19/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Uma tragédia com nome e sobrenome

Publicado em 14/01/2021 12:00 - Victor Barone

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Faz pelo menos um mês que uma grande tragédia em Manaus – e mesmo no Amazonas como um todo –  se anuncia. Desde setembro e outubro, especialistas já observavam uma tendência de crescimento nos casos e internações e pediam medidas preventivas. Em meados de dezembro, o Hospital Delphina Aziz, referência para covid-19 na capital, já atingira quase 100% da ocupação de seus leitos de UTI. Na rede privada a situação era a mesma. No dia 26 de dezembro – portanto, logo após aquele que costuma ser um dos períodos de maior movimento nas cidades –, um decreto estadual proibiu o funcionamento de atividades não-essenciais por 15 dias, e foi seguido pelos protestos de uma multidão no centro de Manaus. O governo do estado cedeu: shoppings, bares e o comércio em geral reabriram no dia 28

Naquele mesmo momento, não só os hospitais estavam lotados, como também os cemitérios. Em vez de tomar as rédeas da situação e garantir que os casos não aumentassem, o governo do estado começou a instalar contêineres com câmaras frias para abrigar os cadáveres recolhidos nos hospitais de referência. A prefeitura de Manaus começou a abrir novas covas.

Na última edição da news,alertamos que conseguir um leito de UTI em Manaus já não era garantia de atendimento, pois faltava oxigênio em várias unidades. Na semana passsada, o governo do Amazonas já tinha começado a usar o apoio da FAB para levar cilindros do gás. Mas ontem o problema se agravou e começou a mobilizar a atenção em todo o país (e também da imprensa estrangeira). Talvez a primeira manchete a ilustrar com dureza o que está acontecendo em Manaus tenha sido a da colunista Monica Bergamo, na Folha: “‘Oxigênio acabou e hospitais de Manaus viraram câmara de asfixia‘, diz pesquisador da Fiocruz”. 

O governador Wilson Lima, que não teve capacidade para evitar o caos, afirmou que ontem foi o dia mais difícil de sua vida. Disse que o estado fez sua “lição de casa” durante a primeira onda (quando, não nos esqueçamos, o vírus correu solto no estado), mas que agora a situação é “fora do comum“. 

A REALIDADE AGORA

“Pensa no pior cenário possível. A situação aqui está dez vezes pior“, disse à BBC, ainda no dia 12, o médico Daniel Fonseca. Ele dirige o grupo Samel, que controla cinco hospitais e centros médicos particulares de Manaus. No El País, um médico do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) diz que os pacientes estavam recebendo uma fração mais baixa de oxigênio do que o necessário, porque os estoques só cobririam algumas horas.

A unidade ficou sem o insumo durante quatro horas ontem. “Colegas perderam pacientes na UTI por causa da falta de oxigênio. Eles ainda tentaram ambuzar (ventilar manualmente), mas foi só para tentar até o último recurso mesmo, porque é inviável manter isso por muito tempo. Cansa muito, tem que revezar os profissionais. Chamaram residentes para ajudar na ventilação manual. A vontade que dá é de chorar o tempo inteiro. Você vê o paciente morrendo na sua frente e não pode fazer nada. É como se ver numa guerra e não ter armas para lutar”, disse outra médica do HUGV, no Estadão. 

Os médicos começaram a fazer pedidos na internet para que quem tivesse cilindros em casa doasse aos hospitais. Pode soar estranho, mas há algum tempo pessoas começaram a tentar estocar esses cilindros em seus domicílios, já que os doentes são recusados nos hospitais por falta de leitos.

No mesmo jornal há um relato mais longo de uma dessas médicas residentes, também do HUGV, que não trabalha diretamente com pacientes com covid-19 mas se voluntariou para ajudar na ventilação manual. “Um deles [dos pacientes], de 50 anos, morreu na minha frente. Quando a gente vê que não tem mais jeito, iniciamos a morfina, para dar algum conforto. Tivemos que fazer isso com ele. Demos morfina e midazolam (sedativo). A gente já chorou e não sabe mais o que fazer. Só no Getúlio Vargas, foram pelo menos cinco óbitos pela falta de oxigênio”.

