16/04/2024 - Edição 540

Brasil

Covid-19 e crianças: o que se sabe até agora sobre os casos no Brasil e a preocupação com as novas cepas

Publicado em 28/01/2021 12:00 -

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Enquanto o Brasil vive um agravamento da pandemia do coronavírus com a tendência de alta de infecções, nenhum grupo etário está ileso de contrair a covid-19. A situação do país, que encontrou uma nova variante potencialmente mais transmissível, e uma iminente volta às aulas presenciais têm preocupado muitos pais. Mas o que se sabe até agora aponta que o vírus atinge de uma forma muito menos severa crianças e adolescentes. Médicos apontam que a grande maioria deste grupo é assintomática ou apresenta sintomas leves. Mesmo a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) ―uma inflamação generalizada grave ligada à covid-19 e que causou preocupação nos últimos meses do ano passado― é rara. No entanto, os elevados índices de contágio e o colapso no sistema de saúde em algumas regiões do país soam o alerta porque impactam também sobre este público. É o caso de Manaus, onde o drama da falta de leitos e de oxigênio tem afetado também as maternidades e unidades pediátricas, que têm visto a demanda crescer nos últimos dias diante de um cenário de descontrole da doença.

“O que a gente percebeu aqui vivenciando estes 10 meses de pandemia é que realmente tem muito menos casos em crianças. Os casos pediátricos também são menos graves e têm índices de internação muito menor, com uma evolução clínica mais favorável. Pra gente que é pediatra, é tranquilizador”, afirma o infectologista pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein, Márcio Moreira. Ele diz que o que vê na ponta está de acordo com as pesquisas estadunidenses, que têm apontado que o público infantil representa apenas cerca de 2% dos diagnósticos. Mas lembra que, diante de um aumento geral de casos, é natural que se observe também uma alta nas infecções de crianças, o que começa a repercutir nos atendimentos, especialmente nos adolescentes e jovens.

Isso não quer dizer, porém, que haja motivos para uma preocupação maior com a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, pondera Moreira, que a define como uma “pontinha do iceberg” pela sua raridade. Esta é uma condição potencialmente grave, que costuma aparecer até quatro semanas após a infecção pelo coronavírus e pode causar uma importante disfunção cardíaca. Entre os sintomas estão febre insistente, sintomas gastrointestinais e manchas na pele. “É uma eventualidade rara e não é algo que deva preocupar o leigo. Nos últimos dois meses, não tivemos nenhum caso no Einstein”, pondera Moreira.

No ano passado, 39 crianças e adolescentes de até 19 anos de idade morreram por SIM-P em todo o país, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Foram 577 casos notificados, e São Paulo, Pará e Ceará são os Estados que mais registraram suspeitas até o dia 5 de dezembro, data limite do boletim. Dos casos notificados, cerca de 28% apresentavam algum tipo de comorbidade e mais de 60% dos pacientes necessitaram de internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Na semana passada, o Rio Grande do Sul confirmou a primeira morte por SIM-P, de um menino de 7 anos que morava na cidade de Alto Feliz.

“Não são tantos casos descritos”, afirma o vice-presidente do departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Marcelo Otsuka. O médico pondera que, embora a covid-19 seja muito menos dominante em crianças, pode haver uma alta no número de casos graves neste público se o país continuar com o cenário de descontrole no contágio do vírus por uma “questão matemática”. “Qualquer doença grave sempre acende um alerta. A gente tem que entender que o coronavírus pode ser grave para todos. Hoje, se tem alguém que está cumprindo isolamento são as crianças. Elas estão pegando o vírus dos adultos. Tem que ter conscientização para os adultos não se contaminarem”, aponta.

O caso de Manaus exemplifica essa situação. Com uma nova variante potencialmente mais transmissível detectada e uma explosão de novos casos, há também mais crianças necessitando de atendimento hospitalar em pleno colapso do sistema de saúde. Atualmente, existem apenas seis leitos livres de UTI para atender crianças em estado grave na cidade. O número de internações em UTI pediátricas saltou de 3 para 17 em 25 dias. Para internações em leitos clínicos para covid-19 restam 14 vagas, segundo dados da Fundação de Vigilância Sanitária do Amazonas (FVS-AM): do total de 53, 39 estão ocupadas, sendo quatro acima de 20 dias.

