18/04/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Quando eu digo que identitarismo, lacração, justiceiros sociais e cultura Woke são um problema grave, alguns acham que exagero

Publicado em 26/03/2021 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Quando eu digo que identitarismo, lacração, justiceiros sociais e cultura Woke são um problema grave, algumas pessoas acham que exagero.

Mesmo com a abundância de exemplos de pessoas que tiveram suas carreiras e vidas destruídas, não faltam aqueles que realmente acreditam que a turma da lacração age de boa vontade e querendo um futuro melhor – e não apenas fama, dinheiro e cargos.

Para ficar num exemplo nacional, vejam as Baianas do Acarajé que foram extremamente prejudicadas após lacradoras tentarem cavar uma vaga na Vogue inventando uma acusação de racismo contra a editora da revista.

Mas não faltam exemplos de professores e funcionários de universidades demitidos nos EUA e Europa por não fazer absolutamente nada ou simplesmente se recusarem a aderir à alguma moda adolescente ou aceitar besteiras como trigger warning antes de apresentar algum clássico da literatura.

Mas agora chegamos no ponto de gente que aderiu a absurdas teorias pós-coloniais defendendo… mutilação genital feminina.

Sim, não é "vamos debater como alcançar públicos diferentes," é DEFESA aberta e descarada de violações de direitos humanos sob a desculpa de que direito humanos é coisa de branco europeu colonizador e que faz parte da cultura de certos povos africanos MUTILAR mulheres, logo, esse barbarismo tem que ser aceito ou você que acha um absurdo não passa de um colonizador.

E tudo isso publicado em um site acadêmico reconhecido e relevante. Ou seja, ideologia Woke não promove apenas a demissão de pessoas inocentes, a destruição de carreiras de pessoas inocentes, mas também defende e promove graves violações de direitos humanos através da defesa da MUTILAÇÃO dos órgãos genitais de mulheres sob o disfarce de "respeitar culturas."

É interessante que a alguns dias eu estava ouvindo os dois primeiros episódios de uma série de 5 sobre o Satanic Panic nos EUA dos anos 60-80 em um podcast e fiquei absolutamente impressionado como tudo rolou de forma idêntica ao processo pelo qual o identitarismo toma conta hoje.

Cria-se um pânico, algo completamente fora do controle que supostamente explica todas as mazelas sociais (machismo, homofobia, racismo… satanismo) e através de argumentos estapafúrdios, sem qualquer base ou noção, se espalha através da mídia (hoje redes sociais também) ao ponto em que você não tem como escapar – ou você também acusa o colega de ser racista e machista, ou você vai ser a próxima vítima e será acusado e cancelado.

No meio tempo você tenta, claro, cavar algum cargo, alguma posição de destaque, se tornar conhecido na mídia, famoso, etc…

À medida que eu ouvia o podcast eu ficava mais e mais impressionado como o mecanismo para criar pânico é igual. E como simplesmente funciona. Antes eram religiosos conservadores, hoje é a esquerda lacradora.

Agora também defendendo violações dos direitos humanos. Tudo por uma boa causa.

Eis o absurdo.

OFENDIDINHOS

Eu comentei há algum tempo por aqui que muitas vezes o sucesso não é medido pelos elogios que você recebe, mas pelas críticas (e ofensas, ameaças, etc…).

Hoje (e ontem) novamente tive a prova disso. Saiu texto meu na Al Jazeera em que comento sobre a decisão de Fachin (e a decisão posterior da segunda turma do STF) de anular os processos da Lava Jato contra o Lula e como isso afeta a operação e promove ainda mais vitimismo tanto do Lulismo quanto do Bolsonarismo.

Minha análise é extremamente objetiva – STF é político, a Lava Jato carrega sua cota de política, a decisão no fim é política, atualmente vivemos num caos e nada aponta uma melhora -, mas claro, também carrega minha opinião ou minha visão sobre as consequências – a de que a decisão do STF joga mais gasolina no fogo e no caos em que se encontra o Brasil e que isso é, enfim, ruim.

Um dos grandes problemas da política brasileira hoje é que a galera não entende análise factual e precisa encontrar formas de se fazer de vítima. A anulação da condenação do Lula, politicamente, é uma bomba. Cria caos. E vejo isso como algo negativo, ao contrário de uma maioria petista que acha tudo lindo, positivo, fofo.

Não quer dizer que a decisão foi correta ou errada, fiz uma análise objetiva das consequências. É impressionante como a galera pula o que não interessa e fica ofendidinho porque o político de estimação não foi saudado como a Khaleesi salvadora do mundo. E, claro, decisão política do STF só é ruim (ou política) se for contra o ídolo político.

Consta do meu texto: "even if it was genuinely aimed at protecting the rule of law and the legitimacy of Operation Car Wash". Não faço juízo de valor se a decisão do Fachin foi ou não correta, repito – potencialmente foi -, e sim as CONSEQUÊNCIAS da decisão.

