29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

‘Interessa à sociedade ter uma universidade autônoma e livre’, afirma o professor Lúcio Vieira, presidente da ADUFRGS

Publicado em 11/01/2021 12:00 -

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Fazer um balanço da educação e da situação das universidades públicas brasileiras em 2020 exige caminhar, como ocorre também em outras áreas, sobre territórios que foram duramente bombardeados durante o ano. Um cenário que foi agravado pela pandemia do novo coronavírus e que coloca desafios que se cruzam na defesa não só da educação, mas da democracia e da vida.

“Na área da educação nós temos um não-governo, uma ausência de propostas e de debates. O país vivendo o problema que está vivendo e, completando dois anos do atual governo, não há nenhuma proposta para a educação. Não tem nada. O que há é uma permanente ameaça de corte de recursos para as universidades, de perseguição aos professores, de ameaças às suas carreiras”, resume o professor Lúcio Vieira, presidente do Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (ADUFRGS Sindical).

Em entrevista ao Sul21, Lúcio Vieira faz esse balanço, avaliando a situação da educação e, em especial, da universidade pública brasileira que, além dos cortes de recursos, sofreu um conjunto de ataques ao longo do ano, partindo do próprio governo federal, que incluíram a violação do princípio da autonomia universitária. Entre as tarefas urgentes para o presente e o futuro próximo, o presidente da ADUFRGS destaca a necessidade de disputar na sociedade a importância do país ter uma universidade autônoma e livre.

“Se as pessoas que estão no MEC hoje lessem os relatórios da OCDE e do Banco Mundial sobre a educação talvez eles chamassem essas instituições de centros de disseminação do comunismo no mundo. Isso dá uma ideia do pensamento absurdo e obtuso que esse governo tem. Nestes documentos está escrito que os estados nacionais devem investir em educação pública porque isso é bom para o desenvolvimento do capitalismo. Não é para criar um monte de comunista dentro da universidade. Na visão dessas instituições, quanto mais culta uma população for, melhor será para a economia do seu país. Isso se tornou um valor universal. O que nós estamos vivendo no Brasil é um retrocesso histórico”, afirma.

 

A educação brasileira, como ocorreu em todos as áreas da nossa vida, foi profundamente impactada pela pandemia. Mas não só. Também foi um setor, em especial na universidade pública, que sofreu ataques partindo do próprio governo federal. Como você definiria o ano da educação no Brasil?

Eu começaria falando sobre como a educação tem sido tratada pelo atual governo no plano federal. Se considerarmos a atuação dos ministros da Educação, veremos que 2020 foi marcado por um ministro ausente, depois por uma ausência de ministro e, mais recentemente, por um aparente ministro. Em um primeiro momento tivemos um ministro que tinha como pauta ser contra a educação, a universidade e os professores, e que acabou não se sustentando mais. Depois tivemos aquele estranho incidente da nomeação de um ministro que nunca assumiu. Ficamos cerca de um mês sem ministro e, por fim, passamos a ter um ministro que parecia sinalizar alguma interlocução positiva, mas parece que é apenas menos agressivo e polêmico que seus antecessores, mas que se mantém na mesma postura de um negacionismo sobre os problemas e de ausência de propostas de políticas para a educação e para as universidades.

Esse é um quadro muito ruim. O país vivendo o problema que está vivendo e, completando dois anos do atual governo, não há nenhuma proposta para a educação. Não tem nada. O que há é uma permanente ameaça de corte de recursos para as universidades, de perseguição aos professores, de ameaças às suas carreiras. Agora tivemos a nomeação de pessoas que não foram as escolhidas pelas comunidades para assumir as reitorias. O que vemos é a manutenção de uma política de enfrentamento que em nada contribui com a educação brasileira, que já é uma educação que enfrenta muitos problemas. Se pegarmos a educação superior federal, veremos que temos uma das menores ofertas públicas em comparação com países da América Latina e de outras regiões. Nunca conseguimos atender mais de 25% das matrículas. Cerca de 75% das matrículas de nível superior no Brasil são privadas. Se o governo se ativesse pelo menos aos seus 25% e valorizasse isso já seria um bom passo.

