20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Câmara decide que empresário rico é grupo prioritário na fila da vacinação

Publicado em 08/04/2021 12:00 -

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A vida do rico vale mais do que a do pobre no Brasil. É assim como a parte tacanha de nossas elites política e econômica sempre viram as coisas. Não seria diferente em uma pandemia assassina global.

Quando uma política pública se choca com essa pedra fundamental da nação, ela precisa ser removida. E é isso o que fez a maioria da Câmara dos Deputados, nesta terça (6), ao flexibilizar a compra de vacinas para covid-19 por empresas para imunizar sócios e empregados. Na prática, uma bizarra furada de fila.

Vamos começar com o básico do básico: o Brasil não sofre com falta de vacinas por não ter dinheiro para compra-las, mas por que o governo Bolsonaro foi negligente e não quis encomendar imunizantes em quantidade suficiente no ano passado.

Além disso, o atraso na vacinação não se deve a uma deficiência na infraestrutura de saúde. O glorioso SUS é capaz de imunizar mais de 2 milhões de pessoas por dia – se tivéssemos vacinas, claro.

E ninguém em sã consciência é contra a ajuda da iniciativa privada. Há muita coisa que empresários que se dizem patriotas poderiam fazer, de doar comida aos mais necessitados até distribuir máscaras N95/PFF2 para evitar que trabalhadores se infectem no transporte público lotado.

O problema são os egoístas, que quando a vacina é pouca, pensam no seu braço primeiro

O projeto aprovado na Câmara altera lei de março que permitiu à iniciativa privada adquirir vacinas autorizadas ou registradas pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mas teriam que doar todas as doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) até que se encerrasse o calendário dos grupos prioritários. Depois disso, precisariam repassar 50%.

A nova proposta acaba com a necessidade dos 100% ao SUS, permite comprar vacinas que não tenham sido registradas no Brasil desde que aprovadas pelo equivalente à Anvisa de outros países. Como o poder público não conta com esse benefício, teremos um mercado reservado apenas aos empresários ricos. O PL demanda apenas que a mesma quantidade de imunizantes seja doada ao governo.

Os defensores do projeto dizem que a empresa terá que seguir o critério de grupos prioritários, mas sabemos que isso é conversa para boi dormir. Alguém duvida que isso criará uma fila dupla de vacinação, com quem tem dinheiro passando na frente de quem não tem? Se com as doses na mão do SUS, aqui e ali dá se um jeito para passar por cima dos critérios, imagina sem esse controle.

Mesmo ilegal, formaram-se filas de abonados em uma garagem de ônibus, em Belo Horizonte, para tomar uma dose de soro fisiológico. Imagine então quando isso tiver o timbre do Congresso Nacional. Vai ser a festa do caqui, passando por cima da fila do PNI.

E olha que havia um bode na sala da proposta fura-fila. Parlamentares chegaram a analisar a possibilidade de autorizar às empresas o abatimento do valor gasto com a compra de vacinas do Imposto de Renda. É isso mesmo que você leu. O que significaria transferir para todos nós o custo do cambalacho.

A cara de pau é tanta que há empresário defendendo que, diante da dificuldade de laboratórios venderem imunizantes a empresas, uma vez que a prioridade são governos, a compra seja intermediada por entidades públicas. Falta vacina, mas falta também óleo de peroba no país.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apadrinhou o cambalacho. A proposta encampada por bolsonaristas também tem o apoio do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O texto será analisado pelo Senado, que pode nos lembrar que é uma câmara revisora ou se confirmará que é apenas um carimbador de atentados contra a ética e o bom senso.

O fato de estarmos discutindo isso neste momento em que o país registra 4.211 mortes em 24 horas por covid ao invés de arregimentar bilionários e grandes empresas para ajudar a sociedade a sair do atoleiro como um todo, apoiando o SUS e não dando um passa-moleque no sistema, mostra que no fundo do poço tem um alçapão.

E lá dentro se encontra o Brasil, gritando "é cada um por si e Deus acima de todos".

Há um ano, empresários minimizavam pandemia

Quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de coronavírus, em 11 de março de 2020, infectologistas e epidemiologistas do mundo pediam que os países determinassem isolamento social, uso de máscara e álcool em gel.

Receosos com suas atividades econômicas, diversos empresários correram e se colocaram, imediatamente, ao lado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), reproduzindo o discurso que minimizava os efeitos do coronavírus e pedindo que medidas sanitárias fossem freadas.

Entre eles está Junior Durski, dono de uma rede de lanchonetes. Em 23 de março de 2020, o empresário arriscou um prognóstico sobre o número de mortes em decorrência da pandemia no país.

“Eu sei que nós temos que chorar, e vamos chorar. Mas nós não podemos parar por 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer”, vaticinou o empresário. “Não pode simplesmente o infectologista decidir se tem que todo mundo parar independente das consequências”, encerrou.

Atualmente, morrem mais brasileiros por dia do que a soma dos 10 países seguintes mais afetados pela doença. Mais de um terço das mortes no planeta ocorrem no Brasil.

No mesmo dia do prognóstico de Durski, o empresário Roberto Justus saiu em defesa do colega empresário e discordou das medidas que restringiam o funcionamento do comércio.

“Nós estamos vindo de anos de recessão, de problemas, de queda do nosso PIB, e agora nós vamos conseguir destruir. O que acontece com isso? Um problema social sem precedentes. Sim, as pessoas vão morrer. Você sabe que muita gente se mata por problemas econômicos. A tristeza de não poder alimentar os seus filhos, perder o seu emprego. Um sorveteiro deu um grande exemplo, ele falou: ‘não vou morrer do vírus, vou morrer de fome’”, explicou. “Eu quero dizer que nós estamos dando um tiro de canhão para matar um pássaro. Nós estamos exagerando na dose”, encerrou.

Menos conhecido, Alexandre Guerra, fundador de uma rede de restaurantes, tentou intimidar seus empregados com um vídeo publicado em suas redes sociais no dia 24 de março de 2020.

“Você que é funcionário, que talvez esteja em casa numa boa, numa tranquilidade, curtindo um pouco esse home office, esse descanso forçado, você já se deu conta de que, ao invés de estar com medo de pegar esse vírus, você deveria também estar com medo de perder o emprego? Será que sua empresa tem condições de segurar o seu salário por 60, 90 dias? Você já pensou nisso?”, questionou.

Em entrevista ao portal UOL, em 23 de março de 2020, Luciano Hang, dono de uma rede de lojas de departamento, afirmou que “o dano na economia vai ser muito maior do que da pandemia” e defendeu a redução de salário para os seus funcionários. “O Brasil já está parado. Preservar o emprego nesse momento é a mais importante medida que devemos ter”.

Em uma transmissão ao vivo em uma rede social, no dia 23 de março de 2020, o empresário Abílio Diniz afirmou que a pandemia “não é tão grave assim”.

“O coronavírus se espalha rapidamente e temos de ficar reclusos, mas não por muito tempo. Precisamos de um horizonte de semanas, não de meses. Precisamos saber que isso vai passar.”


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