de incompetência, que se soma a outras que já anularam processos da Lava Jato e de outras ações penais, mostra que a violação do devido processo legal por acusadores e juízes pode ate demorar para ser corrigida, mas quando o é, gera anulação de todo o processo.

Com isso, revela-se o alto custo das violações ao devido processo legal. Perde-se, além da já citada eficiência, a oportunidade de promover a persecução criminal, porque os processos ficam mais próximos da prescrição e, sobretudo, porque pessoas perdem anos de sua vida indevidamente. Esta correção, portanto, é tardia, mas bem-vinda.

Como você analisa os três votos contrários, dos ministros Kassio Nunes Marques, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux?

O ministro Nunes Marques entendeu que o assunto sequer poderia ser analisado em habeas corpus, contrariando não só a legislação e a jurisprudência do STF, que garante aos HC um caráter bastante amplo para o combate às ilegalidades quando estas afetam a liberdade dos acusados, mas também contrariando, pode-se dizer, toda a doutrina brasileira de habeas corpus.

O ministro Marco Aurélio entendeu que não era uma questão de habeas corpus, mas de revisão criminal.

O voto vencido mais chamativo foi proferido pelo presidente do Supremo, Luiz Fux, que usou o seu tempo para fazer um tipo de desagravo à operação Lava Jato, ao dizer que ela não morre com uma decretação de incompetência neste caso e também que a incompetência não seria capaz de anular decisões. Essa posição contraria texto expresso da lei.

Qual a sua expectativa para o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que pode ser analisada na próxima quinta (22)?

Na minha opinião, o reconhecimento da incompetência da 13ª Vara Federal não traz prejuízo à suspeição do ex-juiz Sergio Moro. As decisões são distintas por que a primeira se refere à anulação de decisões e, a segunda, à anulação também de atos de instrução do processo, de coleta de provas.

E, mais do que isso, a decisão sobre a incompetência não pode decretar prejuízo ao julgamento que já foi iniciado e encerrado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, a suspeição de Moro deveria ser mantida.


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