Mundo
Publicado em 19/12/2014 12:00 -
Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.
A historiadora e antropóloga Miriam Celaya é uma das veteranas do cenário blogger cubano. Seu blog, sinEVAsión, está no ar há pouco mais de quatro anos e possui um dos conteúdos mais instigantes entre os diários virtuais que compõem o portal Desdecuba. Juntamente com Regina Coyula, Rebeca Monzó e Fernando Dámaso, Miriam conversou com a Semana On em uma tarde morna em Havana.
Por Victor Barone
É comum entre setores da esquerda brasileira se referir aos blogueiros cubanos como agentes da CIA, mercenários e contra-revolucionários. O que você diria a estas pessoas?
Penso que estas pessoas deveriam conhecer de perto o nosso dia a dia para perceber que não somos pagos para escrever nossos blogs. Eventualmente não temos o que comer em casa. A maioria de nós está no que seria a classe média cubana, que é algo muito precário. Nossa única satisfação é a de poder expressar nosso pensamento. A mim me parece desrespeitoso o que esta gente diz. Amigos de Cuba, não queiram para nós o que não desejam para vocês.
A que você atribui esta opinião?
Muitos são alheios à realidade. São de esquerda porque não sofreram a esquerda. Simpatizam com Cuba porque não vivem em Cuba e não tem as limitações que temos aqui. Vivem com liberdade para expressar-se, com direito a lutar pelo governo que têm em seu país. Podem sair e falar o que quiserem. Têm salários justos e empregos dignos e, se não os têm, podem filiar-se a um sindicato e lutar por isso. Aqui não temos direito a nada disso.
Há os que visitam Cuba e voltam maravilhados…
Temos o Instituto Cubano de Amizade com os Povos que organiza viagens de solidariedade. Esta gente, quando faz a tour por Havana vê uma cidade que os deixa maravilhados, porque os levam a uma fazenda modelo, lhes mostram projetos especiais com crianças e no outro dia essa pessoa diz: “O que há? Em Cuba se pode fazer um transplante de coração gratuito!”. Mas é o mesmo país onde estou há dois meses sem tomar os comprimidos que necessito por estar operada. Onde se adoece de hepatite a cada cirurgia, onde a comida é racionada ao limite, onde não se pode expressar seu pensamento. São estas as disparidades.
Acredito que um dia a ditadura vai acabar pela morte ideológica e de seus líderes, que estão muito velhos e doentes, e pelo esgotamento deste país.
Qual sua fonte de renda?
Sou licenciada em História, mas tenho formação antropológica. Dediquei mais de 20 anos à pesquisa na Academia de Ciência, especialista em Arte e Origem. Em 2005 abandonei o trabalho estatal para trabalhar e pesquisar por conta própria, me dedicando ao jornalismo cidadão. Hoje, em meu blog, sem remuneração, escrevo sobre temas de opinião, sociedade, pensamento e análise política de Cuba. Profissionalmente escrevo para jornais como o Diário de Cuba. Se eu publico em um periódico e recebo, este é meu trabalho. No blog ninguém me paga. Não condiciono minha palavra a ninguém.
Escrever o blog é como uma catarse cidadã?
Neste momento permanecer calado é ser cumplice da ditadura. Falar é um direito cívico e uma responsabilidade. Há um grupo que já superou esta etapa de catarse, de experimentação ou lamento. Os problemas estão ditos. Temos de empurrar o muro que nos contêm e que por muito tempo ignoramos.
Durante minha estadia em Cuba tive a nítida impressão de que o cubano, assim como o brasileiro, não se interessa por política.
O cubano tem muitas coisas imediatas para ocupar-se antes de querer informar-se. A formação da nação cubana – e a própria idiossincrasia do povo cubano, se é que há um arquétipo ou estereótipo de cubano – é marcada pela imediatez, pela saída rápida, por um abandono da responsabilidade cívica. Tenho muitos amigos que me perguntam: “Por que estás metida em política? Tens um bom apartamento, teu marido tem um bom salário (meu esposo é cubano, mas tem a cidadania espanhola e é marinheiro), não passas fome!”. Exatamente por ter superado estas necessidades mais prementes é que posso parar e pensar, ser cidadã.
Há partidos políticos ilegais em Cuba. Eles são uma opção para o contraditório?
Partidos de oposição querem uma cadeira no poder e, por vezes, têm seus próprios caudilhos contra a democracia. Sou um ente político como cidadã, não é necessário estar em um partido para exercer esta cidadania.
Quais suas perspectivas de futuro para Cuba?
Acredito que um dia a ditadura vai acabar pela morte ideológica e de seus líderes, que estão muito velhos e doentes, e pelo esgotamento deste país. Há um esvaziamento de lideranças. A nação está em um beco sem saída. O sistema fracassou, o povo está exausto, a imigração um caos, o governo não tem programa. Os jovens querem ir embora. Tudo está esgotado. O sistema conseguiu implantar e generalizar uma onda de retrocesso moral em que todos dizem uma coisa, mas pensam de outra forma. Há um mascaramento público de opiniões e posturas. Quando isso tudo terminar vai ser muito difícil. Não tenho ilusões. Cuba está em um período de transição, mas para onde?
Confira os demais artigos do Especial Cuba
Um olhar crítico e amoroso sobre a ilha dos Castro
Túlio: O Empreendedor – Quando a vontade de crescer esbarra na ideologia
Orcília: A Pedinte – A homogeneização da pobreza na Cuba igualitária
Danilo: o Músico – A alma de Cuba ainda repousa na boa música que embala a ilha
Leandro e seu Coco Taxi – O embargo como causador de todos os males
Mensagem na Garrafa – A blogueira Regina Coyula explica o fenômeno dos blogs cubanos
Números no Lugar – O blogueiro Fernando Dámaso fala sobre saúde e educação em Cuba
Imprensa Agrilhoada – Rebeca Monzo fala de jornalismo em Cuba
Deixe um comentário