Na área da educação nós temos um não-governo, uma ausência de propostas e de debates. Toda vez que surge alguma coisa é sempre na intenção de provocar, de desvalorizar o professor e a professora, o pesquisador e o serviço público de um modo geral. O órgão que deveria ter como pressuposto básico a defesa das instituições públicas de educação faz exatamente o contrário. Então, estamos vivendo um período muito triste para a educação superior no Brasil. Mas nem tudo é tragédia. Se olhamos para o ano desde o seu início, podemos comemorar algumas coisas neste final de ano. Na semana passada, conseguimos reverter uma tragédia que atingiria a educação em geral, que era aquela regulamentação do Fundeb. A aprovação do Fundeb como um fundo permanente foi uma grande vitória do povo brasileiro, com a reversão daquela tentativa de tirar dinheiro do setor público e transferir para o privado.

Quando conversamos com deputados e senadores, observamos que, no chamado mundo civilizado, no mundo capitalista moderno, não estamos falando de nenhum país socialista, mas de países como Finlândia, Alemanha e Coréia do Sul, a educação é pública. Se as pessoas que estão no MEC hoje lessem os relatórios da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e do Banco Mundial sobre a educação, talvez eles chamassem essas instituições de centros de disseminação do comunismo no mundo. Isso dá uma ideia do pensamento absurdo e obtuso que esse governo tem. Nestes documentos está escrito que os estados nacionais devem investir em educação pública porque isso é bom para o desenvolvimento do capitalismo. Não é para criar um monte de comunista dentro da universidade. Na visão dessas instituições, quanto mais culta uma população for, melhor será para a economia do seu país. Isso se tornou um valor universal. O que nós estamos vivendo no Brasil é um retrocesso histórico. É até difícil pensar que temos um governo tão atrasado em relação a esses valores. Mas, como eu disse antes, apesar de estarmos vivendo uma situação tão séria, temos algumas coisas para comemorar.

Além da aprovação do Fundeb público, que já destacou, que outros fatos destacaria como positivos neste cenário que estamos vivendo no País?

A pandemia criou muitas dificuldades para mobilizações de rua, mas propiciou uma articulação da sociedade que ultrapassou os limites partidários e ideológicos e permitiu agregar setores democráticos em uma frente de resistência propositiva. Acho que conseguimos avançar nesta construção e alguns resultados que estamos colhendo agora no final do ano são positivos e alentadores. É claro que ainda está muito longe do que desejamos para o nosso país e por isso não podemos baixar a guarda.

Outro tema que marcou (e segue marcando) o ano de 2020 na área da universidade pública foi a violação do princípio da autonomia universitária pelo governo Bolsonaro, em vários processos de escolha de reitor pelas comunidades universitárias, inclusive aqui na UFRGS. Qual a avaliação que faz dessa situação e como vê as possibilidades de reversão dessas decisões?

Acredito que há vários aspectos que devem ser levados em conta sobre esse tema. Particularmente eu não gosto da judicialização dessas questões, embora ela seja muitas vezes um recurso necessário. Agora, o mais importante é que essa questão ganhe a compreensão da sociedade. Por que é que se defende a autonomia? Por que a autonomia é importante nas universidades? Essa não é meramente uma questão formal ou meramente política. Dentro do tema da autonomia há uma especificidade que é a forma de escolha e de nomeação do reitor por meio da lista tríplice. É uma coisa herdada de muito tempo atrás. Já foi lista sêxtupla no tempo da ditadura. Essa forma de escolher por meio de uma lista passou por todos os governos, mesmo os governos progressistas. Passou pelo governo do intelectual e universitário Fernando Henrique Cardoso, passou pelo governo Lula, que representava uma esquerda mais identificada, passou pelo governo da Dilma. Essa forma acabou não se alterando. Não é uma coisa fácil os governos abrirem mão de alguma forma de intervenção.

