25/04/2024 - Edição 540

Brasil

ONU cobra governo por morte e detenção de ativistas

Publicado em 15/04/2021 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Relatores da ONU cobram respostas do governo Jair Bolsonaro por mortes e detenção de ativistas relacionados com o massacre de Pau D'Arco. Numa carta de fevereiro de 2021, a relatora da ONU sobre a situação de ativistas, Mary Lawlor, o relator sobre meio ambiente, David Boyd, e a relatora sobre execuções sumárias, Agnes Callamard, alertam que casos registrados no Pará são sintomas da insegurança que enfrentam os defensores de direitos humanos no país.

O centro da queixa se refere ao trabalhador rural Fernando dos Santos Araújo, que foi morto no Pará no início de 2021. Ele era sobrevivente do massacre de Pau D'Arco, que ocorreu em 2017 e matou dez camponeses durante operação policial. Araújo foi morto com um tiro na nuca, no lote que possuía próximo ao local onde houve o massacre em 2017.

Uma das principais testemunhas da ação policial que resultou na morte dos trabalhadores rurais, Araújo estava sendo ameaçado. Ele chegou a entrar no programa de proteção a testemunhas.

A chacina resultou num inquérito contra 16 policiais civis e militares. Mas eles foram soltos e continuar exercendo atividades, enquanto aguardam julgamento.

Agora, os relatores da ONU pedem explicações. Não caso de Araújo, a carta aponta como a morte, em 26 de janeiro, foi precedida por alertas por parte da vítima de uma "onda de ameaças de morte" contra ele.

"O defensor dos direitos humanos optou por não denunciar essas ameaças às autoridades por medo de retaliação", explicou a carta.

"Queremos expressar nossa mais extrema preocupação com o assassinato de Araújo, que tememos fortemente ter sido realizado como retaliação por seu papel na busca de justiça para os assassinatos ocorridos em Pau D'Arco em 2017, e que indicariam um ambiente de grave insegurança para a defesa dos direitos humanos no Brasil", apontam.

Detenção

Outra cobrança da ONU se refere à prisão do advogado das vítimas e do assentamento onde ocorreu a chacina, José Vargas Júnior. Oficialmente, sua prisão ocorreu por ser acusado de envolvimento no homicídio de Cícero José Rodrigues de Sousa, presidente de uma associação de epilepsia e então candidato a vereador em Redenção (PA).

A promotoria encontrou conversas no celular do advogado e usaram a operação para confiscar celulares e computadores. A defesa de Vargas alega que a manobra foi uma forma de conseguir acesso aos documentos relativos às testemunhas da chacina, algo que a polícia nega.

De acordo com os advogados de Vargas, o que existe são piadas em seu celular sobre a morte do candidato à vereador.

"Expressamos sérias preocupações com a suposta prisão e detenção arbitrária do Sr. Vargas, que tememos que também possa estar diretamente relacionada com sua defesa dos direitos humanos em nome das comunidades marginalizadas no Estado do Pará e, em particular, dos sobreviventes do massacre de Pau D'Arco", diz a carta da ONU.

"Expressamos ainda nossa preocupação com a suposta circulação de informações ligadas à investigação envolvendo o Sr. Vargas na esfera pública, que pode representar uma tentativa adicional de minar seu caráter, e deslegitimar seu trabalho de direitos humanos e a busca de justiça e responsabilidade no caso Pau D'Arco de forma mais ampla", alertam.

De acordo com a ONU, desde a prisão de Vargas, informações sobre o que estava em seu celular e computador circularam por grupos de mensagens e na imprensa local, ampliando a campanha contra o defensor.

Na carta, os relatores pedem que o governo preste informações sobre as alegações e se investigações estão sendo conduzidas sobre a morte do ativista e sobre a detenção.

O documento ainda solicita que o governo explique a base legal para a prisão de Vargas e o confisco de seu celular e computadores. "Se não foram devolvidos, explique o motivo", disse.

Os relatores ainda pedem que as autoridades esclareçam em que estágio está a investigação sobre o massacre em Pau D'Arco em 2017. Além disso, a ONU quer saber o que o governo tem feito para proteger defensores de direitos humanos.

