19/04/2024 - Edição 540

Entrevista

‘Não vi grandes líderes aparecerem publicamente sem máscara’, diz presidente do Conselho do Albert Einstein

Publicado em 15/03/2021 12:00 -

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Presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde (Icos), Claudio Lottenberg critica a falta de um discurso uníssono nacional em defesa de medidas sanitárias, do distanciamento e da imunização para frear os altos índices de contágio por Covid-19.

Lottenberg critica também o presidente Jair Bolsonaro, sem citá-lo, afirmando que não viu "grandes líderes aparecerem sem máscaras”. O médico defende uma ação coordenada contra o coronavírus: “Precisa alguém bater na mesa e dizer: olha, nós vamos seguir um protocolo comportamental por 90 dias”.

Lottenberg defende a diplomacia da vacina e a compra de doses pelo governo federal e a liberação da aquisição pelo setor privado. Também se diz otimista no combate à pandemia, apesar do alto número de mortes, e acredita numa melhoria do panorama do país entre setembro e outubro, o que ocorreria com a ampliação da vacinação.

 

Como chegamos a esse alto índice de disseminação da doença e ao cenário de caos na saúde?

A partir do Natal, as pessoas praticamente passaram a conviver como se a Covid-19 não estivesse ocorrendo. Isso acentuou a transmissão. O chamado R0, que é o índice transmissibilidade da Covid, não mudou. É de 3,5 vezes, ou seja, cada pessoa infectada pode infectar até três pessoas e meia. E todo mundo começou a sair sem máscara.

Além disso, parece que as variantes do coronavírus são ainda mais transmissíveis. Então, deixamos as coisas acontecerem e ao mesmo tempo não nos preparamos para fazer vacina.

De quem é a culpa da atual situação? Da população ou dos governos?

Existe uma falta de engajamento por parte do paciente em relação ao seu próprio cuidado. Mas também precisávamos de modelos, de orientação. E não vimos uma linguagem única, em caráter nacional. Quer dizer, a utilização de máscara e do álcool gel, que deveria ser um mantra, não aconteceu. É culpa de uma ordem de governança que não soube construir, em um ano, um mínimo de entendimento. Acho que essa pergunta tem que ser feita pelo governo federal.

Mas qual a importância do exemplo dos governantes? Nos EUA, por exemplo, houve uma forte queda de casos e mortes após a mudança do governo, que agora obriga o uso de máscara.

Se houve um ente que não criou um clima inspiracional, foi o governo federal. Não vamos olhar o modelo americano, mas o israelense — o primeiro ministro de Israel foi o primeiro a ser vacinado. Não vi grandes líderes de diferentes países apareceram publicamente sem máscara.

Nosso cenário é reversível?

Claro. Nosso plano nacional de imunização é um dos mais respeitados do mundo. Somos capazes de vacinar 1 milhão de pessoas por dia, talvez até mais. Então, é possível mudar o atual cenário em três a quatro meses. Mas é necessário que as pessoas entendam que o distanciamento social é fundamental. E que a articulação deve ser focada no cidadão, e não em interesses de governos.

Vemos gente que nega a vacina, gente que nega a Covid, gente que acha que a vacina vai salvar tudo e não precisa se distanciar. Quer dizer, precisa alguém bater na mesa e dizer: "olha, vamos seguir um protocolo comportamental por 90 dias e nos comprometemos a ter um calendário de paz, vamos parar de brigar, de guerrear e fazer o que a gente precisa".

Precisamos tomar duas medidas. A primeira é o distanciamento, álcool gel e máscara. A outra é produção de vacina. E parece que o governo federal entrou em campo essa semana — fechou iniciativa para participação do setor privado; se mexeu internacionalmente para que a produção de vacinas com a vinda dos IFAs (ingredientes farmacêuticos ativos, matéria prima das vacinas); fechou acordo para importação de vacinas.

Qual o melhor caminho para acabar com a fila dos leitos?

O leito é a compensação de uma falta de prevenção e de vacina. A CoronaVac, por exemplo, evita quase 100% das formas graves da Covid-19, e o problema principal não está em ser infectado por Covid-19, mas precisar de UTI. A vacina, então, pode mudar o jogo.

A pandemia do coronavírus está no país há 1 ano. O que o senhor aprendeu neste período?

Algumas coisas. Em primeiro lugar, que nosso país está extremamente dependente de tecnologias na área de saúde. Precisamos importar ventilador e alguns tipos de remédio. A segunda questão foi um aprendizado sobre a importância da saúde. Em geral, esta era uma pauta debatida somente em calendários eleitorais, a cada dois anos. Acredito que as pessoas vão se engajar mais neste tema. E, em terceiro lugar, a discussão sobre as doenças mentais. Nunca se falou tanto sobre depressão, ansiedade. Esses elementos estão presentes na nossa saúde desde sempre e são comorbidades.

As instituições privadas têm tido mais protagonismo agora do que no passado?

Defendo a inserção do setor privado no público. O cidadão, ao procurar o SUS, quer ser atendido. Não está preocupado com quem fará isso. Cerca de 60% dos leitos em atendimento no SUS são privados.

Se o setor privado tivesse ido às compras para atender vacinas e ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs), muito provavelmente teríamos a imunização mais acelerada. Isso não significa excluir a população que não tem dinheiro. As vacinas seriam vendidas ao SUS, que é o sistema responsável por administrá-las. Esta é uma realidade em vários países. Não é entreguismo ou terceirização.

A economista Monica de Bolle acha que podem sobrar vacinas nos países ricos e isso beneficiaria o Brasil. Acredita que isso vai acontecer?

Há vacinas lá fora e IFAs aqui. E existem fábricas no Brasil com capacidade de produção de 200 a 300 mil vacinas por dia. Mas o governo precisa decidir se quer comprar ou se deixará o setor privado comprar. Até agora, nada está definido. Não há diplomacia de vacina, não há um relacionamento.

Mas estou otimista. Precisamos acreditar na vacina e os resultados vão aparecer. E até setembro, outubro, devemos estar numa condição muito melhor. É muito tempo? É. Muita gente que vai morrer Sim. São 2 mil óbitos por dia. Precisamos reduzir este número.


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