“A situação ainda é crítica e instável. A maternidade Ana Braga é bem sensível por ter uma alta demanda: são três UTIs neonatais, além da UTI materna”, afirma a vice-presidente da Sociedade Amazonense de Pediatria (Saped), Adriana Taveira. A entidade emitiu pedido de socorro, juntamente com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) no último dia 19, “às empresas e às instituições públicas e privadas que exerçam a solidariedade por meio de doações que ajudem a contornar as dificuldades”. Segundo os pediatras, em nota, a assistência às crianças e recém-nascidos também está sendo afetada pelo racionamento de recursos médico-hospitalares na capital amazonense.

Na carta, a SBP e a Saped enfatizam ser necessário “apurar no tempo oportuno a responsabilidade pela evidente falta de planejamento que tornou o desabastecimento de cilindros de oxigênio um problema de proporções trágicas, e cobram dos Governos federal, estadual e municipal a tomada de providências que tragam a normalidade ao atendimento dos pacientes”. Nas maternidades, o número é de 49 bebês dependentes de oxigênio hospitalar em UTIs. A Secretaria de Saúde do Amazonas afirma que as sete maternidades estaduais da capital estão abastecidas e com os níveis de oxigênio sendo monitorados pela área técnica para reabastecer conforme a demanda de cada unidade.

O aumento de casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica no Amazonas também chama atenção para os casos de covid-19 em crianças. A Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) divulgou no último dia 11 de janeiro o registro de 15 casos no Estado. O número pode ser maior, já que todas as notificações foram de pacientes que conseguiram chegar até Manaus para tratamento, onde a estrutura e recursos diagnósticos disponíveis são melhores, conforme admite o próprio Governo. Do total, 11 casos são oriundos da capital e outros três do interior do Amazonas.

“Existe um aumento do número de casos de síndrome multissistêmica pediátrica assim como existe um aumento de crianças internadas com diagnóstico de covid-19, mas estamos em uma situação em que os casos de adultos estão muito altos, então não tem número suficiente para afirmar que essa nova onda está internando mais crianças. Uma das hipóteses é que este seja um número proporcional em relação ao número geral de casos de covid-19 que a gente tem”, explica Ana Luísa Opromolla Pacheco, infectologista pediátrica da Fundação de Medicina Tropical – HVD do Amazonas.

A infectologista afirma que não há números oficiais, mas os relatos de colegas que trabalham em unidades de pronto atendimento indicam um aumento de ocorrências. “Ainda assim são casos infinitamente menores dos registrados em adultos. Hoje acredita-se que exista um espectro de gravidade que vai desde uma forma mais branda, que não necessita de internação, até os que vão precisar de UTI”, completa.

Problemas crônicos do colapso

A crise de oxigênio ressaltou problemas freqüentes do Amazonas durante a pandemia, como a falta de EPIs, de sistema de referência para encaminhamento de pacientes mais graves para unidades com UTI e de fluxo de separação para os acometidos por covid-19. Também não há testagem para a doença. “Falta material, os profissionais têm que comprar seu próprio EPI para poder se proteger e preservar os pacientes também. Tem situações de gravidade em que o paciente tem que ser referenciado para outro local, onde tenha um intensivista clínico, mas os profissionais ficam por conta própria”, afirma a presidente da Associação Amazonense de Ginecologia e Obstetrícia (Assago), Sigrid Cardoso. “Todos que são internados deveriam passar por testagem, mas isso só é feito em caso de sintomas”, completa.

O Governo do Amazonas informa ter entregado 5.238.640 unidades de EPIs somente em janeiro. Desse total, 4.106.634 foram destinadas às Unidades de Saúde em Manaus que inclui 10 Hospitais, nove SPAs, seis Policlínicas, além de outras 18 unidades, entre maternidades, Centros de Atenção Integral à Criança (Caic), Centros de Atenção Integral à Melhor Idade (Caimi), Fundações de Saúde e Institutos.