Mas como eu não vejo Lula como a Khaleesi libertadora dos escravos – e deixo isso claro no texto ao lembrar da vitimização do PT, minha visão não é simpática a ele -, aí não pode. Vira ~fascismo~. O engraçado são os lulaminions floodando as mentions da Al Jazeera me chamando de bolsonarista.

Ou seja, que a decisão (política, como tudo que parece envolver a Lava Jato) joga o país (ainda mais) no caso é um fato. É uma análise objetiva. Mas como não louvo o político de estimação da esquerda, o texto torna-se inaceitável.

NA WIRE

Fui capa da Wired com um texto sobre como a Copa das Favelas e a Taça das Favelas Brasil (organizadas pela CUFA – Central Única das Favelas e pela  PerifaCon), além de equipes profissionais de esposts como o Team Liquid e a Zero Gravity Teamcontribuem para melhorar a vida de jovens gamers da favela.

As competições de FREE FIRE (da Garena Free Fire) atraíram milhares de jovens e deram oportunidade para que alguns deles entrassem em times profissionais e mudassem suas vidas.

Entrevistei o PRETO ZEZÉ e o Marcus Athayde da CUFA, os gamers Dexter e Deylanne Nayara, além do Glauber Molinari do Zero Gravity e o Bruno Santos do Team Liquid.

TRABALHADORAS SEXUAIS

Se existe algo que é certo, que é, diria Nelson Rodrigues, batata, é que trabalhadoras sexuais vão se dar mal sempre que legisladores com alegadas boas intenções tentam tornar algo "seguro".

Uma nova legislação visando controlar a farra das propagandas (ads) políticas e pagas de forma bastante duvidosa, por pessoas ou organizações duvidosas, vai, obviamente, prejudicar trabalhadoras sexuais. E pode ir muito além, já que resgata a eterna tentativa de criminalizar plataformas pelo conteúdo postado nelas.

Nos EUA a legislação caminha pro lado contrário do que prega o Marco Civil brasileiro. Por lá querem criminalizar serviços pelo que hospedam, o que promove censura e cultura de medo. No Brasil plataformas só podem ser responsabilizadas se desrespeitarem decisão judicial. E esse é o caminho correto, senão você acaba defendendo censura prévia, além de também inviabilizar o modelo de negócios de empresas menores que simplesmente não tem condições de filtrar previamente o que é jogado em suas redes.

Claro que a lei também é cheia daquele bom mocismo de fachada de "vamos proteger nossos jovens de assédio," mas que, claro, promoverá censura.

"Under the SAFE TECH Act websites would not get this protection for content involving payments,a move designed to cover advertising that enables scams and fraud. Senators Mark Warner, Mazie Hirono and Amy Klobuchar, who proposed the bill, said that sites would also be legally accountable for content linked to harmful activity such as stalking and harassment."

Quem define o que é assédio? Uma pessoa aleatória ligada à uma plataforma com poder de banimento e censura ou deveria ser a justiça?

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Lembrando que eu escrevi recentemente, para a Newsweek, sobre o poder excessivo que as plataformas tem, agindo quase como Estados ou a própria ONU. O que essa legislação propõe, ironicamente, é dar ainda mais poder às plataformas de decidir se um conteúdo deve ou não ser sequer publicado em suas redes.

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DANÇANDO AO SOM DO CORONA

Em janeiro de 2020, o mundo estava começando a receber notícias preocupantes de que um vírus potencialmente mortal havia surgido na China e estava começando a se espalhar. Ainda não sabíamos da gravidade da pandemia que se aproximava, mas imediatamente surgiram campanhas por toda a América Latina sobre como evitar ficar doente – lavar as mãos, manter distância social, tossir a boca, etc. Ainda pouco foi dito sobre o uso de máscaras, e a imposição de lockdowns era impensável.

Foi neste mesmo início que o cantor mexicano Mr. Cumbia lançou "La Cumbia del Coronavirus" em janeiro passado. Durante os meses de fevereiro e março de 2020, vários artistas de toda a América Latina seguiram o exemplo.

Até então, a pandemia ainda estava no início e ninguém tinha idéia de que o mundo praticamente pararia nos meses seguintes. Em meados de março do ano passado, Argentina e Costa Rica decidiram fechar escolas, Bolívia e Colômbia reforçaram suas fronteiras, Chile e México proibiram os torcedores em partidas de futebol e outros países também adotaram medidas semelhantes – embora nenhum país latino-americano, além do Brasil, tivesse relatado mais de 100 infecções naquela época. A Argentina relatou sua primeira morte – e a primeira na região – em 8 de março.

Naquela época, dezenas de artistas conseguiram encontrar na música uma maneira de se divertir, até mesmo de brincar sobre a pandemia, mas também de ensinar medidas básicas de higiene e, no final, de desabafar sobre toda a situação que logo iria se agravar.

Compilei várias dessas músicas, que vão da Cúmbia ao Forró, passando pela Salsa, o Funk e o Corrido.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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