Descaso com pandemia e direitos humanos marca orçamento federal de 2021

Estamos passando pelo pior momento da pandemia no Brasil e não temos um orçamento para enfrentá-la. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021 foi enviado pelo Executivo em agosto de 2020 e, após alterações feitas pelo Legislativo, foi aprovado no final de março, com três meses de atraso. Agora, o texto aguarda a sanção presidencial. Mas o que foi proposto é impraticável, pois subestimou os gastos obrigatórios para dar lugar a emendas parlamentares. Aprová-lo, portanto, significa possivelmente um crime de responsabilidade, o que está impedindo sua sanção pelo presidente da República.

Enquanto esperamos a resolução do imbróglio, milhares de pessoas estão diariamente perdendo suas vidas devido à covid-19 e milhões estão com fome. Em 2020, graças à pressão da sociedade, tivemos recursos volumosos para o enfrentamento da pandemia, ainda que com morosidade em sua execução e inexplicáveis saldos de recursos não utilizados em relação aos  valores autorizados – é o que apontamos no relatório “Um país sufocado – Balanço do Orçamento Geral da União 2020”, no qual também concluímos que várias políticas sociais e ambientais  tiveram, apesar da pandemia, seus recursos cortados.

Mas o que podemos dizer da Lei Orçamentária de 2021 aprovada pelo Congresso Nacional? Avaliamos o orçamento previsto para o enfrentamento da pandemia e para as áreas de atuação do Inesc. Ainda que estes não sejam dados definitivos, pois o Executivo precisa sancionar a LOA e provavelmente vetará partes dela, já é possível fazer uma primeira estimativa da proposta para os gastos orçamentários de 2021.

Gastos para o enfrentamento da covid-19

Ano passado foram gastos R$ 524,0 bilhões para o enfrentamento da pandemia, para ações como auxílio emergencial, fortalecimento do sistema de saúde e apoio às empresas e aos estados e municípios. Esses gastos, porém, só foram possíveis devido à decretação de um estado de calamidade e à autorização de créditos extraordinários pelo Executivo, que criaram as condições fiscais necessárias para realizar gastos além do determinado na LOA aprovada no final de 2019.

O esperado seria, dado que estamos no segundo ano da pandemia, que o orçamento de 2021 refletisse o esforço orçamentário necessário para o enfrentamento da crise, que possui tanto um caráter econômico quanto sanitário e social. Entretanto, não foi isso que ocorreu: devido às regras fiscais vigentes, principalmente o teto de gastos, não foi possível adicionar ao texto da LOA recursos para o enfrentamento da pandemia e, novamente, vamos ficar nas mãos do Executivo e sua prerrogativa de criação de créditos extraordinários. O governo Bolsonaro já informou que não vai declarar o estado de calamidade e que o auxílio emergencial, única medida proposta para enfrentar a crise em 2021, será em valores muito inferiores aos R$ 600 de 2020: ele será pago em quatro parcelas, com valores de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375, dependendo da família e limitado a um benefício por família.

Em resumo, não há recursos no orçamento de 2021 para o enfrentamento da pandemia. O único valor que aparece no texto da LOA aprovada pelo Congresso Nacional para combater a crise é de R$ 1,18 bilhão de recursos destinados à saúde. Para comparação, o valor gasto com o mesmo fim em 2020 foi de R$ 42 bilhões. Não há menção a outros programas de combate à crise, como o apoio a trabalhadores que perderem seus empregos ou tiveram suas jornadas de trabalho reduzidas.

Mesmo na saúde a situação não é muito positiva. Para além dos recursos específicos para a pandemia, em 2021 a área como um todo perdeu quase metade dos recursos autorizados no ano anterior, R$ 196,9 bilhões, e ficou um uma dotação inicial de R$ 136 bilhões. É como se a pandemia não tivesse se agravado neste ano, e não houvesse nenhum impacto de longo prazo.

Educação

O orçamento federal aprovado para 2021 está repleto de questões que precisarão ser resolvidas, ou inviabilizarão várias políticas públicas fundamentais. A Educação terá R$ 55 bilhões condicionados à aprovação do Congresso Nacional, porque afetam uma das regras fiscais, a regra de ouro, então, a responsabilidade ficará a cargo do Legislativo.

Para a função educação, que engloba todos os gastos para esta área no Executivo, foram autorizados R$ 113,8 bilhões para 2021. Quando comparamos com o aprovado em 2020, que foi R$ 116,6 bilhões, são R$ 3 bilhões a menos para uma área que vem perdendo recursos desde 2015 – em 2020, esta perda foi de ordem de R$ 7 bilhões.