Letalidade

Picos de letalidade em casos de covid-19 na faixa de 0 a 9 anos foram identificados em agosto e dezembro de 2020 pelo monitoramento do ODS Atlas Amazonas, projeto vinculado ao programa de pós-graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Crianças menores de 1 ano tiveram uma probabilidade muito maior de virem a óbito em relação às demais faixas etárias de crianças e adolescentes, seja com ou sem comorbidades. A taxa de letalidade é relativa à proporção de mortes em relação aos casos diagnosticados. Em crianças abaixo de 1 ano, esse número é de 1,9% de probabilidade de óbito em casos sem comorbidade. Quando há a presença de alguma doença a taxa sobe para 19,2%. De 1 a 09 anos, a taxa é de 0,5% sem comorbidade e de 3,3%.

“Esse fenômeno pode estar associado ao fato de recém-nascidos ainda terem um sistema imunológico imaturo e isso se agrava quando o paciente apresenta comorbidades”, afirma o estudo assinado pelos pesquisadores Henrique Pereira, Danilo Egle e Bruno Lorenzi. “Se considerarmos que crianças e adolescentes são em sua maioria acometidos de formas brandas da doença e que não costumam apresentam as comorbidades associadas com pacientes de idade avançada, chama a atenção esse aumento da letalidade nessas faixas etárias”, afirma o estudo. As comorbidades mais frequentes ou com registros em todas as faixas foram as de natureza respiratória, imunológica, cardíaca e cromossômica em crianças e adolescentes confirmados para covid-19 em Manaus em 2020.

Conselho de saúde indígena relata mortes de crianças Yanomami com sintomas de Covid em Roraima

O Ministério da Saúde afirmou na quinta-feira (28) que investigará uma denúncia feita por representantes da comunidade indígena ianomâmi em Roraima sobre a morte de ao menos nove crianças com sintomas de covid-19. No documento enviado ao governo federal, os indígenas pediram ainda o envio urgente de médicos para a região.

Num ofício enviado ao ministério, o Conselho de Saúde Indígena Ianomâmi e Ie'kuana (Condisi-YY) relata a morte de quatro crianças na comunidade Waphuta, duas delas em 25 de janeiro, e outras cinco em Kataroa, na região de Surucucu, no norte de Roraima.

As crianças, de idades entre um e cinco anos, apresentaram sintomas como febre alta e dificuldades de respirar. Todas elas morreram no mês de janeiro. Um auxiliar de saúde indígena informou que ao menos outras 25 crianças na região apresentam os mesmos sintomas e estão em estado grave, segundo o ofício do Condisi-YY.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que trabalha para comprovar a "veracidade das informações" e que o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), que atende os ianomâmis, enviou equipes ao local para averiguar a situação. Até o momento, segundo a pasta, o órgão ainda não havia confirmado nenhuma morte por covid-19.

O presidente do Condisi-YY, Júnior Hekurari Yanomami, afirmou que os postos de saúde da região estão fechados há cerca de dois meses. No ofício, ele ainda pediu providências à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). "O cenário é grave e exige uma ação articulada e integral dos órgãos responsáveis pela polícia de saúde", acrescenta o texto.

As duas comunidades atingidas estão localizadas em meio à floresta amazônica, em uma região de difícil acesso. Em Kataroa vivem cerca de 412 Yanomami, e em Waputha, 816. O Dsei-Y atende 28.141 indígenas distribuídos em 371 aldeias.

Há meses, os ianomâmis vêm denunciando o avanço do coronavírus na região, que atribuem principalmente ao garimpo ilegal.

Quase mil mortes entre indígenas

Desde o início da pandemia, o país registrou 41.251 casos de coronavírus e 541 mortes por covid-19 entre indígenas, segundo o boletim epidemiológico da Sesai. Entre os ianomâmis na área do Dsei-Y, foram contabilizadas 1.256 infecções e dez óbitos no mesmo período. 

Já o levantamento da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabiliza 47.148 casos e 940 mortes causadas em decorrência da covid-19 entre indígenas em todo o Brasil.

A diferença ocorre pois a Sesai registra apenas os casos verificados em indígenas atendidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, e não leva em conta os números registrados em outros sistemas de saúde; enquanto a Apib contabilizada todas as infecções e óbitos ocorridos entre os indígena – tanto em territórios tradicionais quanto entre os que vivem em áreas urbanas.


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