28/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Redes sociais, o monstro digital que é preciso domar

Publicado em 01/03/2021 12:00 -

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Quem nunca passou pela seguinte situação? Ia só dar uma olhada nas redes sociais, aí, quando por fim tira os olhos, agora avermelhados, do monitor, passou-se de novo uma hora, ou mais.

Plataformas de internet são devoradoras de tempo, e intencionalmente: graças ao nosso tempo e atenção, os conglomerados de Silicon Valley entraram para a liga das companhias mais valiosas do mundo, nossos dados "pescados" em massa por elas não passam de um acessório indispensável.

Na "economia da atenção", a competição é dura. Como dano colateral, restam nossas sociedades cada vez mais divididas: iradas, polarizadas, deprimidas, desinformadas – e à disposição de "flautistas de Hamelin" de todas as tendências ideológicas possíveis.

Isso porque, diante da questão de o que oferecer ao usuário, as inteligências artificiais dos supercomputadores só atentam para uma coisa: o que prende a atenção? O que promove engajamento? O que faz se envolver com a plataforma? A resposta: o que fala mais às emoções. E que sentimentos são mais fáceis de provocar? Medos. E, intimamente relacionada a eles, a raiva.

Modelo hate for profit

Quem se pergunta por que de repente velhos conhecidos começam a tagarelar sobre chemtrails, ou a acusar Bill Gates de querer, furtivamente, implantar chips na humanidade através da vacinação, encontra aqui pelo menos parte da resposta.

Quando os algoritmos recomendam novos conteúdos, para eles tanto faz quanta verdade contenham e o que desencadeiem nos usuários. Decisivo é apenas: o usuário permanece no site? Para monetizar nossa atenção, conteúdos cada vez mais extremos tendem a ser mais reforçados, numa espécie de espiral descendente movida a tecnologia. E a "voz da razão", talvez um tanto mais monótona, fica de fora.

Ativistas designaram esse modelo de negócios com a fórmula hate for profit – ódio traz lucro. Mesmo que apenas um indivíduo em cada 100 seja receptivo a teorias de conspiração, o Facebook tem mais de 2 bilhões de usuários em todo o mundo, e o Youtube, quase isso.

No entanto, as redes sociais, enquanto distribuidoras de informação centrais, direcionam o modo como vemos o mundo. E enquanto, por um lado, conteúdos não comprovados e extremos são varridos das margens da sociedade para seu interior; por outro, cada vez mais as informações pesquisadas e verificadas das mídias estabelecidas desaparecem por trás dos paywalls de acesso pago.

Melhoras meramente reativas

Para existir, a democracia depende de cidadãos que possuam uma base comum de diálogo. Não é difícil imaginar para onde se encaminha uma sociedade de gente desinformada que não encontra mais uma linguagem comum.

Sob a pressão pública, Facebook, Google e companhia estão agora dando um pouco de jeito nessa situação, ao empregar um punhado de estudantes para, reativamente, apagar as aberrações mais gritantes. Mas isso não basta. Por um lado, pelo fato de os gigantes da mídia social operarem em escala global e em centenas de idiomas – enquanto a verificação dos conteúdos basicamente só ocorre em algumas línguas ocidentais.

Um exemplo, em que até mesmo o Facebook admite parte da culpa, foi a expulsão de Mianmar da minoria muçulmana dos rohingya, em 2017. A rede social se tornara a tal ponto um polo de discurso de ódio e incitação à violência que em 2018 uma investigadora das Nações Unidas a tachou de "monstro".

Apesar disso, na sede da Facebook em Menlo Park, Califórnia, não se sabe hoje sobre os conteúdos em outros idiomas da Ásia e África muitos mais do que se sabia em 2017 sobre o em birmanês. O mesmo vale para o Youtube e demais concorrentes.

Regulamentar como água ou energia

Acima de tudo, uma abordagem reativa não bastará enquanto o sucesso da empresa depender de nos manter o maior tempo possível na plataforma apelando aos nossos instintos mais baixos, sem levar em consideração os eventuais danos.

Atualmente os serviços de internet desempenham um papel tão central em nossas sociedades que precisam ser regulamentados, da mesma forma que o abastecimento de água ou eletricidade. Para o bem da saúde pública, faz mais sentido tratar a água antes de ela fluir pelos encanamentos do que instalar filtros em cada residência.

As redes sociais deveriam ser encaradas com pelo menos esse grau de cuidado. A questão não é "censurar": já se ganharia muito se não apenas os conteúdos mais extremos fossem promovidos. Mais ainda, se se oferecesse, em primeira linha, aquilo que contribua para evoluirmos, como indivíduos e como sociedade. Por exemplo, se o critério para concessão de licenças fosse "seres humanos na frente dos lucros".

Nossa atenção é um recurso importante demais para pô-la nas mãos de empresas sem qualquer regulamentação. Muito obrigado pela sua atenção.

Matthias von Hein – Jornalista da DW

Quem nunca passou pela seguinte situação? Ia só dar uma olhada nas redes sociais, aí, quando por fim tira os olhos, agora avermelhados, do monitor, passou-se de novo uma hora, ou mais.

Plataformas de internet são devoradoras de tempo, e intencionalmente: graças ao nosso tempo e atenção, os conglomerados de Silicon Valley entraram para a liga das companhias mais valiosas do mundo, nossos dados "pescados" em massa por elas não passam de um acessório indispensável.

Na "economia da atenção", a competição é dura. Como dano colateral, restam nossas sociedades cada vez mais divididas: iradas, polarizadas, deprimidas, desinformadas – e à disposição de "flautistas de Hamelin" de todas as tendências ideológicas possíveis.

Isso porque, diante da questão de o que oferecer ao usuário, as inteligências artificiais dos supercomputadores só atentam para uma coisa: o que prende a atenção? O que promove engajamento? O que faz se envolver com a plataforma? A resposta: o que fala mais às emoções. E que sentimentos são mais fáceis de provocar? Medos. E, intimamente relacionada a eles, a raiva.

Modelo hate for profit

Quem se pergunta por que de repente velhos conhecidos começam a tagarelar sobre chemtrails, ou a acusar Bill Gates de querer, furtivamente, implantar chips na humanidade através da vacinação, encontra aqui pelo menos parte da resposta.

Quando os algoritmos recomendam novos conteúdos, para eles tanto faz quanta verdade contenham e o que desencadeiem nos usuários. Decisivo é apenas: o usuário permanece no site? Para monetizar nossa atenção, conteúdos cada vez mais extremos tendem a ser mais reforçados, numa espécie de espiral descendente movida a tecnologia. E a "voz da razão", talvez um tanto mais monótona, fica de fora.

Ativistas designaram esse modelo de negócios com a fórmula hate for profit – ódio traz lucro. Mesmo que apenas um indivíduo em cada 100 seja receptivo a teorias de conspiração, o Facebook tem mais de 2 bilhões de usuários em todo o mundo, e o Youtube, quase isso.

No entanto, as redes sociais, enquanto distribuidoras de informação centrais, direcionam o modo como vemos o mundo. E enquanto, por um lado, conteúdos não comprovados e extremos são varridos das margens da sociedade para seu interior; por outro, cada vez mais as informações pesquisadas e verificadas das mídias estabelecidas desaparecem por trás dos paywalls de acesso pago.

Melhoras meramente reativas

Para existir, a democracia depende de cidadãos que possuam uma base comum de diálogo. Não é difícil imaginar para onde se encaminha uma sociedade de gente desinformada que não encontra mais uma linguagem comum.

Sob a pressão pública, Facebook, Google e companhia estão agora dando um pouco de jeito nessa situação, ao empregar um punhado de estudantes para, reativamente, apagar as aberrações mais gritantes. Mas isso não basta. Por um lado, pelo fato de os gigantes da mídia social operarem em escala global e em centenas de idiomas – enquanto a verificação dos conteúdos basicamente só ocorre em algumas línguas ocidentais.

Um exemplo, em que até mesmo o Facebook admite parte da culpa, foi a expulsão de Mianmar da minoria muçulmana dos rohingya, em 2017. A rede social se tornara a tal ponto um polo de discurso de ódio e incitação à violência que em 2018 uma investigadora das Nações Unidas a tachou de "monstro".

Apesar disso, na sede da Facebook em Menlo Park, Califórnia, não se sabe hoje sobre os conteúdos em outros idiomas da Ásia e África muitos mais do que se sabia em 2017 sobre o em birmanês. O mesmo vale para o Youtube e demais concorrentes.

Regulamentar como água ou energia

Acima de tudo, uma abordagem reativa não bastará enquanto o sucesso da empresa depender de nos manter o maior tempo possível na plataforma apelando aos nossos instintos mais baixos, sem levar em consideração os eventuais danos.

Atualmente os serviços de internet desempenham um papel tão central em nossas sociedades que precisam ser regulamentados, da mesma forma que o abastecimento de água ou eletricidade. Para o bem da saúde pública, faz mais sentido tratar a água antes de ela fluir pelos encanamentos do que instalar filtros em cada residência.

As redes sociais deveriam ser encaradas com pelo menos esse grau de cuidado. A questão não é "censurar": já se ganharia muito se não apenas os conteúdos mais extremos fossem promovidos. Mais ainda, se se oferecesse, em primeira linha, aquilo que contribua para evoluirmos, como indivíduos e como sociedade. Por exemplo, se o critério para concessão de licenças fosse "seres humanos na frente dos lucros".

Nossa atenção é um recurso importante demais para pô-la nas mãos de empresas sem qualquer regulamentação. Muito obrigado pela sua atenção.

Matthias von Hein – Jornalista da DW


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