Nós, da ADUFRGS, e da nossa Federação, Proifes, defendemos uma proposta de lei orgânica para as universidades, apresentada no âmbito da Andifes (Asociação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica) e do Congresso Nacional, onde a gente discute essa questão mais profundamente. Se não conseguirmos ganhar essa narrativa junto à sociedade, se a sociedade não compreender porque é importante a autonomia, não adianta, vai ser muito difícil. Algumas pessoas, às vezes, me dizem: a universidade não é pública e federal? Por que o presidente ou o ministro da Educação não podem nomear o reitor? Em que isso atrapalha?

Talvez esse governo tenha apresentado o melhor exemplo de porque a universidade tem de ser autônoma. A escolha do reitor é só uma parte de um processo que é muito mais amplo. O reitor tem que ser o primeiro da lista porque diferentemente de outras listas que são oferecidas ao governo, no caso da universidade a lista é feita por meio da votação da comunidade. Não são entidades que indicam os nomes, como ocorre em outros casos. Aqui tem eleição. Isso confere à lista um outro status. O primeiro da lista é que tem que ser o indicado. Então por que tem lista, alguém poderá perguntar. Na verdade não tinha que ter. Já que existe, só em caso de impedimento do primeiro, poderia se indicar o segundo.

Há outros aspectos da autonomia que devem ser considerados. Imaginem se as universidades públicas brasileiras não tivessem autonomia acadêmica para fazer suas pesquisas e estivessem sob o comando central do presidente da República? Se fosse assim, o que a universidade pública brasileira estaria fazendo hoje? Não estaria pesquisando vacina nem tratamento para a covid já que não haveria porque perder tempo e recursos com uma “gripezinha”. Talvez estivéssemos discutindo a ciência sob a perspectiva de uma terra plana. Afinal de contas, é esse tipo de crendice que está presente no atual governo federal. Talvez não houvesse mais cursos de Antropologia, Sociologia e Filosofia.

Toda essa transformação tecnológica pela qual o mundo está passando, produto do desenvolvimento tecnológico a partir da chamada ciência dura, não tem impacto na organização da sociedade e na maneira como as pessoas se relacionam entre si? E quem estuda essas novas relações e impactos? Não são os sociólogos, os filósofos, os antropólogos? Quem ajuda a entender a reconfiguração da sociedade a partir dessas novas formas de produção? Como é que vamos desprezar essa área fundamental do conhecimento? Se nós não tivermos autonomia, isso tudo pode ser colocado na lata do lixo quando existir um governo com o perfil do atual. Se não houvesse a autonomia, nós poderíamos estar vivendo agora uma universidade teocrática. Isso é ruim para toda a sociedade, não só para a universidade.

Interessa à sociedade ter uma universidade autônoma e livre. As grandes universidades do mundo funcionam assim. É por isso que cresceram tanto. Apesar de todas as dificuldades que as universidades públicas brasileiras enfrentam, apesar de elas terem só 25% das matrículas, ainda assim elas são consideradas as melhores universidades do País , as que mais produzem pesquisa, conhecimento e ciência. Não é por acaso também que são as que mais estão focadas no enfrentamento da pandemia de covid-19. Isso só existiu porque seguimos lutando para ter uma universidade autônoma, apesar de todos os esforços do governo para acabar com isso.

Como é que está a relação com o atual reitor, indicado por Bolsonaro, contrariando a escolha feita pelo voto da comunidade universitária?

