25/04/2024 - Edição 540

Brasil

Incompetência letal

Publicado em 17/12/2020 12:00 -

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Sabe quem é o maior culpado pelo gigantesco número de mortos pela pandemia no país? O Brasil. Sim, foi o que você leu. O Brasil, que não fez o que era preciso para evitar os mais de 181 mil óbitos que lhe asseguram a condição de o segundo país do mundo onde mais pessoas perderam a vida para o coronavírus.

É o que conferiu pesquisa Datafolha que entrevistou por telefone 2.016 brasileiros adultos entre 8 e 10 de dezembro em todos os estados e regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais. 22% do restante pensa que nada que o país fizesse evitaria tantos mortos, e 22% que o necessário foi feito.

Para 52% dos entrevistados, Bolsonaro não tem culpa alguma pelo total de mortos. Outros 38% disseram crer que o presidente é um dos culpados, mas não o principal. E 8% afirmaram que ele é o principal culpado pelas mortes. Em agosto, eram 47% os que diziam que Bolsonaro não tinha nenhuma culpa.

Embora a maioria da população isente Bolsonaro da responsabilidade pelas mortes, isso não quer dizer que o desempenho do presidente no enfrentamento da crise sanitária seja bem avaliado pela população brasileira.

Dos entrevistados, 42% avaliam como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro em relação à pandemia. Já 27% veem as ações do presidente como regulares, e 30% avaliam como ótimas ou boas. Em diversas ocasiões o chefe do Executivo menosprezou a gravidade da pandemia, que já matou mais de 1,6 milhão de pessoas em todo o mundo.

Incompetência letal

Na pior crise sanitária de nossa era, apesar de o País contar com um sistema de saúde pública e uma infraestrutura de imunização reputados mundialmente, a condução do governo será lembrada pela história como desastrosa em todos os sentidos: da comunicação, passando pela articulação com Estados e municípios, distribuição de equipamentos e medicamentos, administração de testes, até o plano de vacinação, não há um aspecto da gestão da crise que não tenha sido infectado pelo obscurantismo, descaso, incompetência ou má-fé do presidente e seu fantoche no Ministério da Saúde.

Meses após as autoridades científicas terem desacreditado a hidroxicloroquina e a azitromicina no tratamento da covid-19, o Ministério da Saúde planeja gastar até R$ 250 milhões para oferecê-las no programa Farmácia Popular. Com esse valor seria possível adquirir 13,8 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, o suficiente para imunizar quase 7 milhões de pessoas.

A Sociedade Brasileira de Infectologia – em linha com a OMS e sociedades médicas dos EUA e Europa, além da própria Anvisa – voltou a alertar contra o tratamento farmacológico precoce para covid-19: “Os estudos clínicos randomizados com grupo de controle existentes até o momento não mostraram benefícios e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais”.

Concomitantemente, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas desfilou um catálogo de problemas na divulgação de dados sobre a pandemia. A página com informações de distribuição de testes, por exemplo, apresentou defasagem de 13 semanas – não surpreende que, no fim de novembro, quase 7 milhões de testes estavam encalhados em um depósito, prestes a perder a validade. Defasagem similar foi verificada na base de dados sobre medicamentos e EPIs. Os boletins epidemiológicos, fundamentais para monitorar a curva de contágio, apresentaram um vácuo informacional de quase um mês. O número de leitos não fora atualizado desde outubro.

A frequência das coletivas de imprensa, que na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta eram quase diárias, despencou para quase uma por semana, tendo havido um hiato de 13 dias em novembro. O ministro Eduardo Pazuello participou de apenas 13% delas.

À luz desse apagão informacional, o voo cego na vacinação era previsível. Mesmo assim, a desorientação é assombrosa. Enquanto o mundo testemunhava as primeiras vacinações no Reino Unido, Pazuello declarou que a Anvisa levaria ao menos 60 dias para certificar uma vacina e que a imunização deveria começar apenas em março. Poucos dias depois, sugeriu que talvez começasse no final de dezembro, se “a Pfizer conseguir autorização emergencial e nos adiantar alguma entrega”. Uma semana antes, a aquisição da vacina da Pfizer era dada por Pazuello como impraticável, em razão das condições de armazenamento, o que foi logo desmentido pelas autoridades sanitárias.

Em carta aberta, 11 ex-ministros da saúde (incluindo os dois defenestrados por Jair Bolsonaro por se recusarem a ministrar tratamentos não comprovados) lembraram que o País tem um dos “melhores e mais abrangentes programas de imunizações do mundo”. Mas até agora não se sabe de quantas vacinas o governo federal disporá nem quando. Há indícios de que faltam agulhas.

É incalculável o número de vidas desnecessariamente perdidas em meio às reviravoltas e tropeços dessa dança macabra do governo. A história será implacável, e espera-se que no momento oportuno o eleitorado também seja. Enquanto isso, é urgente que órgãos de controle como o Ministério Público, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União ou a Comissão Mista do Congresso para a covid-19 se mobilizem para impedir que mais vidas sejam sacrificadas no altar da incompetência em que se transformou o Ministério da Saúde.


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