29/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Vale dos Desconhecidos

Publicado em 19/12/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Não importa se você é cristão, muçulmano, judeu, ateu ou colecionador de pokemon. Nada falha tão completamente em suas tentativas de promover o espírito natalino como a prática do Amigo Secreto.  As empresas e repartições em todo país são tomadas nesta época do ano por essa prática, que consiste em reduzir a responsabilidade de presentear os colegas ao seu mínimo denominador comum: a sorte.

Se a intenção de promover a sociabilização e o congraçamento das equipes era boa, a coisa toda cai por terra já na hora de elencar os participantes. Sempre vai ter um realista (ou mala) que não vai querer brincar. A chaga de ser uma pessoa desagradável e antissocial vai acossá-lo para o resto de sua vida profissional. Melhor que ele use o tempo poupado para abrir uma conta no LinkedIn porque ele acaba de cometer suicídio profissional naquela empresa. Mas ele não estará sozinho. O Amigo Secreto também vai providenciar o exílio social de qualquer um que reclamar do valor-piso dos presentes. Sim, porque Amigo Secreto que se preze tem o valor mínimo estipulado. Ou seja: ninguém está autorizado a demonstrar desprezo pelo seu amigo secreto abaixo de X reais. Quem reclamar dessa margem ganhará o estigma de “pão-duro” da empresa e pode dizer tchau para suas chances de promoção. Ninguém quer gente sovina assumindo o orçamento do departamento.

Ganhou vale-presente? Guarde em local seguro. Afinal, Natal tem todo ano. E Amigo Secreto também.

Os que topam participar serão divididos em dois grupos: os que sortearam pessoas que gostam e aqueles que não tiveram tanta sorte. Os primeiros farão um esforço maior para agradar os coleguinhas. Os segundos vão incorrer no grande pecado natalino: o vale.

O vale presente é a afirmação tácita da irrelevância alheia. Se você ganhou um vale-alguma-coisa, está implícita a seguinte mensagem no seu presente: “eu não te conheço, nem tenho interesse em sua pessoa. Como não posso gastar menos do que X reais, e seria constrangedor te entregar uma nota de X reais, eu resolvi te dar esse cartão de plástico”.

Agora você fica obrigado a se deslocar até a filial mais próxima da loja escolhida por seu “amigo”, enfrentar as multidões (Natal, lembra?), as canções natalinas (Então é nataaaal, não é, Simone?), gastar horas tentando achar algo do seu interesse (trabalho que seu “amigo” não quis ter), provavelmente inteirar o valor de algo que realmente lhe interesse e voltar pra casa com menos dinheiro na carteira do que você tinha antes de ganhar seu “presente”.

Fica a dica: ganhou vale-presente? Guarde em local seguro. Afinal, Natal tem todo ano. E Amigo Secreto também.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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