É um reitor que assume com um desgaste grande. Primeiro porque, durante o processo de consulta à comunidade ele foi um dos que disse publicamente que não aceitaria ser nomeado se não ganhasse. Ele fez exatamente o contrário. Não só foi nomeado, como lutou para ser nomeado. Mas, uma vez que ele foi nomeado, ele é o reitor e nós, como sindicato, temos que nos relacionar com os reitores sejam eles quem forem. Isso faz parte do papel do sindicato. Nós pedimos audiências com os ministros desse governo. Eles não nos recebem porque não querem, porque não gostam de nós, mas nós cumprimos a nossa função como sindicato, como federação, de tentar negociar.

Nós já tivemos reuniões com o novo reitor da UFRGS para discutir questões próprias da carreira e o cumprimento de ações legais que a gente ganhou, entre outros temas. Já na primeira reunião com ele nós dissemos que somos Amicus Curiae em uma ação no Supremo Tribunal Federal que contesta a nomeação dele como reitor. Isso não tem nada de pessoal, acrescentamos. É uma questão de princípio. Esclarecido isso, nós vamos tratar das questões que nos cabem tratar como sindicato que se relaciona com a Reitoria. Ele não terá em nós um aliado, mas teremos interlocução com ele. Afinal de contas, ele é um professor da UFRGS, foi diretor do Instituto de Pesquisa Hidráulica e é associado do nosso sindicato. Tem um pensamento diferente, mas até aí tudo bem. Respeitamos a diversidade de pensamento, mas não concordamos com a forma como ele foi nomeado.

Parece ser esse o sentimento principal da maioria dos professores e professoras da UFRGS em relação a ele. No entanto, a universidade tem que seguir a sua vida. A universidade tem um Conselho Superior, o Consun, que tem estado atento para evitar que haja um desmonte da universidade e que ela continue sendo independente e plural. De resto, seguiremos tentando reverter essa nomeação ou ao menos impedir que ela se transforme na destruição da universidade.

Em que pé está a tramitação dessa ação no STF?

Está parada no Pleno, aguardando apreciação. Há uma segunda ação que foi impetrada pela OAB, questionando a nomeação de reitores dos institutos federais, que já teve um parecer favorável. A lei que criou os institutos federais não prevê a lista tríplice como forma de escolha de seus reitores, definindo que, quem ficar em primeiro lugar na consulta à comunidade, deve ser o nomeado. Em alguns estados, o presidente da República resolveu nomear pessoas que não tinham sido eleitas e, em alguns casos, nem estava na lista. A decisão do ministro Fachin foi que o presidente da República só pode nomear quem estiver na lista tríplice. Foi um ganho parcial, mas ainda não nos satisfaz porque continua permitindo que pessoas, como o atual reitor da UFRGS, que foi o menos votado em todos os segmentos da comunidade e teve apenas dois votos no Consun, seja o atual reitor hoje sem nenhum reconhecimento de sua comunidade para sê-lo.

Esse problema só vai se resolver na medida em que tivermos uma lei que altere esse dispositivo da lista tríplice. Essa é uma luta que não tem sido fácil. Há a necessidade de convencimento de muitos setores da sociedade. É aquilo que eu falei antes. Essa lei da lista tríplice para as universidades passou incólume os dois governos Fernando Henrique Cardoso, que era um sujeito da universidade, os dois governos Lula e um governo e meio da Dilma, todos comprometidas com causas democráticas. Então, não é uma questão muito simples. Estamos fazendo um esforço para mostrar que acabar com a lista tríplice não significa tirar poder do governante, mas sim conferir poder à universidade para que ela faça aquilo que tem que ser feito. Não há registro no mundo de que as universidades com autonomia plena deixem de ter compromisso com o desenvolvimento do País. Agora, o contrário acontece. As universidades que são teocráticas ou que são vinculadas e presas aos interesses de um governo inúmeras vezes promovem ações que são contra os interesses da sociedade. É esse entendimento que precisamos disputar na sociedade.

Nos últimos meses, houve uma série de preparativos, inclusive no âmbito da UFRGS, para o retorno das aulas presenciais. No entanto, neste final de ano, nós estamos vivendo um recrudescimento da pandemia. Como está essa questão do retorno às aulas presenciais e qual sua posição a respeito desse tema?