Não é ocioso lembrar que, em 2016, ano de crise e de referência para a emenda do teto de gastos, o autorizado foi R$ 135,5 bilhões. Boa parte dos cortes está no ensino superior, inviabilizando atividades importantes em várias universidades federais. Para 2021 estão previstos R$ 33,7 bilhões, ou R$ 3 bilhões a menos que em 2020. A título de comparação, também com 2016, o autorizado para esta etapa de ensino foi de R$ 41,4 bilhões.

Direito à cidade

As três funções analisadas no orçamento de direito à cidade, urbanismo, habitação e saneamento tiveram altas em seus orçamentos. Ainda não temos como saber o porquê, mas como há várias ações com locais já predeterminados, podemos inferir que sejam fruto de emendas parlamentares. A maior alta se deu nos recursos para urbanismo, com aporte de mais R$ 3 bilhões em comparação com 2020, onde há várias políticas para as cidades, dentre elas o transporte público urbano, que apesar de estar em profunda crise em várias cidades, teve recursos extras vetados pelo presidente e o que está previsto para esta ação é menor que em 2020. E a maior parte vai para infraestrutura e não para apoiar os sistemas de transporte público urbano.

Apesar do aumento dos recursos em urbanismo, para a subfunção transporte público urbano, os recursos que eram da ordem de R$ 545 milhões, em 2021 são R$ 494 milhões. Se já eram insuficientes, agora ainda mais, visto que o projeto de apoio aos sistemas de transporte vetado pelo presidente no final de 2020 previa um aporte de R$ 4 bilhões apenas para o custeio do sistema. E o que está previsto, que é 10% do que foi vetado, apenas uma pequena parte é para apoio ao serviço prestado. Estamos vendo diariamente a precariedade da oferta de transporte coletivo, cujos veículos viraram pesadelo para os trabalhadores e trabalhadoras que precisam circular e que não têm segurança alguma de que não se contaminarão, pois trafegam sempre com lotação máxima e sem fiscalização por parte do poder público.

Meio ambiente

O PLOA 2021 evidenciou, mais uma vez, a irresponsabilidade na condução da política ambiental. Para o ICMBio, cuja principal missão é fazer a gestão das Unidades de Conservação, o corte de R$ 119 milhões reduziu pela metade a capacidade de gasto do órgão. No Ibama, o governo propôs cortar em 2021 R$ 118 milhões para o órgão e as duas ações orçamentárias referentes ao combate ao desmatamento ilegal também sofreram pesados cortes na proposta do governo, perdendo R$ 49 milhões se comparado a 2019.

A despeito da campanha Floresta Sem Cortes e do trabalho do relator setorial do PLOA para o meio ambiente (deputado Nilto Tatto, PT-SP), no Congresso Nacional foram aumentados em apenas R$ 14,6 milhões estes valores, muito pouco perto do tamanho do corte que o Executivo propôs. O orçamento aprovado para o meio ambiente em 2021 torna, assim, inviável a própria existência do ICMBio e compromete severamente a fiscalização ambiental do Ibama.

Ao mesmo tempo, a ação do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, junto ao relator e em articulação com parlamentares, multiplicou quase 18 vezes (de R$ 12,6 milhões em 2020 para R$ 244,74 milhões em 2021) os recursos para uma ação orçamentária do Ministério do Meio Ambiente denominada “Implementação de programas, planos e ações para melhoria da qualidade ambiental urbana – Aquisição de Máquinas, Equipamentos e Materiais Permanentes”. Com estes recursos, o governo pretende multiplicar pelo país, com concentração em São Paulo, usinas de geração de energia a partir de resíduos sólidos urbanos.

Crianças e adolescentes

O orçamento para crianças e adolescentes seguirá em 2021 priorizando o programa Criança Feliz, de acompanhamento de crianças de 0 a seis anos com o objetivo de promover desenvolvimento na primeira infância, que consumirá 98% de todos os recursos para a assistência à criança e o adolescente no ano. O programa, que ainda precisa ser avaliado em relação aos seus resultados, deverá ter um aumento de seus recursos em 7,1% em 2021 comparados ao valor autorizado em 2020.