Mais de 700 pacientes devem ser transferidos a outros estados. De início, 235 pessoas serão enviadas a hospitais do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal. O problema é que, embora Manaus seja o caso mais crítico no momento, a pandemia recrudesce no país inteiro ao mesmo tempo. Vários estados estão com ocupação de UTIs acima de 70% e até de 80%,  e ainda assim não parecem dispostos a reduzir o contágio. Nesse ritmo, talvez não seja tão simples realocar tanta gente. 

CORRENDO ATRÁS

O MPF e outros quatro órgãos públicos decidiram pedir na Justiça Federal que a União apresente um plano de abastecimento, promova a transferência de pacientes para outros estados e requisite cilindros, tanto da indústria nacional quanto de outros estados. O documento ainda pede que o governo federal reative usinas localizadas no Amazonas para produzir oxigênio e apoie o estado nas medidas de contenção da covid-19. “A gente tem oxigênio pelo país, a gente não tem uma logística estabelecida porque tem um vácuo no governo federal. As pessoas são tiradas do oxigênio, elas sufocam e morrem. Elas são colocadas em máscaras e essas máscaras duram pouquíssimo tempo. Basicamente é isso”, diz o procurador Igor da Silva Spindola, no Estadão, ressaltando que cabe à União coordenar a entrega do insumo.

Para apagar esse incêndio, a corrida agora é pelo envio de mais cilindros. O transporte é complicado: como há risco de explosão, não é qualquer avião que pode fazê-lo. E, segundo a Procuradoria da República no Amazonas, o fim do oxigênio ontem aconteceu devido a problemas na aeronave que levaria o insumo, identificados pela manhã. 

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,disse que seis aeronaves da FAB vão ser usadas nesse transporte, mas há que se confirmar se isso vai mesmo acontecer. Segundo o Estadão, há menos aviões disponíveis do que deveria, por pura falta de manutenção. “Dos 12 aviões cargueiros Hércules C-130 que a FAB tem, uma média de apenas três ou quatro estão voando.  No momento, um está efetivamente em operação e o segundo, saindo da fase de manutenção, possivelmente ainda esta noite, para também fazer o transporte de cilindros de oxigênio de São Paulo para Manaus”, diz a reportagem.  No fim da noite, o G1 informou a decolagem desses dois aviões. Ao todo, eles vão transportar 386 cilindros.  

A White Martins, que produz oxigênio hospitalar em Manaus, já está com sua produção no limite e mesmo assim só consegue metade da quantidade necessária para atender à cidade hoje. Disse, aliás, que já havia comunicado formalmente a situação tanto ao governo do estado como ao governo federal, solicitando apoio. Segundo a empresa, a demanda cresceu cinco vezes em apenas duas semanas. O volume necessário hoje é de 75 mil metros cúbicos por dia – mais que o dobro dos picos de abril e maio, quando nos chocamos com o colapso na cidade pela primeira vez. E ainda há uma demanda diária de outros 15 mil metros cúbicos no resto do estado

A empresa afirmou que buscaria o estoque de suas operações na Venezuela. Sim, a Venezuela de Nicolás Maduro. O presidente orientou que sua diplomacia atendesse ao pedido. A remessa está confirmada, mas ainda não sabemos que volume de oxigênio será conseguido nela. Além disso, o governo do Amazonas requisitou o estoque de outras 11 empresas, via notificação extrajudicial. E o governo federal pediu que um avião dos Estados Unidos ajude no transporte.

Os cilindros extras que estão chegando podem ajudar a segurar a situação por alguns dias, mas, como o número de pessoas necessitando de internação não para de aumentar, já existe a preocupação com o que vai acontecer quando essas novas remessas acabarem também. 

Verdade seja dita, a falta de oxigênio só confirma o que se sabe desde o começo da pandemia: quando a circulação do coronavírus é muito alta, não há sistema de saúde que dê conta – muito menos em locais onde os serviços já eram precários. Para estancar os novos casos, o governador Wilson Lima finalmente emitiu um novo decreto restringindo a circulação de pessoas e permitindo apenas as atividades essencias nos próximos dias. Será que agora vai vingar?

RESPOSTA-PADRÃO

Eduardo Pazuello tem algumas explicações para o que anda acontecendo em Manaus, e avaliou a situação em transmissão ao vivo com o presidente Jair Bolsonaro. Falou sobre algumas obviedades, como a precariedade na infraestrutura hospitalar, mas também culpou as chuvas. E, é claro: a falta de “tratamento precoce”… Porque tudo poderia ter sido evitado com um fajuto kit-covid. Já o presidente gastou pouca saliva falando do problema na cidade, restringindo-se à defesa da cloroquina.

Pois é. Na mesma live, Pazuello disse que a ciência não comprovou a eficácia do uso de máscaras e do isolamento social. E arrematou, cravando que sol, felicidade, boa alimentação e esporte ajudam a combater a doença. 

Em tempo: o Ministério lançou um aplicativo para orientar profissionais de saúde no manejo dos casos. Poderia ser bom, mas é só mais um estímulo à prescrição de remédios sem eficácia comprovada:  hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina.

A prefeitura de Manaus e o governo do Amazonas se renderam. Segundo o Estadão, recomendaram ontem, pela primeira vez, o tal “tratamento precoce”. 

O PAPEL DA NOVA VARIANTE

N’O Globo, o médico intensivista Thales Stein chama a atenção para outro fator: uma mudança no perfil das vítimas. “A covid-19 mudou, está evoluindo mais rápido. Estamos vendo um altíssimo número de óbitos em pessoas de 40 e 50 anos, isso não acontecia antes. Só havia complicações entre pessoas com doenças  pré-existentes. O número de jovens internados também cresceu bastante”. A diferença é notada por outros profissionais, em outras reportagens. “A gente recebe agora famílias inteiras com comprometimento pulmonar que necessitam de internação de uma só vez. Há também um alto número de pacientes jovens acometidos“, diz a médica Uildeia Galvão.

Por Outra Saúde

OS IRRESPONSÁVEIS DE SEMPRE

Um tuíte da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), publicado no mês passado, foi resgatado por internautas. Na mensagem postada no dia 27 de dezembro de 2020, a parlamentar comemorou o fim do lockdown em Manaus na semana do Natal e Ano Novo. O munícipio vive um colapso no sistema de saúde com hospitais sem oxigênio.

Na quinta (14), no entanto, a parlamentar publicou: "Manaus hoje sem oxigênio para os doentes. Não fosse a providência do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Pazuello, muitas pessoas teriam morrido asfixiadas. Governo do Estado e da capital não cuidaram da saúde da população".   

Quem também teve o tweet resgatado foi o ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro Osmar Terra. No dia quatro de janeiro, ele publicou que apesar do "noticiário alarmista", Manaus presenciava uma "queda importante de óbitos".  

Os deputados federais Eduardo Bolsonaro, Daniel Silveira e Carla Zambelli, ambos do PSL, também comemoraram o fim do do lockdown em Manaus na última semana de 2020. 'Todo poder emana do povo', celebraram.

Diante da crise na saúde no estado do Amazonas, diversos órgãos federais e locais apresentaram à Justiça Federal de Manaus uma ação civil pública. Na ação, afirmam que a responsabilidade é do governo federal e que cabe à União assegurar o fornecimento regular de oxigênio para os hospitais. A ação foi apresentada por Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM); Ministério Público do Trabalho (MPT); Ministério Público de Contas (MPC); Defensoria Pública da União (DPU); e Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).

Por Outra Saúde

ENFIM?

Enfim, o governo federal parece dar-se conta de que, para superar a pandemia do novo coronavírus, não há elixir mágico e é preciso vacinar a população. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a vacinação contra a covid-19 deverá começar na próxima quarta-feira, dia 20. 

Talvez esse longo e tortuoso processo para o início da vacinação tivesse sido um pouco mais breve e retilíneo – gerando menos apreensão na população –, se o presidente Jair Bolsonaro e o intendente Eduardo Pazuello tivessem assimilado uma das habilidades previstas para o 7.º ano do Ensino Fundamental na Base Nacional Comum Curricular. Trata-se de documento de caráter normativo que define as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica.

A décima habilidade prevista na área de ciências para alunos do 7.º ano (12 anos) é “argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças”. A Base Nacional Comum Curricular, na parte referente ao Ensino Fundamental, foi aprovada em 2017.

De fato, parece que Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello tiveram dificuldades com a habilidade prevista para a garotada de 12 anos. Ao longo dos últimos meses, por exemplo, trabalharam como se não soubessem que a vacinação contra a covid-19 exige seringa e agulha. Agora, no entanto, parecem ter finalmente captado que a população quer a vacina. E desejam transformá-la em um grande palanque eleitoral.

Antes mesmo de ser divulgada a data de início da vacinação, o Ministério da Saúde informou que haverá na próxima terça-feira, dia 19, um evento no Palácio do Planalto para festejar a vacina. Não sabe se haverá seringa e agulha para todos – sete Estados não têm estoque suficiente de seringas e agulhas para vacinação contra a covid-19 –, mas o Ministério da Saúde já definiu qual será o slogan da cerimônia: “Brasil imunizado, somos uma só nação”.

Depois de tantas dificuldades colocadas pelo governo de Jair Bolsonaro para a vacinação contra a covid-19, a ideia de realizar um evento festivo-eleitoral no Palácio do Planalto soa a escárnio contra a população. Não há notícia de algum governo no mundo que tenha tido o descaramento de começar a vacinação contra a covid-19 com um evento em sua sede oficial. Em geral, como o bom senso e a saúde pública recomendam, os esforços estão voltados para vacinar os grupos prioritários. O evento do dia 19 é mais um sintoma das enormes dificuldades de Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello para “argumentar a importância da vacinação para a saúde pública”.

A corroborar que o Palácio do Planalto vê a vacina como questão político-eleitoral, o governo federal informou que proibirá a aquisição de vacinas por empresas para imunização de funcionários. A notícia foi dada no dia 13 por representantes dos Ministérios da Saúde, das Comunicações e da Casa Civil a empresários, em reunião organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A vacinação contra a covid-19 promovida por empresas para seus funcionários pode reduzir os gastos públicos e agilizar o processo de imunização da população, além de favorecer o retorno à normalidade da atividade econômica, com consequências positivas sobre o emprego e o ambiente de negócios. Fornecer ou não vacina para funcionários é uma decisão unicamente empresarial na qual governo algum deveria se meter. No entanto, o liberal governo de Jair Bolsonaro prefere declarar que a vacinação contra a covid-19 é monopólio estatal. 

É impressionante a capacidade do governo de Jair Bolsonaro de transformar até mesmo aquilo que seria uma boa notícia – a disponibilidade de vacinas contra a covid-19 para a população –, num grande imbróglio. O penoso quadro revela a importância de cuidar da educação de todas as crianças, para que todas elas, sem exceção, desenvolvam as habilidades previstas na idade correspondente. Com isso serão evitados muitos problemas no futuro.

Estadão

A ORGANIZAÇÃO

No “dia D e na hora H”, um município específico vai ser priorizado, mas ao mesmo ninguém vai ter prioridade. Deu para entender? Pois foi o que disse ontem o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello: “Vamos vacinar em janeiro e Manaus será também a primeira a ser vacinada. Eu fui claro? Ninguém receberá a vacina antes de Manaus. A vacina será distribuída simultaneamente em todos os estados na sua proporção de população, e Manaus terá essa prioridade também”. Para desfazer o rolo, a pasta precisou esclarecer que a imunização vai ser simultânea em todo o país e que, não, Manaus não vai ser o primeiro município. 

DESABAFO

William Bonner fez um desabafo durante a apresentação do Jornal Nacional de quinta-feira, 14. Ao iniciar a parte do noticiário sobre o número de casos de covid-19 no Brasil, o âncora do telejornal da Globo falou sobre o papel dos jornalistas e o impacto das mentiras durante a pandemia do novo coronavírus. "Eu queria só lembrar que se nós fazemos isso todos os dias é porque nós estamos cumprindo um dever profissional, nós aqui e todos os jornalistas do planeta Terra. Nesse momento, infelizmente, além de dar as notícias, de trazer as informações corretas, nós estammos esgrimando com loucos, com irresponsáveis, com gente que é capaz de entrar no WhatsApp da vida e sair espalhando mentiras a bel prazer. Mas as mentiras mais absurdas, crendices", afirmou o jornalista.

"Tem gente que faz isso investido de cargo público, tem gente que faz isso sistematicamente. Mas a gente aqui, nós jornalistas profissionais, não vamos desistir porque esse é o nosso dever profissional. A gente está defendendo aqui a nossa profissão, mas a gente está defendendo aqui a sociedade, a nossa aqui no Brasil, e cada colega nosso jornalista em cada país desse planeta", ressaltou.

Enquanto o apresentador falava outro jornalista aguardava para noticiar os números de infectados pelo novo coronavírus no País. "Então, agora eu vou pedir a você que preste muita atenção nas informações que o Alan Severiano está trazendo porque elas foram colhidas por um consórcio de veículos de imprensa, empresas independentes se juntaram para oferecer para você por diversos meios, por diversos veículos, números e informações confiáveis como essas que o Alan vai trazer agora. O Alan tem uma notícia péssima para trazer para você: a média de casos de pandemia no Brasil também bateu recorde", concluiu Bonner.

Severiano informou que o País contabilizou um total de 207.160 de pessoas mortas vítimas do novo coronavírus, segundo o consórcio de imprensa. Já a média móvel de novos diagnósticos da doença passou de 55 mil pela primeira vez.

ONDE DEVE FALTAR SERINGA

O Ministério da Saúde enviou ontem um documento ao STF informando como estão os estoques de seringas e agulhas para a vacinação contra a covid-19. Disse que não tem estoques próprios, justificando que a compra é geralmente feita pelos estados; quanto a eles, haveria ao todo 80 milhões unidades, que “podem ser mobilizadas, imediatamente, para o início da vacinação”. Os dados excluem São Paulo, que não enviou informações ao governo federal – mas divulgou em dezembro ter 71 milhões de seringas e agulhas. O número chama a atenção, já que praticamente equivale à soma de todos os outros estados.

A distribuição é mesmo desigual. Segundo a pasta, sete estados não teriam estoque suficiente para suprir a demanda inicial caso houvesse disponibilidade imediata das 30 milhões de doses – essa é a quantidade necessária para imunizar, em duas doses, os grupos prioritários da primeira fase do plano nacional (trabalhadores de saúde, idosos com mais de 75 anos ou institucionalizados, população indígena e de comunidades ribeirinhas). Eis os sete: Acre, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Santa Catarina. 

Uma observação curiosa: na semana passada Estadão fez um levantamento junto às secretarias estaduais de saúde e, segundo as informações enviadas por elas, haveria 192 milhões de seringas e agulhas disponíveis ao todo. Tirando São Paulo (que respondeu), ainda restariam 121 milhões. E a Bahia, que pelos dados do Ministério não tem insumos suficientes, apareceu na pesquisa do jornal como o terceiro estado com maior volume declarado: 13 milhões. Não sabemos a que se devem essas discrepâncias. 

O documento do Ministério afirma ainda que está tomando “todas as medidas possíveis e necessárias” para garantir a disponibilidade dos insumos, mas essa lista é um tanto infeliz. Cita o pregão que conseguiu apenas 7,9 milhões de seringas das 331 milhões previstas – o que foi considerado um “fracasso” pela própria pasta – e diz que serão feitas novas licitações para a compra de 290 milhões de unidades. Além disso, fala no aumento (de 40 milhões para 190 milhões) da quantidade a ser adquirida via Opas, a Organização Pan-Americana da Saúde. O detalhe aqui é que, mesmo para as 40 milhões iniciais, a pasta demorou três meses para responder à Opas se ia ou não querer fazer a compra, como revelou O Globo esta semana. E, quando finalmente decidiu, optou pelo prazo de entrega mais demorado. Por fim, o texto menciona a requisição de 31,5 milhões de seringas feita à indústria brasileira, com previsão de disponibilidade ainda este mês. 

O envio dessas informações ao STF se deve ao fato de que, na quinta-feira passada, o ministro Ricardo Lewandovski deu um prazo de cinco dias para que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informasse sobre os insumos necessários à vacinação. A decisão de Lewandovski foi em função de um pedido da Rede Sustentabilidade para que o governo comprovasse o estoque de seringas e agulhas da União e dos estados.

Por Outra Saúde

JUSTIÇA AMESTRADA

O ministro da Justiça, André Mendonça, anunciou ingo que vai pedir abertura de inquérito policial contra o escritor Ruy Castro e contra o jornalista Ricardo Noblat. Em sua coluna no jornal "Folha de S.Paulo", Ruy Castro ironizou o presidente americano, Donald Trump, após a crise da invasão do Capitólio na última quarta-feira. O escritor disse que se o presidente americano desejasse se tornar um “mártir”,” herói” ou “ícone” para seus seguidores, poderia se matar.

Ruy Castro, biógrafo de personalidades históricas do país, como Garrincha e Nelson Rodrigues, citou o ex-presidente Getúlio Vargas. Ao falar de Bolsonaro, lembrou que o presidente brasileiro costuma imitar ações de Trump. E sugeriu que ele também cometesse suicídio.

“Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais”, diz o trecho da coluna.

O texto foi replicado nas redes sociais por Ricardo Noblat, o que provocou a reação de apoiadores de Bolsonaro. Após a repercussão, o ministro da Justiça afirmou que “alguns jornalistas chegaram ao fundo do poço” e, sem citar nomes, disse que “2 deles instigaram dois Presidentes da República a suicidar-se”.

Em seguida, anunciou o pedido para abertura de investigação.

Em nota, a Folha afirmou que, "como no caso de texto anterior de Hélio Schwartsman, que teve inquérito aberto pelo mesmo ministro e depois suspenso pelo STJ, o colunista emitiu uma opinião; pode-se criticá-la, mas não investigá-la".

Em julho deste ano, Mendonça requisitou a abertura de um inquérito pela Polícia Federal, com base na Lei de Segurança Nacional, contra o jornalista Hélio Schwartsman  por conta do artigo "Por que torço para que Bolsonaro morra" escrito por ele e publicado no jornal "Folha de S.Paulo".

Um mês depois, a pedido da "Folha de S.Paulo", o ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu o inquérito policial contra Schwartsman. De acordo com Mussi, ainda que possam ser feitas críticas ao artigo, não é possível verificar que tenha havido motivação política ou lesão real ou potencial aos bens protegidos pela Lei de Segurança Nacional. Por isso, ele suspendeu o inquérito até a análise de um recurso protocolado em favor do jornalista.

Depois das críticas de bolsonaristas, Noblat excluiu as publicações originais e explicou que apenas compartilhou o artigo como parte de um “clipping diário da mídia” que costuma fazer. O jornalista ainda desejou uma "vida longa" para o presidente Bolsonaro “para que ele possa colher o que plantou”.

SABOTADOR

Em documento que analisa a situação dos direitos humanos em mais de 100 países, ONG internacional diz ainda que governo brasileiro enfraqueceu fiscalização de leis ambientais e incentiva violência policial. O relatório, bastante crítico ao governo brasileiro, menciona ainda políticas que contrariam os direitos das mulheres e das pessoas com deficiência, ataques a mídia independente e a organizações da sociedade civil. "Nosso relatório mostra que a resposta do governo do presidente Bolsonaro à pandemia tem sido desastrosa, o presidente Bolsonaro, desde o começo, minimizou a gravidade da doença, publicou informação equivocada, tentou sabotar os esforços dos estados para tomar medidas contra a Covid-19 e, nesse momento, parece estar fazendo campanha contra a vacina", afirma um dos pesquisadores da ONG, Cesar Muñoz.

Violência policial. Mais um aspecto negativo ressaltado é o crescimento da violência policial, que chega a ser incentivada pelo presidente, aponta a HRW. No Rio de Janeiro, a polícia matou 744 pessoas entre janeiro e maio de 2020, o número mais alto para o período desde pelo menos 2003, apesar dos níveis de criminalidade terem diminuído em razão da redução do número de pessoas nas ruas. E, em São Paulo, mortes por policiais em serviço aumentaram 9% no período de janeiro a setembro, destaca o relatório.  Em todo o país, as mortes por policiais aumentaram 6% no primeiro semestre de 2020, de acordo com dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2019, a polícia matou 6.357 pessoas. Quase 80% delas eram negras.

Direitos desrespeitados. Violações de direitos de crianças, adolescentes, mulheres, integrantes da comunidade LGBT e pessoas com deficiência também foram incluídos nas críticas do relatório. Um exemplo citado foi o de que, em setembro, o ministro da educação disse que gênero não deveria ser discutido nas escolas e que as pessoas que “optam” pelo “homossexualismo” muitas vezes vêm de “famílias desajustadas”. Outro exemplo: ainda no mesmo mês de setembro, o governo editou uma nova política nacional que incentiva a criação de escolas segregadas para certas pessoas com deficiência, apesar do direito de todas as pessoas com deficiência a uma educação inclusiva.

Meio Ambiente. Além dos desrespeitos à população indígena – que vão além da falta de cuidados durante a pandemia de Covid-19 e incluem projetos que podem causar a exploração de suas terras por garimpo e projetos de grande impacto ambiental – também é ressaltado o desmatamento ilegal e as mortes que ele provoca na região amazônica.

O enfraquecimento da fiscalização de leis ambientais desde que Jair Bolsonaro tomou posse é citado e diversos exemplos são mencionados. Também são lembradas as queimadas no Pantanal, ambiente que teve sua maior destruição em duas décadas.

ATRASADO

Sentado sobre mais de 50 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia disse que talvez o presidente seja enfim destituído caso a vacinação demore a sair… Mas não com sua ajuda. “Estamos em recesso, [encaminhar o processo de impeachment] não vai ajudar agora. Vou apenas criar desorganização em um momento em que se está elegendo um novo presidente [da Câmara]. Acho que esse papel cabe ao novo presidente”, disse. Nos últimos dias, o presidente da Câmara chamou Bolsonaro de covarde, irresponsável e culpado pelas 200 mil mortes. 

CRIME DE GUERRA

Um novo vídeo lançado nas redes sociais (acima) questiona se governos e empresas estão agindo para defender ou para destruir a Amazônia, massacrando os povos nativos que habitam o bioma há séculos. Em formato de paródia dos noticiários cinematográficos produzidos durante a Segunda Guerra Mundial, o vídeo Climate War mostra quais setores produtivos estão contaminados pelas atividades ilegais que desmatam, queimam, contaminam rios e matam indígenas. E apresenta Jair Bolsonaro como um inimigo climático que precisa ser parado e responsabilizado por seus crimes antes que as consequências sejam graves demais para todo o planeta.

GENTE DE BEM…

Um grupo de policiais militares fortemente armados tentaram intimidar a ação da pastoral do povo de rua, liderada pelo Padre Julio Lancellotti, que distribuía alimentos a moradores de rua na região da Luz, no centro de São Paulo. A denúncia foi feita pelo próprio padre Júlio, que publicou em suas redes sociais policiais com armas de grosso calibre que registravam a ação com celulares. “Olhem o detalhe do armamento da PM no momento de intimidação dos agentes da pastoral de rua, hoje na Luz”, escreveu o padre em uma das publicações no seu Instagram.

Outra imagem publicada mostra um policial registrando com um celular o carro que levava os alimentos para a população em situação de rua. Em sua página no Twitter, o jornalista Kaique Dalapola afirma que, segundo o padre Júlio, os PMs tentaram intimidar os voluntários e falavam para que as doações fossem feitas em asilos e orfanatos.

GENTE DE BEM 2

Sem vacina e sem juízo, o Brasil dedica-se a uma discussão de vital importância: os feijões mágicos do pastor Valdemiro Santiago curam ou não a Covid-19? Há quatro meses, o juiz federal Tiago Bitencourt de David, da 5ª Vara Cível de São Paulo, cobra explicações do Ministério da Saúde. A pedido do Ministério Público, David havia determinado em outubro à pasta comandada pelo general Eduardo Pazuello que esclarecesse o tema em sua página oficial na internet. O pastor não obedeceu à proibição de vender as sementes milagrosas a seus fiéis. Os preços variam de 100 a mil reais, a depender da eficácia do feijão e da gravidade do paciente. Diante do silêncio do governo federal, o juiz reiterou o pedido de esclarecimento na quarta-feira 6.

Os procuradores acusam o fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, uma dissidência da Universal, de prática abusiva da liberdade religiosa e propaganda enganosa. Em nota, a igreja nega o que o próprio líder afirmou claramente em vídeo: os feijões não combatem o coronavírus. Quem produz esse efeito é a fé. “A semente não é a promessa de cura”, afirma o texto, “mas o início de um propósito com Deus. É uma figura de linguagem amplamente mencionada nos textos bíblicos.” É preciso reconhecer o talento de quem consegue vender uma figura de linguagem por mil reais. Só uma força superior seria capaz de prover tamanha iluminação.

Entende-se o silêncio do Ministério da Saúde. Valdemiro Santiago é um entusiasmado apoiador de Jair Messias Bolsonaro, escolhido de Deus para livrar o Brasil de todos os males. De um deles, ao menos, o País está imune, por obra direta do ocupante do Palácio do Planalto: o mal da razão. Aleluia.

GENTE DE BEM 3

Elenildo Pereira, padre da Canção Nova de Cachoeira Paulista, pregou contra o uso da vacinação para combater a pandemia de covid-19 durante uma missa no dia 1º de janeiro. “Cuidado, é só a capa. Só a capa. Eu não estou dizendo que sou contra a vacina, não sou. Desde que passe por todos os testes possíveis e imagináveis, em todas as fases, com comprovação científica. Aí sim, eu tomarei. Mas enquanto não houver comprovação científica, padre Elenildo não tomará.” O padre postou em seu perfil no Instagram o trecho da homilia, que foi transmitida ao vivo pela TV Canção Nova. A publicação foi rebatida por uma das principais lideranças católicas do Brasil, Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG), e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Prezado povo de Deus, essa não é a posição da igreja no Brasil, dada pela CNBB. Procurem ler o pronunciamento da igreja, com as devidas orientações. Essas posições pessoais dividem, é um desserviço. Paz e vacina autorizada pelas autoridades sanitárias para todos”, encerra Mol.

FRASES DA SEMANA

“Diariamente recebo pedido de leitos. Às vezes há um disponível e, quando ligo para a família, descubro que o paciente já morreu. Como posso julgar quem salvar, quem merece viver? É uma sensação de impotência.” (Thales Stein, médico, diretor do Hospital Nilton Lins, em Manaus)

“Ele deve ir. Ele é um perigo claro e presente para a Nação que todos nós amamos. Não me dá prazer dizer isso – parte meu coração”. (Nancy Pelosi, democrata, presidente da Câmara dos Estados Unidos, depois da aprovação do pedido de impeachment contra o presidente Donald Trump)

“Quando importamos a soja produzida a partir da floresta destruída no Brasil, não somos coerentes. Precisamos da soja brasileira para viver? Então vamos produzir soja europeia ou equivalente”. (Emmanuel Macron, presidente da França, cuja mulher foi chamada de feia por Bolsonaro)

“O principal erro de todo o governo do presidente Jair Bolsonaro é a questão da vacina. E acho que, se ele não organizar rápido, talvez sofra um processo de impeachment muito duro”. (Rodrigo Maia, DEM-RJ, presidente da Câmara dos Deputados)

“Há meses venho perdendo seguidores. Cheguei a ter 2.020.000 no Twitter. A conta gotas perco algumas dezenas ou poucas centenas por dia. Nas últimas 24h ou 48h, perdi cerca de 5.000. Hoje provavelmente terei menos de 2 milhões.” (Eduardo Bolsonaro, deputado federal)

“Santo Tomás de Aquino diz que no momento de penúria e sofrimento todos os bens se tornam coletivos, a propriedade privada cessa. […] A vacina deveria ter quebrada a sua patente e ser um bem público para a humanidade”. (Padre Júlio Lancellotti, do bairro da Mooca, em S. Paulo) 

“Espero que nos concentremos no impeachment de Trump para que o Congresso tenha autoridade constitucional para possivelmente desqualificá-lo de futuras eleições. Ele incitou o terror doméstico – quanta violência mais precisa acontecer? Isso é terrorismo”. (Lady Gaga)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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