Nós temos dentro da ADUFRGS um Conselho de Representantes, que são professores e professoras que representam as diferentes unidades da universidade e ajudam a diretoria a tomar decisões. Nós criamos dentro desse Conselho um grupo de trabalho multidisciplinar para pensar um plano e uma série de protocolos tanto para as atividades à distância (ensino remoto emergencial, como foi chamado dentro da UFRGS) como para as condições necessárias para um retorno seguro às aulas presenciais. Esse protocolo proposto pelo Conselho foi enviado a todas as instituições que nós representamos, UFRGS, UFCSPA, Instituto Federal do Rio Grande do Sul e Instituto Federal Sul-riograndense, com orientações e sugestões sobre cuidados que deveriam ser tomados. Nós mantemos esse trabalho e estamos acompanhando a situação em cada um desses lugares para que sejam observados todos os protocolos de segurança.

Se existe uma coisa que os professores e professoras mais querem é retornar às suas atividades presenciais. Eu não agüento mais dar aula nessa telinha para meus alunos. Não agüento mais ficar em casa e não poder ir lá na minha sala, nos meus laboratórios – sou professor de Química -, dar aula nos laboratórios, debater com os alunos, fazer projetos em conjunto. É falso dizer que os professores e professoras não querem retomar as aulas presenciais. É claro que querem retomar. E tenho certeza que os alunos querem retomar também, mas não é isso que está em discussão. O que se discute é se há condições seguras para retomar atividades presenciais. Até setembro e outubro, aparentemente se desenhava um cenário altamente positivo. Havia uma curva descendente, com anúncio de avanços no desenvolvimento de vacinas. Mas houve um afrouxamento geral na sociedade, principalmente a partir de novembro, com os feriados e depois com as eleições, que levou a um novo e enorme crescimento de casos, essa chamada segunda onda. O Brasil voltou a ter dias com mais de mil mortos e a Europa está toda explodindo também.

O panorama mudou totalmente e o governo federal, o Ministério da Educação, parecem não ter percebido isso. Pensou-se uma coisa em setembro, a realidade mudou completamente em novembro e querem deixar valer aquilo que foi escrito em setembro, propondo essa maluquice de começar as aulas no dia 6 de janeiro. Parece que falta um mínimo de bom senso. Tamanha foi a reação da sociedade que o governo, obrigatoriamente, teve que recuar da sua posição porque ela era insana e sem nenhum cabimento. O governo recuou e jogou essa retomada lá para março. Tomara que a gente possa voltar em março, mas é preciso considerar o quadro que está se desenhando. Em primeiro lugar, é preciso acabar com essa politicagem barata que o governo resolveu fazer em relação à vacina. O que menos se espera de um ministro da Saúde é que ele tenha desprezo pelo drama da famílias dos quase 190 mil mortos e de milhões de infectados que já somamos neste final de dezembro. E temos um presidente da República amalucado, que parece não ter essa sensibilidade de olhar para o próximo e ter empatia com sua dor.

Ainda sobre a volta das aulas presenciais, há quem diga que as escolas são mais seguras do que as casas. Também acredito nisso, que a minhas sala de aula pode ser mais segura do que algumas residências de alunos. Só que esses alunos têm que sair de onde moram e ir até a escola ou a universidade. E depois têm que voltar para casa. Não são raros os testemunhos sobre pessoas que pegaram covid – e alguns morreram – em deslocamentos, mesmo mantendo algum padrão de segurança. Imagine aqui na UFRGS colocar 80 mil pessoas circulando e se juntando em salas de aula, qual o risco que isso representa, sem ter a vacina. Então, é preciso ter prudência, cuidado, responsabilidade nos atos e na fala. Felizmente, todos os reitores até agora tem mostrado esse cuidado e essa responsabilidade.

A ADUFRGS vem implementando uma campanha em defesa da vida como um valor maior e, ao longo do ano, além das pautas mais voltadas para a categoria, participou também de campanhas de solidariedade, junto com movimentos sociais e outros sindicatos, que envolveram a doação de alimentos para comunidades de periferia. Por outro lado, temos um presidente da República que parece ter uma certa adoração pela cultura de morte. Como é que vê esse choque na sociedade brasileira hoje entre uma cultura que procura promover a vida e a solidariedade e a outra que valoriza as armas, a violência e a morte?

Essa talvez seja uma das questões mais desafiadoras que nós temos que enfrentar. Nós estamos com essa campanha desde o início da pandemia, desde os primeiros momentos do processo de isolamento social. Criamos vínculos com uma série de cooperativas de pequenos agricultores e fazer um ponte entre eles e os nossos professores para que eles pudessem fornecer diretamente alimentos orgânicos, com entrega em casa. Essa ponte beneficiava nossos professores e também os agricultores que eram fornecedores de alimentos para escolas estaduais e municipais que pararam de funcionar com o início da pandemia.

Além disso, nós criamos um sistema nosso, juntamente com a Central Única dos Trabalhadores e outras organizações, e passamos a doar cestas básicas para famílias de comunidades mais carentes. Esse projeto, inicialmente, iria até novembro, mas decidimos estendê-lo até janeiro para tentar minimizar a grave situação vivida por essas pessoas que perderam trabalho e renda. A gente tem claro que são medidas paliativas, mas também são extremamente necessárias diante do quadro de desemprego e miséria que se agravou ao longo do ano. A ADUFRGS tem pautado muito esse trabalho de solidariedade, junto com outras entidades, num momento em que o movimento sindical está sofrendo muita perseguição política e cortes de suas formas de financiamento.

Outra disputa que a gente faz está expressa nesta campanha em defesa da vida que estamos fazendo. Temos um governo que age com desprezo em relação à vida. O presidente da República, gostemos ou não dele, é o presidente da República. É o sujeito que, no imaginário popular, deveria ter a verdade na palavra. As pessoas, quando escutam o presidente da República falar, ouvem alguém que, independente da opinião que se tenha dele, o sujeito que ocupa o cargo mais importante da República. O problema é que ele não tem compreensão do sentido dessa responsabilidade e, dessa forma, acaba colocando em risco a vida das pessoas. Disputar esse tema não é fácil. Se só os sindicatos e algumas outras organizações falarem sobre isso, essa disputa é desproporcional. Muita gente tem que passar a falar sobre isso. A imprensa tem que falar e repercutir essas vozes para que mais pessoas comecem a pensar de forma mais independente. As últimas pesquisas mostraram uma queda de confiança no discurso do presidente, mas ainda são 37% que confiam. Em uma população de 220 milhões estamos falando de muita gente. Mais de 60 milhões de pessoas ainda acreditam nesta insanidade. Isso é grave.

Por isso, é importante a denúncia que foi feita contra o presidente no Tribunal de Haia. Ele tem que ser responsabilizado por essas mortes. Ao invés de recomendar que as pessoas tivessem cuidado e tomassem as medidas de prevenção necessárias para evitar o contágio, ele faz o contrário, minimiza a gravidade da doença e promove aparições públicas em aglomerações, todo mundo amontoado e sem máscara. Essas imagens repercutem na vida das pessoas. Se o presidente e toda essa gente não estão usando máscara, por que eu vou usar…E estamos chegando ao final do ano com 200 mil mortos e milhões de brasileiros infectados, muitos deles com graves seqüelas. Não está se falando disso, das pessoas que sobrevivem ao contágio, mas ficam com o pulmão comprometido, com os rins comprometidos, entre outros problemas. E o presidente segue aí com o seu discurso negacionista e ainda com cerca de 37% de aprovação. O grande desafio que temos pela frente é fazer essa disputa: a defesa da vida contra a negação da vida.


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