Enquanto isso, em 2020 os recursos para a educação infantil foram quase três vezes menores quando comparados com 2019, e vários programas da área como o enfrentamento do trabalho infantil ou a educação de jovens e adultos (EJA) tiveram seus orçamentos drasticamente reduzidos. Para 2021, o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional prevê a reestruturação do orçamento para a educação infantil, com aumento de 66,1% nos seus recursos – ainda que, quando comparamos com o executado em 2019, o valor é 30,8% inferior, o que sinaliza que os recursos para esta política continuam em processo de queda. A EJA segue sem recursos autorizados suficientes para seu funcionamento adequado – como mostramos em nosso relatório, ele se mantém na sobrevida nos últimos anos, apenas com pagamentos relacionados a anos anteriores.

Igualdade racial e quilombolas

Na ação Promoção e Defesa de Direitos para Todos, de execução do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), estão previstos R$ 2,5 milhões espalhados principalmente em quatro políticas: ações de promoção da igualdade racial e promoção dos direitos de matriz africana (R$1,4 milhões); igualdade racial no estado de Sergipe (R$ 800 mil); povos e comunidades tradicionais – nacional (R$ 100 mil), e povos e comunidades tradicionais no Rio Grande do Norte (R$ 200 mil).

Em relação aos quilombolas, alguns programas e ações tiveram seus recursos aumentados pelo Congresso Nacional. Para saneamento básico em comunidades quilombolas, estão previstos R$ 160,4 milhões – no PLOA 2021 proposto pelo Executivo a previsão era de R$ 80 milhões. Para a distribuição de alimentos a grupos populacionais tradicionais e específicos, de R$ 18,6 milhões saltou para R$ 100,3 milhões com as emendas parlamentares. Esta política executou R$ 12,5 milhões em 2020.

A Fundação Palmares, porém, segue em um cenário desesperador de redução de recursos. Para ela foram destinados apenas R$ 1,4 milhão, na proposta do Executivo estavam previstos R$2,7 milhões.

Mulheres

Os recursos para garantir direitos humanos no orçamento do governo Bolsonaro foram, em sua maior parte, aglutinados em um só programa orçamentário Programa 5034: Proteção da Vida, Fortalecimento da Família e Diretos Humanos, executado pelo MMFDH, que abriga políticas para diversos públicos: mulheres, população negra, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, indígenas e quilombolas. A LOA 2021 prevê R$ 336,2 milhões para este programa, R$204 milhões a mais que os R$132,3 milhões previstos no PLOA 2021. Em 2020, este programa teve R$ 416,1 milhões na LOA 2020, e após os créditos extraordinários decorrentes da pandemia chegou a R$ 599,7 milhões autorizados (dados corrigidos pela inflação, acesso em abril de 2021). Ou seja, o recurso para 2021 é 19,2% inferior ao inicialmente aprovado para 2020, e 43,9% menor que o recurso total autorizado ano passado.

É possível encontrar alguns recursos específicos para políticas para mulheres, que aumentaram devido às emendas adicionadas pelo Congresso Nacional. As ações de enfrentamento a violência contra a mulher receberam R$ 2,5 milhões e as Casas da Mulher Brasileira, que oferecem serviços de assistência às mulheres, tiveram R$ 28,9 milhões de recursos garantidos, um aumento de R$ 1 milhão se comparado com o valor apresentado pelo Executivo no PLOA.

Indígenas

Para a área indígena, não houve mudanças do texto enviado pelo Executivo para o aprovado pelo Parlamento. As projeções para a Funai parecem otimistas: para 2021 o órgão contará com cerca de R$ 11,5 milhões a mais do que no PLOA 2020. No entanto, boa parte desses recursos está sujeita à aprovação legislativa: dos R$ 648,5 milhões atribuídos para a Funai em 2021, R$ 338,5 milhões estão sujeitos à aprovação do Congresso. Além disso, o acréscimo orçamentário previsto para o ano que vem está longe de ser suficiente para recuperar a esgarçada estrutura do órgão. O valor, por exemplo, está muito distante dos R$ 870 milhões atribuídos à Fundação em 2013.

No que tange à Saúde Indígena, a LOA 2021 atribuiu R$ 67,9 milhões a mais para a principal ação orçamentária da área, totalizando R$ 1,4 bilhão, algo muito positivo dado o elevado número de mortes indígenas devido ao novo coronavírus em 2020. É possível que tal aumento seja resultado das mobilizações dos movimentos sociais junto ao STF por ações mais efetivas no enfrentamento ao novo coronavírus nos territórios indígenas. De qualquer forma, é necessário monitorar os gastos para que os recursos cheguem à ponta, pois houve lentidão orçamentária ano passado: em 2020 chegamos em setembro com apenas 62% de execução orçamentária.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *