28/03/2024 - Edição 540

True Colors

Ultraconservadores atacam religiosos e boicotam Campanha da Fraternidade

Publicado em 17/02/2021 12:00 - Alexandre Putti (Carta Capital), Plinio Teodoro (Fórum) – Edição Semana On

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Promovida pela Igreja Católica e de outras entidades cristãs desde os anos 60, a Campanha da Fraternidade chega a 2021 sob a ira da ala ultraconservadora. O motivo? O tema da edição, cujo lançamento está previsto para esta quarta-feira 17.

O texto-base da campanha deste ano condena a violência contra mulheres, negros, indígenas e LGBTs. Também desaprova o negacionismo em relação ao coronavírus, com direito a críticas à atuação do governo federal e à postura das igrejas em relação ao distanciamento social.

A campanha da fraternidade é tradicionalmente realizada pela Igreja Católica em parceria com instituições cristãs desde a década de 1960. O texto-base é escrito por membros do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e passa pelo aval da direção-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, a tradicional iniciativa pede doações de fiéis para financiar projetos sociais apoiados pela Igreja Católica. Na edição deste ano, contudo, ultraconservadores tentam boicotar as doações e protagonizam ataques aos envolvidos na campanha.

Ataques de conservadores

Antes mesmo da campanha ser lançada, grupos de conservadores já iniciaram uma ação na internet pedindo para que as pessoas não doem.

Os ataques nas redes são ferozes e acusam líderes religiosos de terem aderido a “pautas abortistas e anticristãs”. Um dos nomes que tem encabeçado a campanha é o guru do governo de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho.

A principal crítica dos ataques é a parte do documento que cita violência contra LGBTs. Ele traz dados do Atlas da Violência e da ONG Grupo Gay da Bahia para denunciar que 420 pessoas desse grupo foram assassinadas em 2018.

“Esses homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”, enfatiza o documento.

“Jesus questionou essas estruturas de poder e desigualdade. As pessoas não poderiam ser descartadas e sofrer as consequências para a manutenção de um poder segregador”

O tema foi definido “sobretudo pelo que ocorreu no Brasil depois do surgimento do governo Bolsonaro, quando a sociedade ficou muito dividida”, afirmou o padre Antonio Carlos Frizzo, um dos organizadores da campanha.

Arcebispo Militar ordena que capelães não usem materiais da Campanha

Em carta ao presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, o arcebispo ordinário militar do Brasil, Dom Fernando Guimarães, diz que os capelães – que são subordinados a ele – não usarão “quaisquer materiais produzidos oficialmente pela Campanha da Fraternidade deste ano”, cujo tema é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”.

“O diálogo inter-religioso é necessário e oportuno somente quando, no respeito às diversas expressões da fé, é realizado em sedes competentes. A evangelização dos fiéis, entanto, em qualquer tempo e ainda em um tempo especial como é a quaresma católica, não é espaço para se dialogar sobre temas polêmicos e contrários à autêntica doutrina da nossa igreja”, diz a carta, que foi divulgada pelo Clube Militar do Rio de Janeiro: “Na verdadeira fé cristã não cabe campanhas ideologizadas”.

Leia a carta na íntegra

No documento, Dom Fernando Guimarães comunica a CNBB que o ordinário militar do Brasil seguirá apenas “as orientações teológico-litúrgicas próprias do tempo quaresmal e não serão utilizados quaisquer dos materiais produzidos oficialmente para a Campanha da Fraternidade deste ano”.

“Nossos capelães militares estão sendo orientados, caso desejem abordar o tema da mesma, a utilizar unicamente a Fratelli tutti, do papa Francisco”, diz o texto.

Ataques misóginos a pastora

A pastora luterana Romi Bencke, secretária-executiva do Conic, é um dos principais alvos dos ataques. Em entrevista à CartaCapital, a religiosa afirma que muitos deles acontecem porque a entidade assinou um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro.

“Toda a peça do impeachment está centrada na anti-política do atual governo em relação à contenção da propagação da pandemia. Os temas que estão no foco de ataque destes grupos que criticam a Campanha fazem parte da agenda bolsonarista”, afirma Romi.

A pastora afirma que Bolsonaro utiliza a religião para propagar seu discurso de ódio.

“Sabemos que estes temas são parte da agenda da cultura política bolsonarista que utiliza de maneira muito eficiente o discurso religioso para ganhar apoio político e desmoralizar as críticas da sociedade civil e até mesmo de lideranças religiosos”, diz.

CNBB relembra valores cristãos 

Após ataques de católicos, a CNBB divulgou no último dia 9 uma nota explicando ponto por ponto da campanha. O texto começa esclarecendo que a igreja se mantém contra ao que chamam de “ideologia de gênero”.

“A doutrina católica sobre as questões de gênero afirma que ‘gênero é a dimensão transcendente da sexualidade humana, compatível com todos os níveis da pessoa humana, entre os quais o corpo, a mente, o espírito, a alma. O gênero é, portanto, maleável sujeito a influências internas e externas à pessoa humana, mas deve obedecer a ordem natural já predisposta pelo corpo”

Em seguida, o texto lembra que ajudar o próximo é o principal objetivo de uma comunidade cristã, sem excluir ninguém. “O ecumenismo não é apenas uma questão interna das comunidades cristãs, mas diz respeito ao amor que Deus, em Cristo Jesus, destina ao conjunto da humanidade”.

A cerimônia de lançamento da campanha acontece nesta quarta-feira 17, no Facebook da CNBB.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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