27/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Em plena crise sanitária e econômica, UFMS quer cobrar atendimentos em saúde

Publicado em 25/03/2021 12:00 -

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Em plena crise sanitária e econômica suscitada pela pandemia da Covid-19, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) abre a possibilidade de cobrar pelo atendimento prestado pela Clínica Escola Integrada (CEI), que hoje oferece um leque importante de serviços em saúde para a população, especialmente para aquela fatia da sociedade que mais tem sofrido com os resultados da crise.

A tabela de preços que poderão ser cobrados da população será apresentada nesta sexta-feira (26), às 14h, aos membros do Conselho do Instituto Integrado de Saúde (INISA). A proposta não explicita claramente se os serviços serão cobrados ou não, dando a entender que se trata apenas de um levantamento com custos basais praticados nos serviços. No entanto, nas discussões anteriores ocorridas sobre o tema no Conselho do INISA, a proposta era a cobrança direta aos usuários.

A CEI oferece gratuitamente serviços de fisioterapia, nutrição e enfermagem para a população em geral. São vários os serviços que os cursos de graduação e pós-graduação, por meio de estágios, projetos de extensão e pesquisa, disponibilizam à sociedade. Hoje, o público recebe o tratamento e o cuidado em saúde sem pagar nada diretamente, e o financiamento é feito pelo MEC, com repasses à UFMS. Vários serviços oferecidos são encontrados apenas no CEI, como o Projeto Respira, que oferece fisioterapia respiratória para crianças, serviço que o próprio município não oferece via SUS. Com a proposta que será apresentada amanhã no INISA, estes pacientes poderiam ser cobrados por procedimento. Ou seja: se uma criança do Projeto Respira precisar de tratamento em longo prazo e vários exames na avaliação, cada um deles seria cobrado individualmente, como ocorre em muitos serviços particulares.

Projeto Respira é um dos serviços que hoje é gratuito e pode ser cobrado.

Integrantes do Conselho e docentes dos cursos que compõem a CEI não consideram que o debate sobre o tema tenha sido amplo, e, apesar de concordarem com a necessidade de uma discussão sobre as formas de financiamento para sustentabilidade da Clínica Escola Integrada, questionam a cobrança de procedimentos aos pacientes, que deve tornar ainda mais precária a já difícil vida de quem precisa de atendimento em saúde.

O tema gerou debates acirrados entre os conselheiros do INISA, e tem encontrado renhida resistência, em especial dos conselheiros que representam a Fisioterapia e a Saúde Coletiva.  “Na última reunião ordinária do Conselho nos foi dito que na reunião desta sexta seria apresentada a tabela para aprovação, sem que tenha havido um amplo debate envolvendo a comunidade acadêmica e os usuários dos serviços. Fomos surpreendidos com o aviso de que seria apresentada uma tabela para aprovação da cobrança de procedimentos dentro da Clínica Escola”, disse uma conselheira.

O sentimento de muitos conselheiros e docentes do INISA é que a medida será um retrocesso. “Temos que lembrar que temos uma Constituição que diz que a saúde é dever do Estado e direito de todos. Temos que lembrar que a Lei 8080 diz que o SUS é ordenador da formação de recursos humanos. Então, não cabe a uma instituição pública federal, que deve servir à sua comunidade, fazer esta cobrança a usuários que não têm condições de pagar por esses tratamentos, especialmente em um momento como este, de pandemia, onde sabemos que as pessoas vulneráveis se tornaram ainda mais vulneráveis, e que muitas outras, antes não vulerabilizadas, passaram a depender dos serviços públicos de saúde”, desabafa um conselheiro.

A sala de vacinas da Clínica Escola Integrada atende toda a comunidade.

Outro membro do INISA diz que é muito comum professores tirarem do próprio bolso recursos para que as pessoas comprem fraldas, passe e cesta básica para poderem cumprir seu tratamento, que não é uma escolha, mas uma necessidade. Como cobrar de quem, muitas vezes, não tem recursos nem mesmo para manter o tratamento? “Nós estamos contra a aprovação desta tabela de cobrança, e entendemos que há necessidade de debater isso com a sociedade, professores, alunos e com a comunidade que utiliza os serviços da Clínica Escola Integrada”, reforça.

De fato, a grande maioria dos usuários da CEI são pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, que não conseguem vaga nos serviços do SUS oferecidos no município. Na Fisioterapia, por exemplo, há fila de milhares de pessoas no serviços públicos oferecidos em Campo Grande. A CEI da UFMS, aliada a outras clínicas escolas do município, absorvem estes pacientes. Um estudo do Mestrado em Saúde da Família da UFMS, mostrou que entre janeiro e fevereiro de 2019 cerca de 1400 pessoas haviam sido atendidas pelos serviços públicos de fisioterapia na capital do Estado, embora houvesse ainda outras 1500 na fila do atendimento. As clínicas escolas, portanto, têm papel fundamental para desafogar os serviços de saúde, ao menos em parte.

“Cobrar destes usuários que já estão vulnerabilizados, e as vezes não tem dinheiro nem para pegar um ônibus para ir à clínica receber o tratamento, é aprofundar a iniquidade em saúde, aprofundar as desigualdades. Levar esta conta aos usuários é um crime”, opina uma docente da Saúde Coletiva da universidade.

Uma opção

Há experiências em que as clínicas escolas, tanto de universidades públicas como privadas, são financiadas pelo SUS a partir de convênios entre o município e as instituições. Neste caso, as instituições que oferecem os serviços de saúde pelas clínicas são contratualizados pelo município e financiados pelo SUS. Esta seria uma saída para a CEI da UFMS. Mas isso requer boa vontade.


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