28/03/2024 - Edição 540

Ecologia

O que são florestas públicas não destinadas e por que elas importam

Publicado em 23/03/2021 12:00 -

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Existem no Brasil 64,5 milhões de hectares de áreas públicas não destinadas, segundo o Serviço Floresta Brasileiro (SFB). São regiões ocupadas principalmente por florestas, pertencentes aos estados ou à União, mas que ainda não foram destinadas à utilização pela sociedade. No total, ocupam uma área equivalente a 7,5% do território nacional e maior que a de qualquer país europeu, exceto a porção da Rússia situada no velho continente.

Localizadas principalmente na Amazônia, essas florestas deveriam ser foco de conservação ou destinadas ao uso sustentável. No entanto, na ausência de ações específicas de monitoramento ou fiscalização por parte do poder público, bem como de um planejamento territorial efetivo, as áreas não destinadas se transformaram em terra de ninguém, presas fáceis de grileiros e desmatadores ilegais. O resultado é que, exceto no estado do Amazonas, onde extensos blocos de floresta ainda persistem, esses territórios estão se tornando cada vez mais fragmentados (como se pode ver no mapa abaixo).

Em 2020, 18 milhões de hectares de áreas não destinadas na Amazônia estavam registrados como propriedades privadas no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). Desse total, quase metade é ocupada por grandes propriedades (49%), e o restante está distribuído entre imóveis rurais médios (28%) e pequenos (23%).

Embora existam títulos válidos emitidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou por regularizações do Programa Terra Legal, a maioria dos imóveis rurais no interior das áreas não destinadas não é reconhecida. Até o ano passado, cerca de 2,8 milhões de hectares de florestas não destinadas da Amazônia já haviam sido desmatados e 60% dessa perda ocorreu nas áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esse desmatamento tem, portanto, nome e endereço conhecidos.

Nesse contexto, com alvos específicos e um mínimo plano de inteligência territorial, teria sido possível responsabilizar — e, talvez, conter —  entre 24% e 34% do desmatamento anual na Amazônia observado em áreas não destinadas nos últimos seis anos (veja o gráfico a seguir).

Além do desmatamento, há também o fogo. Entre 2018 e 2020, 1,5 milhão de hectares de florestas não destinadas foram queimados. Desse total, quase 1 milhão de hectares estavam até então intactos, e foram transformadas em cinzas ou tiveram suas funções ecossistêmicas comprometidas em diferentes graus. O restante das áreas incendiadas compreendeu sobretudo territórios desmatados há menos de dois anos, contribuindo para a consolidação dessas áreas. O fogo também foi usado na limpeza de pastos, de vegetação florestal em diversos estágios de regeneração e de vegetação não florestal.

Além do desmatamento e do fogo, há também a mineração. No total, 12,3 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas apresentam algum registro de demanda de exploração minerária e em metade dessa área a prospecção está autorizada, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM). Embora na prática essas áreas não estejam sendo exploradas, o simples fato de existirem registros oficiais faz pairar também a sombra da mineração sobre as florestas não destinadas. E isso sem considerar o garimpo ilegal tão espalhado pela Amazônia.

Mas há soluções. A destinação dessas áreas de acordo com a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284) de 2006 é a principal. Ela compreende diversas medidas: a criação de florestas nacionais, estaduais e municipais; a destinação da floresta para uso comunitário, como assentamentos florestais, reservas extrativistas e áreas quilombolas; e a concessão florestal, por tempo determinado e via contrato para pagamento pelo uso de recursos, incluindo exploração de madeira e de produtos não madeireiros e de serviços como o turismo.

Realizada de forma transparente e criteriosa, evitando premiar especuladores imobiliários e reforçar o ciclo de desmatamento, a destinação traz benefícios diretos e indiretos à sociedade, por meio da manutenção de serviços ecossistêmicos providos pela floresta, como a regulação climática e hidrológica, e de benefícios socioeconômicos, como um pilar para o efetivo desenvolvimento de cadeias da bioeconomia. Durante esse processo, governos federal e estadual devem assumir suas responsabilidades e alocar recursos e empreender esforços para a conservação das florestas públicas, evitando a usurpação do patrimônio de todos os brasileiros. 

Edenise Garcia é diretora de ciências e Mariana Soares é especialista em ciências, ambas na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br


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